O Fundo Monetário Internacional (FMI) não considera que nos próximos anos o Brasil fará a reforma tributária, não terá avanço de investimentos em infraestrutura nem tampouco será viabilizada a abertura comercial proposta pelo governo. Tais fatores não estão contemplados nas previsões macroeconômicas do Fundo para o País, que estima que o PIB subirá 2,0% no próximo ano e manterá este ritmo até 2024, quando o crescimento deverá atingir 2,3%.
Essa avaliação foi feita pela economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, em entrevista exclusiva ao Estadão, durante as conferências promovidas pela instituição em Washington nesta semana.
"De fato, esses fatores não estão incluídos nas nossas projeções", destacou Gita. "É como fazemos para todos os países, não é somente para o Brasil. Temos que basear nossas projeções em políticas críveis e anúncios feitos e ainda não estamos nesse estágio." Para ela, tais mudanças estruturais serão muito úteis para o Brasil elevar seu potencial de crescimento para uma marca superior a 3% ao ano.
Leia os principais trechos da entrevista:
O baixo crescimento do Brasil está relacionado a dois fatores: o aperto fiscal que o País precisa fazer para diminuir o alto nível da dívida e as incertezas de políticas relacionadas a reformas. Do lado positivo, a reforma da Previdência registrou muito progresso, o que é bom, mas há várias reformas necessárias.
Outra questão para o Brasil veio do setor externo, relacionada a seus parceiros comerciais. A Argentina está em recessão e o crescimento da China está desacelerando. A situação fiscal ainda requer muito trabalho e serão necessárias reformas, como a relacionada à legislação do reajuste do salário mínimo, para colocar as contas públicas em uma trajetória mais sustentável.
Não observamos atualmente muito investimento no País por causa das incertezas dos últimos anos e não está ocorrendo expansão suficiente do estoque de capital. Por isso avaliamos a importância da reforma tributária para ajudar o ambiente de negócios. Também são relevantes gastos em infraestrutura pelo governo, para encorajar a ampliação do capital pelo setor privado. A produtividade também está relativamente fraca e, para avançar, são necessários investimentos em educação e infraestrutura. Quando realizamos projeções macroeconômicas precisamos baseá-las em premissas sobre anúncios que os países fizeram, sobre o que vão realizar e que são críveis. É claro que se mais reformas ocorrerem nesse período poderão ter impacto positivo sobre tais previsões.
De fato, estes fatores não estão incluídos nas nossas projeções.
É como fazemos para todos os países, não somente para o Brasil. Temos que basear nossas projeções em políticas críveis e anúncios feitos e ainda não estamos nesse estágio. E dado que o Brasil precisa lidar com questões importantes, inclusive na área fiscal, têm que ser avaliadas reformas e políticas críveis.
Sim, acredito que serão extremamente úteis para isso. E se a demanda global avançar também ajudará.
Em nossas projeções para a economia mundial assumimos que serão implementadas as tarifas anunciadas pelos EUA em relação à China que passariam a valer em outubro e dezembro. Então, há uma possibilidade de melhora das perspectivas globais para 2020, dependendo do que ocorrer nesta área.
É importante esperar os detalhes dessa "fase 1". Uma escalada das tensões comerciais ainda é um risco real para a perspectiva econômica mundial e não vou retirá-lo da mesa neste momento por múltiplas razões. Uma delas é que há uma possibilidade de que as tensões comerciais poderiam se estender à União Europeia, com tarifas sobre carros. Também há a possibilidade de que as disputas contemplem questões de tecnologia, não somente mercadorias.
Penso que se conseguirmos a alta de 3,4% no próximo ano ficaremos muito felizes, pois hoje o crescimento global é precário. Essa previsão considera que não serão impostas mais tarifas nas disputas entre EUA e China, não ocorrerá escalada da tensão comercial e haverá recuperação de mercados emergentes, como Brasil, Índia e México.
Temos a esperança de que esses governos farão mais para ajudar a economia mundial, mas nossas projeções são baseadas nas políticas anunciadas, inclusive na área fiscal. Por exemplo, para a Alemanha avaliamos que ocorrerá alguma expansão fiscal neste ano. Em 2020 a política fiscal será neutra e em 2021 e 2022 retomará novamente alguma expansão. É nosso papel dizer para os países que têm espaço fiscal, como a Alemanha e Holanda, que devem realizar gastos agora pela simples razão que precisam investir em projetos de infraestrutura, pois os financiamentos serão adotados com taxa de juro negativa e precisam elevar o potencial de crescimento.
Se os países não avançarem nos gastos, então o desempenho da Europa estará em harmonia com nossas previsões, que apontam que o crescimento continuará a desacelerar. A política monetária na zona do euro tem um espaço limitado atualmente. Se não houver o apoio do lado fiscal, há uma terceira vertente que poderia avançar, formada por reformas estruturais, entre elas viabilizar um mercado único de serviços e não apenas de mercadorias que podem ajudar a elevar a produtividade. A minha percepção é de que os países adotarão as medidas certas quando forem necessárias.
A economia dos EUA está numa posição saudável, com projeção de crescimento de 2,4% neste ano e de 2,1% em 2020. A taxa de desemprego está em nível recorde de baixa, o consumo e o sentimento dos consumidores continuam bem. O setor de serviços mantém o bom desempenho. Para ocorrer uma recessão nos EUA, que não está em nosso cenário, seria preciso ocorrer um fator extremado, algo que levaria a economia global a uma forte desaceleração. Vamos avaliar o seguinte cenário: suponha que ocorreria uma escalada das tensões comerciais, que superaria as relações EUA-China e chegaria à Europa, que atingiria questões de tecnologia, os mercados de capitais. Então poderíamos ver as condições financeiras mundiais mudar muito rapidamente e poderiam afetar várias partes do mundo, inclusive países emergentes. Poderia haver correções nos mercados, com aperto de condições financeiras a empresas e poderiam surgir mais defaults corporativos. Esse seria o tipo de fenômeno que poderia levar a uma grave retração nos EUA.
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