A segunda onda da pandemia começa a dar sinais de arrefecimento em boa parte do país, mas hospitais seguem com ocupação altíssima e lutando contra escassez de recursos e medicamentos. Como alternativa a esse cenário, vem crescendo no Brasil o home care, atendimento domiciliar de saúde. “O que era considerado como uma resistência, hoje se desdobra para atender a demanda”, é o que diz Roberto Santoz, proprietário do serviço de home care Fleur de Lis, localizado em Brasília (DF).
O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, aponta que todas as grandes regiões brasileiras apresentaram aumento expressivo do número de estabelecimentos de serviços de Atenção Domiciliar. “Chama a atenção o crescimento registrado na região Nordeste desde 2017, com aumento de 209% no número de estabelecimentos em três anos”, diz a pesquisa.
Outro panorama, divulgado pelo Núcleo Nacional das Empresas de Serviços de Atenção Domiciliar (Nead), mostra a relevância do setor frente à insuficiência de infraestrutura hospitalar (74,3% dos municípios brasileiros possuem menos leitos do que o recomendado pela Organização Mundial da Saúde, a OMS) e de recursos humanos, principalmente com relação ao número de enfermeiros: 91% dos municípios possuem menos enfermeiros por mil habitantes do que o recomendado pela OMS.
O home care foi uma alternativa para a família da analista legislativa da Câmara dos Deputados Sônia Vera Cruz. Desde dezembro, quando a mãe dela, de 82 anos, foi diagnosticada com Covid-19, o serviço era cogitado, após os médicos falarem que o pós-Covid poderia ser enfrentado com o atendimento em casa.
Ela optou então por esse tipo de tratamento para as sequelas da Covid-19 nos pulmões da mãe. “Ela teve o vírus em dezembro, foi ao hospital, acabou internada, ficou muito mal e demorou a sair. O processo da alta também demorou muito, mas finalmente ela conseguiu e veio para casa, e aí entramos com o home care.”
Para a mãe de Sônia se recuperar, o caminho foi longo, “Desde o início foi muito triste, foi um susto, ela estava muito fraquinha, sem respirar direito, com febre… passou o Natal e o Ano Novo no hospital, foi preocupante”.
Sônia diz ainda que a mãe sempre pedia para voltar para casa, e isso foi uma das razões para a opção pelo atendimento domiciliar. “Em casa, ela voltou para a fisioterapeuta pós Covid-19. Esse momento foi um alívio, era o que ela mais queria, a família perto.”
Com isso, dona Gilza conseguiu se recuperar e hoje está sem sequelas – o home care já virou passado também.
Ela conta que arcou com o serviço, e garante: “O preço é bem mais acessível do que um hospital particular”.
A enfermeira Thauana Portilho explica que o serviço prestado nas residências é o mesmo que você encontra nos hospitais, só que com algumas diferenças, como: “Você tem todo o conforto da sua residência, e também ainda está na presença dos seus famíliares”.
Outro ponto que Thauana ressalta é que em casa o risco de contaminação hospitalar é bem menor. “E conseguimos prestar esse serviço de uma forma completa. Tem casos em que montamos uma mini-UTI no quarto do paciente”, relata.
A enfermeira diz ainda que, com a pandemia, os pacientes que mais recorrem ao serviço são os que estão dependem do uso de oxigênio e os pós Covid-19 que ficaram com alguma sequela.
“Hoje, a fisioterapia é o mais pedido. Às vezes, após a Covid, você fica com algumas sequelas, como dificuldades para se movimentar e andar. A pessoa também fica bem mais cansada. Outra demanda que cresceu foi a de fonoaudiólogos, por exemplo, porque quando uma pessoa é entubada e faz a traqueostomia, quando ela volta, pode ficar falando com dificuldade”, diz o doutor Roberto Santoz.
Santoz ainda explica que os planos de saúde cobrem uma porcentagem, quando não 100% dos custos do home care. Se a pessoa optar por pagar por fora, as diárias variam de caso a caso, dependendo muito da situação do paciente – a tabela parte de R$ 200. Há casos, entretanto, com grau de complexidade altíssimo e com muito mais custos, como em relação à medicação.
Thauna Portilho ainda conta que em meio à loucura desses hospitais superlotados, o trabalhador do home care tem um “descanso mental maior”, afinal é um trabalho personalizado “Geralmente um enfermeiro fica com um só paciente”, diz a enfermeira. “Já em um ambiente hospitalar, ele fica com dois, três ou mesmo mais na UTI.”
Nessa crise, contudo, o home care também passou por “alguns perrengues”, como falta de oxigênio e uma alta repentina na demanda. “As empresas de home care acabaram se tornando parceiras, e uma ajuda outra em momentos com esse”, acrescenta Thauana.
Uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) assinalou que, caso o setor de Atenção Domiciliar encerrasse seus serviços, seriam necessários 20.763 leitos hospitalares adicionais ao ano para os atendimentos que hoje são supridos pelo serviço. Esses leitos representam 4,87% do total de leitos hospitalares do país (equivalente ao total de leitos públicos e privados do estado de Pernambuco, por exemplo).
A Fipe também estimou que a receita anualmente gerada pelo setor é de R$ 10,6 bilhões, tendo como referência o ano de 2019 – 57,5% destas receitas foram geradas por internações domiciliares (R$ 6,1 bilhões) e 42% por atendimentos domiciliares (R$ 4,5 bilhões). A estimativa é de que a partir de 2020 esses números tenham crescido substancialmente.
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