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Mundo
10/11/2020 06:00:00

Biden vai elevar pressão sobre Brasil na questão ambiental

Presidente eleito americano já sinalizou que pode pressionar governo brasileiro.


Biden vai elevar pressão sobre Brasil na questão ambiental

Com críticas públicas ao desmatamento na Amazônia brasileira durante a corrida eleitoral, Joe Biden, agora eleito presidente dos Estados Unidos, trará mudanças na relação entre os dois países. Sua presidência tem potencial para aumentar a pressão sobre o Brasil na questão ambiental.

Como candidato, Biden deu mostras de que vai se incomodar com a política ambiental de Jair Bolsonaro, até então poupada de qualquer tipo de pressão por parte do governo Donald Trump, que teve o negaciosismo climático e a indiferença a temas ambientais como uma de suas marcas.

A primeira prova pública veio em março, quando Biden prometeu 20 bilhões de dólares (cerca de 113 bilhões de reais) para a proteção da floresta - "para o Brasil não queimar mais a Amazônia". Meses mais tarde, após o democrata abordar o tema em debate na TV, Bolsonaro evocou a soberania e o fantasma da ameaça à Amazônia para se defender.

Embora tenha ameaçado "consequências econômicas significativas" caso o Brasil não controle a destruição da floresta observada nos últimos anos, a expectativa é que Biden, como presidente, trate a questão de outra forma. A pressão se daria através da diplomacia e de iniciativas paralelas de fomento à proteção da floresta 

"Não acredito que ele adote uma atitude hostil em relação ao Brasil", avalia Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil junto à Organização das Nações Unidas nos Estados Unidos.

Devido a larga experiência em política externa acumulada por Biden, que foi senador por décadas e vice-presidente de Barack Obama, Ricupero aposta na diplomacia. "Sanções talvez venham mais tarde, se vierem", complementa o ex-embaixador, que ressalta a desvantagem do Brasil em relação aos EUA na balança comercial, com um déficit de mais de 3 bilhões de dólares.

Daniel Nepstad, presidente do Earth Innovation Institute, baseada na Califórnia, também espera que Biden siga a via diplomática. "Em vez de sanções, seria melhor fortalecer a parceria com Brasil em acordos de cooperação, por meio de financiamento em projetos que preservem a floresta e parcerias comerciais", analisa.

A principal consequência esperada com o início da era Biden é o completo isolamento brasileiro no cenário internacional na posição de negacionista − das mudanças climáticas, do avanço do desmatamento da Amazônia, da gravidade da pandemia do novo coronavírus.

"A única âncora que o governo Bolsonaro tinha lá fora era Trump. No momento, até por conta de sua política ambiental, as relações estão distantes, frias com outras potências, como a União Europeia', pontua, por sua vez, Ricupero.

Dinheiro americano para quem não desmata

Com ou sem os 20 bilhões de dólares rejeitados de antemão por Bolsonaro, a promessa de Biden de retomar a agenda de combate às mudanças climáticas deve ter reflexos no Brasil. "Ele prometeu um plano bastante ambicioso de mudança da matriz energética dos Estados Unidos, de passar para renováveis. Colocou a mudança climática num dos pontos centrais e isso, no Brasil, tem uma repercussão na questão da proteção as florestas", avalia Mercedes Bustamante, pesquisadora da Universidade Federal de Brasília (UnB) e membro da Academia Brasileira de Ciências.

Rumo à redução das emissões dos gases que aceleram as mudanças climáticas, é esperado que Biden impulsione mecanismos de compra e venda de créditos de carbono. Segundo essa política, entidades públicas ou privadas que poluem além do permitido podem "abater" o excesso comprando créditos de quem "poupa". E florestas, quando suas taxas de desmatamento caem, são como uma grande poupança: o carbono que deixa de ser emitido para a atmosfera com o corte da mata vira crédito.

