Especialistas do setor elétrico criticaram o texto aprovado na noite de quarta-feira pela Câmara dos Deputados que autoriza o governo a privatizar a Eletrobrás. A avaliação é que o relatório apresentado pelo relator da matéria na Casa, deputado Elmar Nascimento (DEM-BA), interfere em questões de planejamento da área, ao definir sua expansão por meio de usinas térmicas e de hidrelétricas de pequeno porte (PCHs).
Editada em 23 de fevereiro, a medida provisória prevê a diluição da atual participação do governo no capital da estatal, dos atuais 60% para 45%, por meio da oferta de novas ações no mercado. A MP foi aprovada na Câmara por 313 votos a favor e 166 contra. O texto segue agora para o Senado, onde tem de ser votado até 22 de junho, quando perde a validade. "Acho um absurdo completo, porque o relator se meteu em questões de planejamento do setor elétrico", disse o diretor do instituto Ilumina, Roberto D'Araújo.
Para ele, as medidas previstas no relatório devem elevar os custos do setor, que serão refletidos nas tarifas de energia, e não o contrário como o governo tem defendido. "Baixar tarifa deveria ser atacando os custos de geração, e não da forma como estão propondo, que é pegar o dinheiro da Eletrobrás e colocar para cobrir a tarifa alta", disse ele, ao explicar que, após o fim do dinheiro, os custos de geração continuarão pressionando os custos para o consumidor final.
O presidente da consultoria PSR e ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Barroso, tem opinião semelhante. Na avaliação dele, a contratação de térmicas é "muito ruim" porque atribui ao Legislativo a atividade de planejamento do setor elétrico, ignorando as atividades já realizadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME).
"Leva para o universo político uma discussão que é técnica. A definição de compra compulsória de tecnologias pode resultar em ineficiências e pressionar ainda mais uma tarifa já pressionada", afirmou.
O ex-presidente da EPE Maurício Tolmasquim também acredita que, da forma como a MP foi aprovada, traz novos custos para o setor, alguns dos quais terão de ser financiados pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), para arcar com o valor mais caro da energia vendida pelas PCHs. "Tem uma série de novos custos e imposições que foram colocadas sobre o consumidor de energia, que terá impacto grande sobre a tarifa", afirmou ele.
Tolmasquim disse também que vê o processo de privatização da Eletrobrás como algo muito complicado, tanto pelo que foi aprovado ontem, quanto pela maneira como as coisas aconteceram. "Em vez de diminuir o penduricalho, resolveram botar mais, e agora é uma árvore cheia de penduricalhos, e todo mundo vai pagar essa conta", disse.
Já o ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Nelson Hubner disse que a privatização da Eletrobrás não é o maior problema, mas sim a descotização da energia das usinas e o repasse de boa parte desses recursos ao Tesouro - e não integralmente ao consumidor, que pagou por elas.
"Não há nenhuma possibilidade de reduzir tarifas para o consumidor dentro desse modelo", disse. Segundo ele, o impacto tarifário será ainda maior no Nordeste, cujas distribuidoras têm menor contratação de termelétricas, proporcionalmente do que no Centro-Sul do País, e o aumento do custo da energia das hidrelétricas terá ainda mais peso naquela região.
Sobre os jabutis incluídos pelo relator, Hubner afirmou que está claro que eles atendem a interesses específicos de empresas do setor de gás. Ele disse ainda que a renovação dos contratos por mais 20 anos das usinas contratadas dentro do Proinfa também foi um absurdo, pois a energia supera os R$ 400 por megawatt-hora (MWh), e o valor ficará muito elevado, mesmo com a troca do indexador pelo IPCA e o novo valor de referência proposto na MP.
"Qualquer governo sério que for eleito no futuro terá que rever essas mudanças obrigatoriamente, quiçá até reassumir o controle da Eletrobrás. Essa MP explode o preço da energia no Brasil, e não só para o consumidor cativo, mas para todos, inclusive os livres", disse.
Entre as principais mudanças feitas pelo deputado Elmar Nascimento, está a retirada de algumas das medidas inclusas no texto original, como a obrigação de contratação da 6 gigawatts (GW) em térmicas. Pelo novo texto, a contratação dessas termelétricas acontecerá por meio de leilão, nas Regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde há poucas reservas e gasodutos.
O relator também manteve propostas, como a obrigação permanente de contratar 2 gigawatts (GW) de Pequenas Centrais Hidrelétricas em leilões de energia nova A-5 e A-6. Além disso, os leilões ainda deverão contratar 40% de PCHs até 2026, por 20 anos, ao preço do leilão A-6 de 2019, de R$ 285,00 por Mwh.
Também foi mantida a obrigação de a União realocar famílias que moram em faixa de servidão de linhas de transmissão em até três anos. A medida valerá para todas as regiões metropolitanas das capitais, e será paga com recursos do Programa Casa Verde e Amarela. Não há estimativa de custos da medida.
Informações Estadão
Terra