Atualmente, o Sistema Nacional de Identificação e Localização de Pessoas Desaparecidas (Sinalid) aponta que Alagoas tem um registro de 1.423 pessoas desaparecidas. Deste total, 30% das vítimas são crianças e adolescentes. O assunto foi tema de Audiência Pública realizada nesta segunda-feira (7), na Câmara de Vereadores de Maceió. Na oportunidade, familiares de pessoas desaparecidas deram depoimentos, como é o caso de José Aparecido, pai de Edvaldo Sabino, jovem que está desaparecido há três anos e sete meses. "Não sei está vivo ou morto", comenta.
O Sinalid, gerido pelo Ministério Público de Alagoas, aponta que se somados os percentuais de Pardos e Pretos, a população negra se torna a maioria das vítimas de desaparecimentos. A população parda compõe, de um total de 1.423 desaparecidos, 76,06% das vítimas, enquanto as pessoas pretas são 5,16%, totalizando, 81,22% das pessoas negras que estão na condição de desaparecimento em Alagoas.
A audiência pública sobre os desaparecimentos em Alagoas foi iniciativa da ativista do Instituto Raízes de Áfricas, Arísia Barros. Sensibilizada com a história de Maria Clara, de 5 anos, que está desaparecida há oito meses, ela propôs o tema, considerando ainda que a maioria das vítimas nessa estatística é de pessoas negras e pobres, segundo ela.
"Trabalhamos invisibilidades. E isso está ligado a cor. O caso Maria Clara chamou a atenção mesmo tendo inúmeras pessoas desaparecidas em Alagoas. Me pergunto porque esse tema é silenciado. Estamos vivendo um estado de inércia. Entendo que o caso dela é um problema de todos nós. É como se fosse filha de todos nós. Se criança é prioridade, por que não focamos nessas questões?", indagou Arísia cobrando mais efetividade das ações.
Um dos relatos foi feito por José Aparecido. Ele conta na Câmara de Vereadores que o filho, Edvaldo Sabino, está desaparecido há mais de três anos. Ele chorou no momento em que relembrava como o sumiço ocorreu e a busca pelo paradeiro do filho, que naquele período tinha 23 anos.
"Ouvi aqui um relato de uma mãe que encontrou o corpo do filho após nove dias de desaparecido. E o meu que há três anos e sete meses não o encontro? Não sei está vivo ou morto. Isso é uma angústia muito grande. Quando teve a campanha do IML para cadastro de familiares fui o primeiro da fila. Até hoje espero notícia do meu filho. Tinha 23 anos e foi a uma festa. Menino trabalhador. Mas que festa foi essa que até hoje não voltou. Nem ele, nem moto, e nem nada desde de 3 de agosto de 2018 até a data de hoje. Peço ajuda da sociedade para saber onde está pelo menos os restos mortais para ter o prazer de pelo menos enterrar o meu filho", desabafou Aparecido.
Outro caso emblemático foi relatado por D. Irene, mãe de Elias Nataniel, desparecido há sete anos na cidade de Passo de Camaragibe, localizada no Litoral Norte do Estado. Ela relata que desde o fato, a vida dela parou no tempo entre idas e vindas à cidade. Em público ela lamentou o abandono do caso, já que são vários anos sem novidades e percebe que não há mais interresse na localização.
"Meu filho era uma pessoa calma. Não tinha vício e era uma pessoa de bem. Ficamos procurando por dois e três dias e ele não apareceu. Fizemos buscas por conta própria. Tive muita dificuldade para registrar o boletim de ocorrência. Só fiz em Maceió. O delegado disse que meu filho desapareceu porque ele quis. Só tinha essa notícia. A última vez que fui lá foi quando ele disse que não tinha bola de cristal para achar o meu filho. Quero encontrá-lo vivo ou morto. Vou na delegacia de lá e sou vista como um nada. Estou aqui tremendo por emoção. Até o dia de hoje nunca mais disseram nada. Poder público não liga para pobre", sentenciou Irene.
Caso Maria Clara
A menina, até então com cinco anos, desapareceu no bairro do Vergel do Lago, em 19 de julho de 2021. Desde então, não há informações sobre o paradeiro dela. A conselheira tutelar da região II que abrange do Pontal ao Centro, Valmênia Santos, explicou que desde o desaparecimento da pequena a entidade tem trabalhado de forma intensa.
Disse ainda que todas as autoridades foram mobilizadas e devidamente notificadas. Além disso foi feita uma grande mobilização na comunidade para colaborar com as buscas e o fornecimento de informações, mas que infelizmente até o momento não foram suficientes para sua localização.
"A Maria Clara é uma criança que desapareceu em nossa região. Desde o início sofremos muito com esse desaparecimento. Acompanhamos seus familiares junto as autoridades. Já estávamos cobrando respostas, mas foi a provocação da Arísia que também ajudou a voltar a mobilizar a todos e todas é muito válida", disse Valmênia.
Ela disse, ainda, que a mãe da criança passou a contar com apoio psicológico após ter ficado muito abalada. Quanto ao trabalho do conselho tutelar na região se descobriu que há muitas crianças em situação de vulnerabilidade. A maioria chega a passar muitas horas na rua.
"Nos últimos dois meses encontramos crianças após a meia noite e tivemos que cuidar dela. Não localizamos os pais e tivemos que tomar medida protetiva. Precisamos chamar a responsabilidade dos pais e do poder público", citou Valmênia como exemplo.
gazetaweb
*Com informações da Câmara de Maceió