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Educação
27/12/2019 12:00:00

O que podemos esperar da educação para os próximos 20 anos?


O que podemos esperar da educação para os próximos 20 anos?

“Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional.” Em 1932, um documento tornou-se marco de um projeto de renovação educacional do país e consolidou a visão de 26 educadores, de distintas posições ideológicas, a respeito do ensino no Brasil. Intitulado de “A reconstrução educacional no Brasil: ao povo e ao governo”, alguns trechos do manifesto, assinado por intelectuais como Fernando Peixoto, Anísio Teixeira, Cecília Meireles e Afrânio Peixoto, poderiam ser confundidos com produções mais atuais. Ainda em seu primeiro parágrafo, de onde foi retirada a citação que abre este texto, o manifesto fala em “reformas parciais”, lançadas sem “solidez econômica e sem uma visão global do problema” naquele momento.

Quase um século distancia o Brasil atual daquele que motivou os pioneiros da chamada Escola Nova a pensar diretrizes para uma política de educação. Alvo de severas críticas e objeções por parte da Igreja Católica, e nascido no tempo das transformações do fim da Primeira República (1889-1930), o documento fala em determinar os fins de uma educação de qualidade, em espírito crítico, filosófico e científico, em acesso e em valores mutáveis e permanentes da vida humana. 

Ainda que não seja possível submeter o Brasil de hoje ao crivo dos escolanovistas, para alguns educadores e professores não realizamos de forma ampla o que foi almejado por aqueles intelectuais. “Imaginar que há pouco mais de 80 anos eles projetavam um mundo que, se nós tivéssemos realizado, estaríamos muito adiante em todas as dimensões da vida brasileira. Ler o manifesto de 1932 é ver como é triste quando se derrama possibilidades de um futuro melhor”, afirma André Lázaro, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e coordenador acadêmico da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO-Brasil).

Ao falar em democracia, no papel social da escola e na laicidade, gratuidade e obrigatoriedade do ensino, o manifesto, sem citar o termo “futuro” uma única vez, coloca a educação como um dos principais pilares para o cultivo de uma consciência nacional, rascunha um possível amanhã pautado em medidas tidas como indispensáveis e, por fim, como efeito, direciona nosso olhar ao hoje, a fim de constatar o quanto percorremos e especular o tanto que ainda nos falta.

Tendo a conjuntura atual como ponto de partida, especialistas parecem concordar em um prognóstico não muito positivo para os próximos 20 anos. No cenário brasileiro, a desatenção com o Plano Nacional de Educação (PNE), as discussões a respeito de uma “escola sem partido” e uma possível redução orçamentária para o ensino básico no próximo ano são apenas alguns dos temas resgatados na predição. Na visão da professora Andrea Harada, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), há uma situação pouco promissora para o campo social e para a educação, com “ataques à legislação protetora do trabalho, a redução do orçamento, sobretudo para saúde, educação e previdência, a desmoralização pública de professores e da educação por meio de instrumentos censores da prática educativa como o projeto 'Escola sem Partido', a militarização das escolas, a perseguição às universidades e ao pensamento crítico e as privatizações diretas ou indiretas”. 

Considerado uma importante fonte de recursos para o financiamento da educação básica no país, o FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), criado em 2006, vence agora em 2020. Segundo Lázaro, sua aprovação e o avanço na realização das metas do PNE poderiam dar origem a uma cena um pouco mais acertada. 

“Nós não imaginávamos um cenário em que se pudesse colocar em questão, por exemplo, o peso constitucional para investimento em educação na União, nos estados e nos municípios, como agora o ministro da Economia deste governo está querendo fazer. Se nós conseguirmos aprovar o FUNDEB, que é uma coisa importante, e avançar na realização das metas do PNE, nós talvez possamos vir a ter um cenário [no futuro] um pouco mais favorável”, diz. No momento, uma proposta em tramitação no Congresso Nacional, relatada pela deputada Professora Dorinha (DEM-TO), prevê um salto na complementação da União de 10% para 40% até 2031. Para Abraham Weintraub, ministro da Educação, o texto “fere o equilíbrio fiscal”.

A pressão por redução de custos, na visão de Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, é uma tendência mundial. Segundo o cientista político, a economia global entra na próxima década em um período “extremamente turbulento” de ascensão e afirmação da hegemonia chinesa, além de um forte crescimento da Índia. A inclusão de um enorme volume de pessoas no mercado de trabalho determinará novas necessidades de consumo e novos preços de produção. Na sua visão, os sérios impactos desse processo em políticas de saúde, assistência social e educação já podem ser sentidos. “No mundo todo está havendo um forte processo, uma forte pressão, de emergência de uma nova heterodoxia na área de educação: reduzir drasticamente os custos da educação. E isso vai se dar, basicamente, pela substituição de professores por estratégias de tecnologia como princípio de ensino-aprendizagem. O problema é que, segundo todas as pesquisas da neurociência, o aluno só aprende no contato com professor”, afirma.