Presidente eleito, Joe Biden chegou a mencionar a Amazônia durante debates na TV

Presidente eleito, Joe Biden chegou a mencionar a Amazônia durante debates na TV

Se essa possibilidade vai se concretizar, depende da ala esquerda do Partido Democrata, que não tem apoiado programas do tipo, afirma Nepstad. Mas a demanda existe. "Agora há uma busca por esses créditos que vêm de mais de 150 empresas que, voluntariamente, têm metas de neutralizar suas emissões, como Amazon e Microsoft. E os projetos de preservação de florestas competem bem nesse cenário", pontua ele, que iniciou pesquisas na Amazônia ainda em meados de 1980.

A compra dos créditos poderia ser feita via um programa conhecido como Reed (Redução de Emissões provenientes do Desmatamento e Degradação Florestal). Projetos comunitários e estados brasileiros amazônicos com grandes áreas de floresta poderiam, então, "lucrar" com a preservação, que se transforma em moeda valiosa segundo essa estratégia. "Esse é um caminho que, sem dúvida, influencia a manter a floresta e diminuir o desmatamento", afirma o especialista americano.

Na Califórnia, por exemplo, a política pública de mudança climática permite que as empresas poluidoras compensem até 4% das emissões por meio de investimentos em programas florestais, entre outros. "Uma vez regulamentada a parte internacional desse programa, boa parte desse dinheiro certamente iria para o Brasil", comenta Nepstad, sobre o impacto da ampliação dessa política esperada na era Biden.

Florestas do Brasil entre China e EUA

Um acordo feito entre EUA e China ainda no governo Trump pode trazer duras consequências para o Brasil na era Biden. Para resolver o impasse trazido pelo desequilíbrio da balança comercial entre as potências, que levou a boicotes de produtos chineses pelo governo Trump, a China se comprometeu a aumentar substancialmente a compra de soja e carne americana.

"Caso o acordo seja implementado, os EUA serão o maior fornecedor de soja para a China e não mais o Brasil", destaca Raoni Rajão, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de um estudo recente sobre o tema.

Com a queda de vendas de soja para a China, maior compradora do grão brasileiro, será preciso aumentar a entrada em outros mercados, como a União Europeia, onde a discussão de controle ambiental é bastante séria.

Pesquisadores que rastreiam há décadas a ligação entre o desaparecimento da Floresta Amazônica e a expansão da soja apontam uma dinâmica indireta: o avanço do cultivo do grão sobre áreas de pastagens estimula o avanço da pastagem para as florestas.

"Existe uma chance de que a China, para poder implementar essa mudança substancial e desviar as compras do Brasil para os Estados Unidos, comece a estabelecer critérios ambientais rigorosos para justificar o motivo da compra da soja dos Estados Unidos e não do Brasil", analisa Rajão, lembrando que a China, com seu governo fechado, não tem deixado claro suas preocupações ambientais com as importações − ao contrário da União Europeia.

Dessa forma, o impacto negativo nos ganhos do agronegócio, que apoia o governo Bolsonaro, poderia obrigar o setor a se aliar aos esforços de combate ao desmatamento, conclui Rajão.

Possível fundo para a floresta

Para o cientista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e membro estrangeiro da National Academy of Science dos EUA, é preciso esperar para ver como os 20 bilhões de dólares prometidos por Biden chegarão à Amazônia.

Como condição para aceitar o dinheiro, Bolsonaro pode seguir o que fez com o Fundo Amazônia: em vez de fortalecer comunidades que vivem na floresta, tentar transferir o fundo para setores que apoiam o governo, como pecuária e mineração na Amazônia.

"Alemanha e Noruega não aceitaram as condições. Temos que ver como os EUA negociariam", comenta Nobre, citando os dois maiores doadores do Fundo Amazônia, que está paralisado desde que Bolsonaro assumiu a presidência.

De qualquer forma, Biden, na liderança dos EUA, provoca um enfraquecimento do discurso interno adotado por Bolsonaro. "Uma coisa é você emular uma pessoa como Trump que era presidente de um país de importância global. Outra coisa é Bolsonaro sozinho assumindo essa postura de negar a ciência, a importância da Floresta Amazônia, entre outras coisas", comenta Mercedes Bustamante.

É por isso que, na visão de Rubens Ricupero, a vitória de Biden nos EUA seria uma oportunidade de o governo Bolsonaro rever sua política ambiental e mudar. "O mais difícil é que o nosso governo não parece disposto a isso", finaliza.

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