O ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso (PSDB) disse em entrevista à Sputnik que não acredita que existam motivos suficientes para o impeachment contra o presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido).
Em entrevista à Sputnik, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, discutiu os principais assuntos da atual crise política, econômica e sanitária no Brasil, incluindo questões como impeachment, política internacional e as eleições presidenciais de 2022.
Atualmente o maior país da América Latina convive com um quadro de colapso hospitalar e sanitário em meio ao pior momento da pandemia da COVID-19, enquanto o número de vítimas fatais se aproxima rapidamente de 400 mil.
A crise sanitária tem sido o principal ponto de críticas contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que minimizou o impacto da doença ao longo da pandemia e enfrentou prefeitos e governadores que tentaram aplicar medidas de restrições sociais para conter o avanço da doença. Atualmente, Bolsonaro vive o momento mais impopular de seu governo.
Apesar de sustentar críticas contra a atuação de Bolsonaro na pandemia, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o Brasil entre 1995 e 2003, e seguiu como uma figura política influente no país, afirma que o impeachment não é o melhor caminho para solucionar a crise no país.
Eu já participei de impeachment - já assisti mais de um e participei de um. É uma questão complicada, porque quando o governo para de funcionar e o povo vai para a rua, aí tem impeachment. Não é o caso atual, nós estamos longe disso, a meu ver. E espero que o governo tenha capacidade de evitar que se chegue ao impeachment. Se for necessário, mais um, mas é lamentável, eu não acho seja o caminho para resolver os nossos problemas. [...] Não há razão para o impeachment", disse Cardoso em entrevista à Sputnik.
Atualmente mais de 100 pedidos de impeachment se acumulam no Congresso Nacional contra Bolsonaro. Entre as razões para não levar o processo adiante, o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou em diversas ocasiões que não havia condições políticas para que o impeachment fosse bem-sucedido. Já Arthur Lira (PP-AL), o atual líder da Câmara, apoiado por Bolsonaro, chegou a falar em "remédios amargos" contra o Planalto, mas também não demostra que levará o processo adiante.
Apesar da negativa sobre a abertura do processo, segundo o ex-presidente Cardoso, porém, não é possível dizer que não há crime de responsabilidade para motivar o impedimento, "porque pode ser que apareça", mas reforça que o afastamento de um presidente só acontece com a movimentação da sociedade e que o processo "traumático".
"Sem clamor das ruas o impeachment é golpe e eu não sou favorável a golpe. Acho que é melhor ter eleição", afirma.
Nesse contexto, Cardoso afastou a possibilidade de um golpe durante o atual governo, o que voltou à baila em março, quando os comandantes das Forças Armadas renunciaram diante de pressões de Bolsonaro. Segundo o ex-presidente Bolsonaro "nunca teve muito amor pela democracia", mas as instituições e o povo não permitiriam uma aventura golpista.
Apesar de criticar a forma como o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) está lidando com a pandemia no Brasil, Cardoso citou outros motivos que levaram o país à tragédia, como os problemas sociais brasileiros que dificultam políticas de isolamento, a força do novo coronavírus, o clima e a cultura do país.
"Não é fácil um país tropical tomar conta da população. A população vai para a rua, vai para a praia, vai para a praça pública. E aqui houve um pouco de leniência do governo, que no começo não sabia que a doença era tão grave assim", disse o ex-presidente, que também citou que o Brasil tem uma "cultura de desordem".
Cardoso também acredita que o presidente Bolsonaro deveria dar exemplo para a população em relação ao comportamento na pandemia. Ao longo da crise no Brasil, o presidente participou de diversas aglomerações e foi negligente com o uso de máscaras em público, além de apoiar abertamente o uso de medicamentos que não funcionam contra a COVID-19, como a hidroxicloroquina e a ivermectina.
"Quem é presidente deveria ter uma atitude mais circunspecta sobre o que está acontecendo. Nesse sentido, você pode dizer que [o governo] tem alguma responsabilidade, mas a COVID-19 é um vírus, o novo coronavírus, um bichinho que ninguém vê, e ataca", afirmou.
