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Leitura de Domingo
31/10/2021 08:00:00

'Abandonei estudos, fingi ter emprego e escrevi carta de suicídio': os riscos do vício em games

Cam Adair finalmente percebeu que o seu vício em videogames estava fora de controle quando pensou em pôr fim à própria vida por causa dele.


'Abandonei estudos, fingi ter emprego e escrevi carta de suicídio': os riscos do vício em games

"Eu lutei contra isso por 10 anos", afirma ele. "Saí do ensino médio, nunca fui para a faculdade e fingi ter empregos para enganar minha família."

"Certa vez, escrevi uma carta de suicídio e foi naquela noite que eu percebi que precisava de ajuda. Agora estou livre do meu vício em jogos há 3.860 dias", conta Cam.

Canadense com 32 anos de idade, Adair acabou por se tornar o fundador do Game Quitters, um grupo de ajuda online para pessoas que lutam contra o vício em jogos. O grupo tem atualmente mais de 75.000 membros em todo o mundo.

Embora a tecnologia e especificamente a internet tenham ajudado a manter o mundo funcionando durante os confinamentos causados pelo coronavírus, ele conta que tem sido difícil para pessoas como ele.

"A pandemia me levou a passar mais tempo que o normal assistindo ao Twitch [serviço de streaming ao vivo dedicado em grande parte a pessoas que jogam videogames] e ao YouTube", segundo Adair.

"Grande parte desse conteúdo [no YouTube] era de streaming de jogadores e também de jogos, que podem ser fortes gatilhos para recaídas no jogo. Felizmente, consegui evitar as recaídas, mas conheço muitas pessoas da comunidade Game Quitters que infelizmente recaíram durante a pandemia", conta ele.

Jovem jogando videogame

CRÉDITO,GETTY IMAGES

 
Legenda da foto,

Jovens adultos podem passar horas e horas jogando videogame

 

No seu estudo sobre vício em internet, publicado na revista CNS Drugs, Martha Shaw e Donald W. Black, do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, classificam a dependência dos jogos como parte de um vício em internet mais amplo.

O estudo define essa dependência como "preocupação, impulso ou comportamento excessivo ou mal controlado relativo ao uso do computador e acesso à internet que gera prejuízo ou desconforto".

'Fator debilitante'

Embora muitas pessoas argumentem que não é tão séria como o alcoolismo ou a dependência de drogas, a dependência dos jogos pode ainda ser um fator debilitante para as pessoas atingidas. O dr. Andrew Doan, neurocientista e especialista em vícios digitais, concorda que os confinamentos exacerbaram o problema.

"As tensões da vida geram anseios por comportamentos e mecanismos de fuga", afirma ele. "A pandemia aumentou a tensão na vida das pessoas e uma forma conveniente de escape é o uso de meios digitais de entretenimento, como os videogames e as redes sociais. O uso excessivo para escapar da tensão é um fator de risco para o desenvolvimento de comportamentos viciantes", adverte o Dr. Doan.

Para ajudar a combater o vício em internet, diversas empresas de tecnologia produziram ferramentas que podem ser usadas para ajudar a bloquear ou limitar o acesso à internet ou a sites de jogos.

Linewize é um desses produtos, destinado às crianças ou - mais especificamente - aos seus pais.

O website e o aplicativo permitem que os pais e responsáveis limitem e monitorem à distância o tempo que as crianças podem passar em sites de jogos ou na internet como um todo, seja por meio dos smartphones ou dos laptops das crianças.

Linewize também contém as habituais "travas parentais", que evitam o acesso a material violento ou pornográfico.

Crianças em seus tablets

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Legenda da foto,

Esta é uma visão familiar para a maioria das pessoas que têm filhos

 

Teodora Pavkovic, psicóloga qualificada e especialista em bem-estar digital da empresa criadora do Linewize, sediada em San Diego, nos Estados Unidos, afirma que os jovens são particularmente susceptíveis a passar tempo demais online. Isso é algo com que os pais de adolescentes tendem a concordar.

"Administrar o tempo que se passa online de forma saudável e equilibrada exige conhecimentos cognitivos muito sofisticados que não se desenvolvem completamente até atingirmos 25 anos de idade", segundo Pavkovic.

