A insegurança alimentar disparou fortemente no Brasil e já atinge mais da metade da população, 59,4 ou 55,2 por cento, segundo dois estudos. A pandemia acentuou a tendência iniciada em 2014 e agravada pelo atual governo de extrema direita.
São mais de 125 milhões de pessoas passando fome ou algum risco de desnutrição, confirmou a pesquisa realizada em novembro-dezembro pelo grupo ” Comida por Justiça ” da Universidade Livre Alemã de Berlim , em parceria com a Universidade Brasileira de Brasília e Universidade Federal de Minas Gerais .
O Brasil tinha então 212 milhões de habitantes. Em situação de insegurança alimentar grave, com privação, havia 31,8 milhões de brasileiros ou 15% do total. Em um grau moderado, no qual ocorrem restrições à quantidade e diversidade de alimentos, quase 27 milhões ou 12,7% da população nacional vivia.
Um número ligeiramente superior, 31,7 por cento, encontrava-se em situação menos grave, mas aproximando-se da possibilidade de não ter dinheiro suficiente para se alimentar adequadamente.
O total nos três graus de insegurança alimentar, 59,4 por cento, mais do que o dobro dos 22,6 por cento de 2013, o melhor resultado em inquéritos realizados desde 2004 em intervalos irregulares de três a cinco anos.
Dados um pouco menores coletados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Red Penssan), em dezembro: 55,2% dos brasileiros com algum grau de insegurança , dos quais 9%, ou 19 milhões de pessoas, passam fome.
Esse quadro certamente piorou, à medida que o covid-19 voltou a se espalhar com intensidade sem precedentes no Brasil. O total de mortes nos primeiros três meses e meio deste ano já soma 166.935 e em breve chegará a 194.949 para todo o ano passado, já que a média diária atual ultrapassa 3.000 mortes.
Além disso, a ajuda emergencial que o governo forneceu a 66 milhões de brasileiros pobres ou desempregados desde abril de 2020 terminou em dezembro, pelo valor mensal de 600 reais (US $ 110) nos primeiros três meses, depois reduzida pela metade.
Apesar do agravamento da crise da saúde, o governo demorou a retomar essa assistência. Somente no final de março foi aprovado um repasse limitado a 250 reais (US $ 45) por mês em média e por apenas quatro meses. Também reduziu os beneficiários para 44 milhões. Um terço dos atendidos em 2020 foi excluído.
“En diciembre acabaron también las grandes donaciones de las empresas e instituciones” para la distribución de alimentos a los sectores más vulnerables, señaló Rodrigo Afonso, director ejecutivo de Acción de la Ciudadanía , una red de comités de solidaridad contra el hambre distribuidos en todo el País.
A escassez de recursos generalizou-se entre as inúmeras organizações solidárias que complementaram a ação do Estado e ajudaram a prevenir uma tragédia social ainda pior em 2020.
Ainda bem que o confronto com a realidade das consequências do agravamento da pandemia no Brasil, levou as empresas a retomarem as suas doações. “Desde meados de março já arrecadamos 17 milhões de reais (três milhões de dólares) e a meta para este ano é dobrar a soma e o número de pessoas atendidas em 2020”, anunciou Afonso.
Há um certo esgotamento de empresas e outros doadores, mas “a vacinação oferece um horizonte, alguma esperança de melhorar a situação”, favorece um esforço final de mobilização, disse.
De qualquer forma, o desafio se aprofundou para a sociedade, chamada a ampliar seu papel diante do “vácuo governamental” na proteção social e sanitária, concluiu.
“O socorro emergencial deste ano é melhor do que nada, mas não é suficiente para alimentar uma família”, criticou Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.
Sua presença no Nordeste é fundamental porque é a região que concentra mais da metade da agricultura familiar brasileira e é a mais pobre.
A insegurança alimentar atinge 73,1% da população, de acordo com o estudo do grupo Food for Justice. Em comparação, a região em melhor situação, o Sul, registrou 51,6 por cento.
Nos territórios semiáridos nordestinos “há um momento de forte tensão, esperando o plantio das chuvas”, única forma de amenizar a crise, já que os agricultores familiares não são contemplados com ajudas governamentais e sofrem o colapso das políticas públicas que garantiram seus avanços neste século, resumiu Galvão.
“Começou a chover, mas os agricultores que lêem natureza não esperam chuvas generosas este ano”, observa a ativista, formada em biologia e coordenadora das ações de empoderamento da mulher na região da Borborema, centro-leste da Paraíba.
A Garantia da Safra, um seguro contra perdas de pelo menos metade da semeadura, é fundamental para a agricultura familiar, dada a irregularidade das chuvas, frisou.
Mas desde que chegou ao poder em janeiro de 2019, o atual governo de extrema direita de Jair Bolsonaro está gradualmente desativando este e outros programas que melhoraram a produção e a vida do camponês.
A legislação na maior parte do país obriga as escolas ou municípios a comprarem pelo menos 30% da merenda escolar de pequenos agricultores locais, tornando-a mais barata e diversificando-a com produtos frescos.
Com o fechamento das escolas, alguns municípios mantiveram essas compras e distribuíram cestas básicas para as famílias dos alunos pobres, mas são casos excepcionais.
A agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no país, “não parou de produzir durante a pandemia, mas sofreu uma redução no consumo” que ameaça a segurança alimentar de todos, disse José Francisco de Almeida, secretário de Política da Fazenda da a Federação dos Trabalhadores Rurais da Agricultura do Estado do Ceará .
A paralisação do comércio e do transporte no Ceará, surpreendentemente, deixou os agricultores sem acesso ao mercado e fechou as feiras de rua. “Perdemos tomates, animais prontos para o abate. Com as perdas, nossa capacidade de investir foi reduzida ”, disse Almeida à IPS.
Além disso, o governo Bolsonaro dificulta o crédito da agricultura familiar e vem reprimindo programas que fomentaram o setor nas últimas décadas, com medidas que agravam a crise já representada por 14 milhões de desempregados e um grande aumento de mendigos nas cidades, levando à fome que se espalha, disse ele.
Além da Garantia Cosecha e do PNAE, o governo prejudica programas como o Aquisição de Alimentos (PAA), que abastece instituições assistenciais com produtos da agricultura familiar, as cisternas de captação de águas pluviais para consumo e produção e o de fomento à produtividade da “ mais comida”.
Essa política contra a pequena agricultura agrava a crise, ao prejudicar um setor que, no Ceará, representa 48% da produção agrícola, gera mais empregos do que a agricultura industrial com menos terra e produz a maior parte dos alimentos, 70%. Do leite. por exemplo, Almeida argumentou por telefone de Redenção, no interior do Ceará, onde cultiva 80 hectares de terra.