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Brasil
30/04/2021 18:00:00

Pandemia e medidas anti-camponesas agravam a fome no Brasil


Pandemia e medidas anti-camponesas agravam a fome no Brasil

A insegurança alimentar disparou fortemente no Brasil e já atinge mais da metade da população, 59,4 ou 55,2 por cento, segundo dois estudos. A pandemia acentuou a tendência iniciada em 2014 e agravada pelo atual governo de extrema direita.

São mais de 125 milhões de pessoas passando fome ou algum risco de desnutrição, confirmou a pesquisa realizada em novembro-dezembro pelo grupo ” Comida por Justiça ” da Universidade Livre Alemã de Berlim , em parceria com a Universidade Brasileira de Brasília e Universidade Federal de Minas Gerais .

O Brasil tinha então 212 milhões de habitantes. Em situação de insegurança alimentar grave, com privação, havia 31,8 milhões de brasileiros ou 15% do total. Em um grau moderado, no qual ocorrem restrições à quantidade e diversidade de alimentos, quase 27 milhões ou 12,7% da população nacional vivia.

Agricultor familiar entre as mudas de mamão que cultiva em sua fazenda, onde mantém uma barragem subterrânea, uma das formas de captação de água da chuva na ecorregião do Semi-árido, no Nordeste do Brasil. A agricultura familiar foi atingida no país pelas medidas contra ela do governo de Jair Bolsonaro e o impacto do covid-19. Foto: Mario Osava / IPS

Um número ligeiramente superior, 31,7 por cento, encontrava-se em situação menos grave, mas aproximando-se da possibilidade de não ter dinheiro suficiente para se alimentar adequadamente.

O total nos três graus de insegurança alimentar, 59,4 por cento, mais do que o dobro dos 22,6 por cento de 2013, o melhor resultado em inquéritos realizados desde 2004 em intervalos irregulares de três a cinco anos.

Dados um pouco menores coletados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Red Penssan), em dezembro: 55,2% dos brasileiros com algum grau de insegurança , dos quais 9%, ou 19 milhões de pessoas, passam fome.

Esse quadro certamente piorou, à medida que o covid-19 voltou a se espalhar com intensidade sem precedentes no Brasil. O total de mortes nos primeiros três meses e meio deste ano já soma 166.935 e em breve chegará a 194.949 para todo o ano passado, já que a média diária atual ultrapassa 3.000 mortes.

Além disso, a ajuda emergencial que o governo forneceu a 66 milhões de brasileiros pobres ou desempregados desde abril de 2020 terminou em dezembro, pelo valor mensal de 600 reais (US $ 110) nos primeiros três meses, depois reduzida pela metade.

Apesar do agravamento da crise da saúde, o governo demorou a retomar essa assistência. Somente no final de março foi aprovado um repasse limitado a 250 reais (US $ 45) por mês em média e por apenas quatro meses. Também reduziu os beneficiários para 44 milhões. Um terço dos atendidos em 2020 foi excluído.

“En diciembre acabaron también las grandes donaciones de las empresas e instituciones” para la distribución de alimentos a los sectores más vulnerables, señaló Rodrigo Afonso, director ejecutivo de Acción de la Ciudadanía , una red de comités de solidaridad contra el hambre distribuidos en todo el País.

Um grupo de crianças almoça em sua escola, em Itaboraí, a 50 quilômetros do Rio de Janeiro, antes do fechamento das escolas por conta da cobiça. Os alimentos in natura para lanches e lanches em centros de educação públicos do Brasil são fornecidos por produtores locais, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que garante 30% das compras da agricultura familiar. Foto: Mario Osava / IPS
Um grupo de crianças almoça em sua escola, em Itaboraí, a 50 quilômetros do Rio de Janeiro, antes do fechamento das escolas por conta da cobiça. Os alimentos in natura para lanches e lanches em centros de educação públicos do Brasil são fornecidos por produtores locais, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que garante 30% das compras da agricultura familiar. Foto: Mario Osava / IPS

Em 2020, essa organização sem fins lucrativos obteve o equivalente a nove milhões de dólares em doações, principalmente de grandes empresas, e conseguiu levar alimentos para quatro milhões de pessoas. Mas no final do ano passado perdi a ilusão sobre o peso da pandemia e a ajuda caiu, lamentou à IPS por telefone do Rio de Janeiro, onde fica sua associação.

A escassez de recursos generalizou-se entre as inúmeras organizações solidárias que complementaram a ação do Estado e ajudaram a prevenir uma tragédia social ainda pior em 2020.

Ainda bem que o confronto com a realidade das consequências do agravamento da pandemia no Brasil, levou as empresas a retomarem as suas doações. “Desde meados de março já arrecadamos 17 milhões de reais (três milhões de dólares) e a meta para este ano é dobrar a soma e o número de pessoas atendidas em 2020”, anunciou Afonso.

Há um certo esgotamento de empresas e outros doadores, mas “a vacinação oferece um horizonte, alguma esperança de melhorar a situação”, favorece um esforço final de mobilização, disse.

De qualquer forma, o desafio se aprofundou para a sociedade, chamada a ampliar seu papel diante do “vácuo governamental” na proteção social e sanitária, concluiu.

“O socorro emergencial deste ano é melhor do que nada, mas não é suficiente para alimentar uma família”, criticou Adriana Galvão, assessora técnica da AS-PTA Agricultura Familiar e Agroecologia do Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.