Ela acrescenta: "As plataformas online são construídas para extrair e maximizar o nosso tempo, dados e atenção, de forma que - em combinação com os muitos riscos dissimulados que se escondem online - tornam excepcionalmente difícil para as crianças interagir com o mundo online de forma medida, segura e responsável".

Para os adultos, o vício em internet pode também conduzir ao vício em jogos de azar, alimentado pelos aplicativos e websites de apostas.

BetBlocker é um aplicativo que permite que as pessoas bloqueiem seu acesso a dezenas de milhares de websites e aplicativos de apostas por um período de tempo determinado pelo usuário.

Quando a restrição é ativada, a pessoa não consegue ter acesso às plataformas de apostas até que termine a restrição.

O aplicativo BetBlocker - que é grátis - pode também ser controlado por um parceiro, amigo ou pelos pais da pessoa.

Jogo em celular

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Legenda da foto,

O aplicativo BetBlocker impede o acesso a dezenas de milhares de websites de apostas

 

"A facilidade de acesso a apostas remotas é inquestionavelmente o maior desafio enfrentado atualmente por qualquer pessoa com vício em apostas", segundo o fundador do BetBlocker, Duncan Garvie.

"Todos andam com um cassino ou banca de apostas no bolso e é muito fácil jogar sem que ninguém perceba", afirma ele.

Os usuários podem bloquear os sites de apostas por horas, dias ou semanas. E as pessoas podem também usar o aplicativo para bloquear outros websites, como os de videogames.

"O aplicativo pretende ajudar os usuários, criando restrições durante períodos de vulnerabilidade conhecidos", acrescenta Garvie, que mora em Edimburgo, na Escócia.

GamBlock é outro aplicativo que pode ser usado de forma similar para evitar o acesso a websites de apostas. O executivo-chefe da empresa australiana, David Warr, afirma que "não somos contra as apostas". O foco é em ajudar os apostadores problemáticos.

O dr. Andrew Doan adquiriu sua experiência em vício em videogames, em parte, pela forma mais difícil - ele próprio era um adicto.

"Durante o curso na Faculdade de Medicina da Universidade Johns Hopkins [em Baltimore, nos Estados Unidos] e ao longo da minha residência médica, eu joguei de 80 a 100 horas de videogame por semana por cerca de 10 anos", afirma ele.

Autor de um livro intitulado "Viciado em jogos: a sedução e o custo do vício em videogames e internet" (em tradução livre do inglês), o dr. Doan afirma que a internet deve ser observada em duas formas separadas.

"Eu divido os meios digitais em duas categorias amplas - açúcar digital e legumes digitais. Os legumes digitais, como as terapias online, podem ser usados para ajudar as pessoas a controlar sua tensão e reduzir seu risco de comportamentos viciantes. [Enquanto] o uso excessivo de açúcar digital, como jogos, pornografia e redes sociais não relacionadas ao trabalho, pode aumentar o risco de comportamentos viciantes, particularmente quando essas atividades forem usadas para escapar dos fatores de tensão diários", afirma ele.

O dr. Doan teme que, devido ao longo tempo que todos nós passamos atualmente online, o número de casos de vício em internet e videogames aumente.

Homem trabalhando de casa com filha ao lado

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O confinamento pressionou adultos e crianças a usar cada vez mais a internet

 

Mas Cam Adair tem esperança de que as empresas de tecnologia, como a Linewize, BetBlocker e GamBlock, possam desempenhar um papel importante para ajudar a reduzir o problema. E é importante ressaltar que qualquer pessoa preocupada com qualquer forma de adicção deve entrar em contato com seu médico.

O trabalho de Adair foi publicado na revista "Psychiatry Research" e agora ele é um palestrante internacional sobre o tema da adicção.

"Pedir ajuda salvou a minha vida", conta ele. "Eu trapaceei, me afastei, me isolei, hostilizei os outros e fiquei incomunicável durante a minha dependência. Agora, estou feliz, satisfeito e capaz de lidar com as tensões da vida normal."

Onde buscar ajuda?

CAPS e Unidades Básicas de Saúde (saúde da família, postos e centros de saúde)

UPA 24h

Samu 192

Hospitais

Pronto-socorro

CVV - Centro de Valorização da Vida (apoio emocional e prevenção do suicídio)

Telefone 188 (ligação gratuita de qualquer linha telefônica fixa ou celular)

Site www.cvv.org.br (chat ou e-mail)

bbc.com 



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