Para Harada, que também é presidente do Sindicato dos Professores de Guarulhos, apesar de todos os benefícios e a motivação que as novas tecnologias podem trazer para a sala de aula, o debate a respeito de seu uso aplicado à educação e o papel do professor nesse contexto torna-se premente. “O uso de tecnologias na e pela educação tem resultado, já hoje, em um distanciamento entre alunos e professores e em um processo de ressignificação da atividade pedagógica, com a perspectiva de que a tecnologia seja, ela também, um instrumento de controle sobre os processos de trabalho.” Da mesma maneira, a valorização da carreira, por meio de melhores condições de trabalho e de remuneração, e a formação qualificada de professores para a função se apresentam como dois desafios a serem enfrentados para o acesso de crianças e jovens a uma educação de qualidade. Segundo Cara, temos ainda hoje 14 milhões de jovens e adultos analfabetos no Brasil – lugar que é berço do Método Paulo Freire de Alfabetização, adotado com êxito em vários países. 

“Hoje o Brasil investe 272 bilhões de reais em educação básica, mas isso é pouco. É pouco porque a gente continua tendo 14 milhões de analfabetos. Nós temos a necessidade de criar mais de um milhão de matrículas em creche, mais de um milhão de matrículas no ensino médio e 700 mil matrículas na pré-escola. Tem muita gente para ser incluída e os que já estão incluídos têm o custo da matricula muito inferior ao dos países desenvolvidos. A educação da criança japonesa custa três vezes mais do que a de uma criança brasileira.”

- Daniel Cara

“A gente, de fato está, muito atrasado. Na realidade, o principal desafio que nós temos em relação à qualidade do ensino é o financiamento da educação, com a valorização dos profissionais da educação, e ter condições de oferta de ensino. Ou seja, é preciso ter escolas que tenham a capacidade de dar condições para os professores ensinarem e para os alunos aprenderem”, afirma o cientista político, para quem o financiamento é um “pressuposto e uma condição imprescindível” para garantir a qualidade no ensino.

A partir do cenário atual, e para tentar vislumbrar onde estaremos daqui a 20 anos, o Yahoo propôs uma mesma pergunta para os três professores:

Indo além de previsões e desejos, e partindo de possibilidades e de desafios atuais, o que podemos esperar do cenário da educação brasileira daqui a 20 anos?

ANDRÉ LÁZARO Onde estaremos em 2040 seguindo neste ritmo? O fim do governo de Dilma Rousseff coincide também com uma revisão no Fies, que havia sido feito, na minha visão, de maneira equivocada, porque ele financiou o setor privado sem exigir uma contrapartida à altura do financiamento que recebia. E de lá para cá a situação educacional só piorou. Houve uma imposição de uma lei do ensino médio mal pensada para o país. O Brasil tem 20% de jovens no ensino médio noturno. A lei não diz nada a respeito deles. Como ficarão os estudantes do noturno? Eles terão que fazer tempo integral? Então, é difícil saber se vamos conseguir superar esses obstáculos e recuperar um dinamismo, em que a universidade seja uma instância realmente acessível a um conjunto diverso e amplo da população brasileira. Há um grupo enorme de pessoas que têm interesse, vontade e necessidade de alcançar a natureza dos saberes que a universidade trata. Não tenho dúvidas de que as ações afirmativas foram fundamentais para ampliar o acesso e garantir que a universidade seja mais porosa e mais permeável a grupos sociais até então excluídos, mas ela também é muito conservadora enquanto instituição. Restaria perguntar se as universidades estão conseguindo ampliar seus horizontes, sua visão de mundo, ter contato com outros saberes, trazer saberes não coloniais para o debate na academia. Isso é fundamental porque a universidade precisa também se modernizar no sentido de atualizar epistemologicamente os saberes com que ela deve conviver.

ANDREA HARADA Seguindo nesta rota, em 2039 estaremos diante da consolidação do desmonte dos serviços públicos e estaremos sentindo os efeitos das medidas neoliberais aplicadas hoje à economia brasileira. Possivelmente, os serviços públicos estarão sob maior controle do setor privado e a população carente que demanda esses serviços estará vivendo diante de um cenário de desamparo. Assim, as desigualdades sociais e econômicas tendem a aumentar, como devem aumentar também a superexploração do trabalho e a violência decorrente da intensificação da desigualdade social. 

DANIEL CARA Daqui a 20 anos, certamente a gente estará mais atrasado do que nós estaríamos se não houvesse, a partir dos governos de Michel Temer e de Jair Bolsonaro, um rompimento com a pequena atenção que era dada à educação perante a necessidade em relação ao passado. O governo Lula foi especialmente o que mais investiu em educação. Foi insuficiente, mas foi inédito em relação ao que aconteceu no passado. Então, a gente vinha caminhando devagar, mas esse caminho era um caminho certeiro, correto. O problema é que a partir do Temer houve uma queda desse processo, o Bolsonaro aprofundou essa quebra. Na realidade, se muito, em 2030 a gente vai conseguir recuperar um pouco do tempo perdido nestes dois governos. Por isso que a eleição de 2022 é central e a eleição de 2026 também é uma eleição estratégica. Se forem eleitos governos que continuem aprofundando os retrocessos, certamente em 2040 a gente vai estar mais atrasado em termos educacionais do que nos encontramos em 2010. Eu não falo apenas como educador, falo como cientista político: a gente precisa ter clareza no Brasil de que o processo eleitoral é um processo importante. E ele não pode ser desperdiçado ou ser pautado pelo ódio. Ele tem de ser pautado pelo projeto de país.

Yahoo Notícias



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