Um dos principais entraves para a aplicação de medidas rígidas de restrições sociais durante a crise sanitária tem sido o discurso de prejuízo para a economia. Em diversas oportunidades, por exemplo, o presidente Bolsonaro enfatizou que a quarentena prejudica a economia. Para Fernando Henrique Cardoso, esse argumento é falacioso.
"Não se sabe quanto tempo vai durar isso, quanto dura, e isso tem efeito econômico negativo. E as pessoas ficam hesitando entre o econômico e a saúde. Não pode, tem que cuidar da saúde em primeiro lugar, porque senão do que adianta ter a economia fluida se a saúde não existe?", disse.
O Sistema Único de Saúde (SUS) também foi elogiado pelo ex-presidente, que afirmou que o sistema poderia ser melhor empregado no combate à pandemia e disse que usa há muitos anos o SUS porque "o sistema é bom".
Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a direita brasileira deve uma autocrítica ao país pelo apoio à eleição do atual presidente, incluindo seu partido, o PSDB. À Sputnik, Cardoso foi enfático ao afirmar que jamais votaria em Bolsonaro e, apesar de contrariado, disse que votaria em seu ex-adversário, o também ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em uma eventual eleição, em outubro de 2022.
"Eu não vou votar nunca no Bolsonaro porque ele é de extrema-direita [...], não está no meu horizonte. Prefiro alguém mais ligado ao PSDB. Se não tiver, entre Lula e Bolsonaro, posso considerar a hipótese de Lula. Eu quero isso? Não quero isso. Eu vou ajudar para que aconteça? Não. Vamos tentar uma terceira solução", afirmou.
Uma "terceira via" para as eleições presidenciais no Brasil ainda não está consolidada. Mesmo com os governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), disputando uma possível vaga como presidenciáveis em seu partido, Cardoso não descartou a possibilidade de que o candidato da centro-direita seja o apresentador de televisão Luciano Huck.
"Qualquer um deles tem que ser candidato nacional, sair da fronteira do seu estado e conquistar o país. Ou sair da televisão e ganhar a condição de líder político. Há tempo para isso, não muito, mas ainda há tempo. Eu, pelo menos, vou me resguardar até ver quem é que realmente tem a possibilidade", disse.
Apesar de torcer pelo fortalecimento de uma terceira via, Cardoso ressaltou que o ex-presidente Lula "respeitava as instituições" e é um político moderado. O ex-presidente disse ainda que não vê a possibilidade de Lula desistir da candidatura em 2022 e lamentou que o petista tenha mantido uma narrativa de "perseguição jurídica".
"Lula é muito competente politicamente, ele vai tentar dizer: 'Veja, eu já fui absolvido'. Ele não foi absolvido, o processo foi anulado por uma questão formal, uma questão substantiva", apontou o ex-presidente.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também comentou em entrevista à Sputnik que está preocupado com o isolamento brasileiro no plano internacional durante o governo Jair Bolsonaro.
"A política externa do Brasil tem uma certa tradição. Qual é a tradição? É de cooperação, não de inimizade. E estamos perdendo espaço em uma coisa que é muito importante no mundo, que é o meio ambiente, que é um tema importante", afirmou o presidente, que também ressaltou que o Brasil sempre valorizou a paz em sua política externa.
A política ambiental tem sido um campo de conflito durante o atual governo brasileiro, acusado de reduzir a fiscalização em meio ao crescimento do desmatamento e de incêndios ilegais nas florestas do país. O tema se tornou um problema diplomático e fruto de pressão de líderes de outros países, como presidente francês, Emmanuel Macron, e mais recentemente o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Ainda sobre a política internacional, Cardoso criticou o alinhamento de Bolsonaro ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump, e afirmou que a relação brasileira com a Rússia e a China deve ser a mais próxima possível. O ex-presidente brasileiro também apontou que a relação de Brasília com os países vizinhos latino-americanos deve ser de amizade e cooperação, ao contrário da política praticada pelo atual governo."Quanto mais próximo melhor [de Rússia e China]. Quem compra nossos produtos? A China. Isso é um interesse, nós precisamos disso. Eu fui à China várias vezes, você vai à China e a China é outra. A Rússia começa a ser outra, eu tenho família na Rússia, por acaso [...]. Enfim, acho importante se relacionar bem com todos os países", afirmou o ex-presidente brasileiro.
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