Uma feira popular, em Sousa, município do estado da Paraíba, nordeste do Brasil, abastecida por agricultores familiares de cidades rurais vizinhas. Em geral, essas feiras têm uma parte de produtos orgânicos ou agroecológicos, mas não têm podido ser realizadas em grande escala, desde que a avassaladora pandemia estourou no país, há 13 meses. Foto: Mario Osava / IPS
Uma feira popular, em Sousa, município do estado da Paraíba, nordeste do Brasil, abastecida por agricultores familiares de cidades rurais vizinhas. Em geral, essas feiras têm uma parte de produtos orgânicos ou agroecológicos, mas não têm podido ser realizadas em grande escala, desde que a avassaladora pandemia estourou no país, há 13 meses. Foto: Mario Osava / IPS

A organização não governamental, conhecida pelas iniciais do nome original, Asesoría y Servicios a Proyectos en Agricultura Alternativa, é uma das pioneiras na promoção da agroecologia no Brasil, a partir de sua atuação junto aos agricultores familiares.

Sua presença no Nordeste é fundamental porque é a região que concentra mais da metade da agricultura familiar brasileira e é a mais pobre.

A insegurança alimentar atinge 73,1% da população, de acordo com o estudo do grupo Food for Justice. Em comparação, a região em melhor situação, o Sul, registrou 51,6 por cento.

Nos territórios semiáridos nordestinos “há um momento de forte tensão, esperando o plantio das chuvas”, única forma de amenizar a crise, já que os agricultores familiares não são contemplados com ajudas governamentais e sofrem o colapso das políticas públicas que garantiram seus avanços neste século, resumiu Galvão.

“Começou a chover, mas os agricultores que lêem natureza não esperam chuvas generosas este ano”, observa a ativista, formada em biologia e coordenadora das ações de empoderamento da mulher na região da Borborema, centro-leste da Paraíba.

A Garantia da Safra, um seguro contra perdas de pelo menos metade da semeadura, é fundamental para a agricultura familiar, dada a irregularidade das chuvas, frisou.

Mas desde que chegou ao poder em janeiro de 2019, o atual governo de extrema direita de Jair Bolsonaro está gradualmente desativando este e outros programas que melhoraram a produção e a vida do camponês.

As cisternas para coleta de água da chuva, com suas diferentes formas e usos, já fazem parte da paisagem da ecorregião Semiárida do Brasil, e têm permitido sair das fomes e mortes do passado com a chegada das secas cíclicas. região do Nordeste. Mas o governo de Jair Bolsonaro dizimou esse e outros programas de apoio à pequena agricultura. Foto: Mario Osava / IPS
As cisternas para coleta de água da chuva, com suas diferentes formas e usos, já fazem parte da paisagem da ecorregião Semiárida do Brasil, e têm permitido sair das fomes e mortes do passado com a chegada das secas cíclicas. região do Nordeste. Mas o governo de Jair Bolsonaro dizimou esse e outros programas de apoio à pequena agricultura. Foto: Mario Osava / IPS

A interrupção do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), devido ao fechamento de escolas por conta da pandemia, aumenta a insegurança alimentar duplamente, deixando as crianças sem lanche diário e cancelando vendas que são decisivas para a agricultura familiar, disse Galvão à IPS por telefone da Campina Grande, na Paraíba.

A legislação na maior parte do país obriga as escolas ou municípios a comprarem pelo menos 30% da merenda escolar de pequenos agricultores locais, tornando-a mais barata e diversificando-a com produtos frescos.

Com o fechamento das escolas, alguns municípios mantiveram essas compras e distribuíram cestas básicas para as famílias dos alunos pobres, mas são casos excepcionais.

A agricultura familiar, responsável por 70% dos alimentos consumidos no país, “não parou de produzir durante a pandemia, mas sofreu uma redução no consumo” que ameaça a segurança alimentar de todos, disse José Francisco de Almeida, secretário de Política da Fazenda da a Federação dos Trabalhadores Rurais da Agricultura do Estado do Ceará .

A paralisação do comércio e do transporte no Ceará, surpreendentemente, deixou os agricultores sem acesso ao mercado e fechou as feiras de rua. “Perdemos tomates, animais prontos para o abate. Com as perdas, nossa capacidade de investir foi reduzida ”, disse Almeida à IPS.

Além disso, o governo Bolsonaro dificulta o crédito da agricultura familiar e vem reprimindo programas que fomentaram o setor nas últimas décadas, com medidas que agravam a crise já representada por 14 milhões de desempregados e um grande aumento de mendigos nas cidades, levando à fome que se espalha, disse ele.

Além da Garantia Cosecha e do PNAE, o governo prejudica programas como o Aquisição de Alimentos (PAA), que abastece instituições assistenciais com produtos da agricultura familiar, as cisternas de captação de águas pluviais para consumo e produção e o de fomento à produtividade da “ mais comida”.

Essa política contra a pequena agricultura agrava a crise, ao prejudicar um setor que, no Ceará, representa 48% da produção agrícola, gera mais empregos do que a agricultura industrial com menos terra e produz a maior parte dos alimentos, 70%. Do leite. por exemplo, Almeida argumentou por telefone de Redenção, no interior do Ceará, onde cultiva 80 hectares de terra.

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