Tive a oportunidade de voar de helicóptero sobre a floresta amazônica quando fiz uma reportagem sobre as minas de ferro de Carajás, da Vale do Rio Doce em 1981. É um mar de verde a perder de vista, por mais que se voe sobre ela. Gigantescas também são as escavadeiras que retiram das minas o minério de ferro, que o Brasil tanto exporta. Você se sente um pigmeu ao lado dos pneus das escavadeiras. Me lembro que me senti um explorador inglês no Oriente, daqueles que usam bermudas, meias compridas e capacetes, ao tomar coquetéis enfeitados com frutas, num arranjo bem tropical, no hotel para hóspedes em Carajás.
Lembrei-me dessa história ao conversar por uma hora, por telefone, com o cientista Carlos Nobre, para me informar mais sobre o estudo Amazônia e Bioeconomia, do Instituto de Engenharia, do qual ele foi um dos coordenadores. Com sua fala mansa, Nobre, que mora em São José dos Campos, no interior de São Paulo, descreve as mazelas que assolam e destroem a nossa Amazônia e, com entusiasmo, o potencial econômico e social que a região tem se a bioeconomia passar a ser o instrumento para seu desenvolvimento. E conta fatos e histórias que pouco circulam fora do mundo dos especialistas em Amazônia.
Fiquei sabendo, por exemplo, que o presidente da Colômbia, o advogado com especialização em Filosofia e Humanidades, Iván Duque Marquéz, é adepto da bioeconomia para o desenvolvimento da Amazônia colombiana. Na última reunião de Davos, ao tratar da região amazônica, Marquéz defendeu o lema “Produzir para conservar, conservar para produzir”, criado pela respeitada geógrafa brasileira Berta Becker, em 2008, dentro do conceito por ela defendido de agregar valor ao coração da floresta – que diferença das ideias que circulam pelo Planalto Central…
Nobre me perguntou se eu sabia quais eram os maiores países exportadores de madeira. Claro, eu não sabia. Pois o primeiro é a Suécia, onde árvores demoram até 70 anos para amadurecer em função do clima frio. São produtos industrializados de madeira, mercado em que uma empresa como a Ikea, tem presença global. O segundo é a Itália, que importa a madeira que industrializa, especialmente sob a forma de móveis com o criativo design da península.
Enquanto isso, o Brasil exporta toras de madeira, extraídas num processo que ele caracteriza como “criminoso”, em que 80% do volume derrubado é ilegal. Quanto o País ganharia se essa madeira fosse industrializada pelo próprio Brasil? Nobre relata que há modelos sustentáveis para a exploração comercial da madeira, como o conhecido por “mosaico” em que as espécies que serão derrubadas são cercadas por mata preservada, ou o modelo agroflorestal de alta densidade, com espécies de maior volume com capacidade para rebrotar.
Quanto à continuação da exploração mineral, especialmente ouro, Nobre julga que ainda é preciso estudar bem, pois é uma atividade altamente poluidora, prejudicando bastante as áreas indígenas. A pecuária, na região, é de baixíssima produtividade, segundo ele, produz 90 kg de carne por ano enquanto no modelo intensivo, em outros países, se chega a 300 kg por ano. “Na verdade, a presença do boi na região serve mais para demarcar a propriedade, é um símbolo da posse da terra, pois o real proprietário vive bem longe de lá”, relata.
Nobre acredita que um programa de desenvolvimento baseado na bioeconomia elevará o nível econômico da população da região, caracterizada por um IDH muito baixo. Cita a exploração do açaí, que rende R$ 1 bilhão por ano e elevou para a classe média a população que vive em torno da atividade. E a possibilidade de exploração de frutas que o manancial da biodiversidade local oferece pode multiplicar enormemente essa transformação social. Para ele, a exploração econômica das frutas da região poderá dar resultados mais rapidamente do que a produção de fármacos via biotecnologia, pois esses processos são bem mais lentos.
A destruição da floresta amazônica já atingiu 808 mil km², somando-se a essa área 400 mil km² de áreas degradadas, chegando a uma perda de 1,2 milhão de km², nas contas de Nobre. Já que comecei este texto falando de minhas aventuras em Carajás, volto ao tema. Nobre ressalva que a Vale toma o cuidado de recompor as áreas das minas de ferro depois de exauridas, mas ao longo de sua ferrovia Carajás a São Luís, a capital do Maranhão, brotam usinas de processamento de ferro que induzem ao desmatamento em seu contorno.
Quem sabe, a médio prazo, a produção na Amazônia, baseada na bioeconomia, particularmente no Estado do Amazonas, possa substituir com vantagens a da Zona Franca de Manaus, centrada em produtos eletroeletrônicos, cujos componentes são importados, que gera 80 mil empregos, mas consome anualmente R$ 30 bilhões em subsídios…com a imensa vantagem de preservar a floresta.
Jornal da USP