Em 2018, após 18 anos sem registro de sarampo autóctone (adquirido dentro do país), sendo três sem os decorrentes de pacientes vindos de outras localidades, o Brasil voltou a registrar casos desta doença infecciosa aguda, de natureza viral e altamente contagiosa, que pode ser transmitida por meio de tosse, fala e espirro.
Pelos dados do Ministério da Saúde (MS), foram 10.262 confirmações do início de janeiro até 10 de dezembro. Hoje, o país enfrenta um surto no Amazonas, com 9.779 casos, e outro em Roraima, com 349. Até agora, foram 12 óbitos em três Estados: quatro em Roraima, seis no Amazonas e dois no Pará. A maioria das vítimas tinha menos de 5 anos.
No novo ano, ao que tudo indica, a enfermidade, 100% prevenível com vacina, deve continuar. Mas há também outras patologias no radar das autoridades nacionais, que podem "voltar" ou até piorar nos próximos meses?
Em nota, o Ministério da Saúde afirma que, com exceção do sarampo, "não há qualquer previsão de retorno de doenças eliminadas ou erradicadas". Ainda assim, garante que é fundamental a manutenção de coberturas vacinais altas e homogêneas - o ideal é atingir 95% do público-alvo -, pois muitos vírus continuam em circulação em outros países.
Além disso, o órgão comenta que "com o fluxo de turismo e comércio entre nações, pessoas não vacinadas podem contrair doenças e criar condições para o retorno da transmissão das mesmas, caso não se mantenham elevadas coberturas vacinais em todas as cidades".
Apesar das declarações do Ministério da Saúde, o ressurgimento do sarampo ligou um alerta no Brasil. Segundo Rivaldo Venâncio, coordenador dos Laboratórios de Referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o momento é de preocupação substancial em relação a todas as doenças imunopreveníveis, ou seja, preveníveis com vacina.
Entre elas, Venâncio destaca a difteria - patologia transmissível aguda, toxi-infecciosa e imunoprevenível, causada por bactéria, que se aloja principalmente nas amígdalas, faringe, laringe, nariz e, ocasionalmente, em outras mucosas do corpo e na pele, e é transmissível por meio de contato direto entre as pessoas.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) também está apreensiva com a possibilidade do seu retorno nas Américas. Nos últimos anos, foram registradas ocorrências no Brasil (quatro casos em 2016 e cinco em 2017) e na Colômbia, e surtos na Venezuela, com 1.602 casos suspeitos entre 2016 e 2018, e no Haiti.
"Por aqui, como a vacina que usamos contra essa enfermidade também protege contra coqueluche e tétano, é recomendável ter atenção com as três", informa o especialista. Segundo o Ministério da Saúde brasileiro, em 2015 foram registrados 1.333 casos de coqueluche em todo o território; em 2016, 3.110, e, em 2017, 1.900.
Essa doença infecciosa aguda e transmissível é provocada pelo bacilo Bordetella pertussis e compromete especificamente o aparelho respiratório. Sua transmissão se dá pelo contato direto do doente com uma pessoa suscetível, por meio de gotículas de secreção eliminadas por tosse, espirro ou até mesmo ao falar.
De tétano, foram 243 confirmações em 2016, e 230 em 2017. A enfermidade também é infecciosa, porém não contagiosa, e ocorre, geralmente, pela contaminação de um ferimento da pele ou da mucosa com os esporos do bacilo Clostridium tetani.
Outra patologia que está no radar é a poliomielite, que permanece endêmica no Afeganistão, na Nigéria e no Paquistão, com registro de 12 casos. Conhecida popularmente como paralisia infantil, ela é contagiosa e pode infectar crianças e adultos por meio do contato direto com fezes ou com secreções eliminadas pela boca das pessoas doentes.
No território nacional não há circulação de poliovírus selvagem, seu causador, desde 1990, mas em julho deste ano, a pasta da Saúde divulgou que 312 municípios brasileiros estavam com cobertura vacinal abaixo de 50%, fazendo o alerta ser acionado.
"Dos três ou quatro programas de saúde coletiva mais exitosos que o Brasil produziu nos últimos 40 ou 50 anos, certamente o de imunizações é o carro-chefe, um exemplo para o mundo. Só que depois de décadas de sucesso, tanto a população quanto os sistemas de saúde acabaram se descuidando", alerta Venâncio, da Fiocruz.
E ele acrescenta: "O surto do sarampo, por exemplo, mesmo tendo ficado localizado na região Norte e sido fruto de importação - o genótipo do vírus (D8) que está circulando no país é o mesmo da Venezuela -, nos pegou de surpresa e mostrou que houve falha na cobertura vacinal. Agora é hora de fazer ajustes a fim de evitar novos problemas".
Questionado sobre este assunto, o Ministério da Saúde afirma que "recomendar a cobertura vacinal homogênea no país é um trabalho constante e que periodicamente a coordenação do Programa Nacional de Imunizações (PNI) emite notas técnicas para Estados e municípios sobre seu monitoramento e avaliação e, para os Estados que estão abaixo da meta, orienta que organizem suas redes, inclusive com a possibilidade de readequação de horários mais compatíveis com a rotina da população brasileira".
As enfermidades transmitidas por mosquitos vetores também continuarão na mira em 2019, especialmente no verão, pois o aumento da temperatura favorece a reprodução dos insetos e, por consequência o potencial de circulação dos vírus.
"Estamos há dois anos com baixo indicador de dengue, chikungunya e zika. Trata-se de uma flutuação normal, mas também um alerta e, para o ano que vem, infelizmente, a expectativa é de aumento no número de casos", diz Expedito Luna, pesquisador e professor em epidemiologia do Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, da Universidade de São Paulo (USP).
Neste ano, do início de janeiro a 3 de dezembro, foram notificados 241.664 casos de dengue em todo o país, com 142 mortes - no mesmo período do ano passado, foram 232.372 e 176, respectivamente. A taxa de incidência, que considera a proporção de casos por habitantes, é de 115,9/100 mil.
Quanto se trata da chikungunya, foram 84.294 casos e 35 óbitos em 2018, contra 184.344 e 191 em 2017. A taxa de incidência é de 40,4 casos/100 mil habitantes. Da zika, 8.024 casos (17.025 em 2017) e quatro mortes este ano. A taxa de incidência é de 3,8 casos/100 mil habitantes.
Com base nas informações do Levantamento Rápido de Índices de Infestação pelo Aedes aegypti (LIRAa), do MS, 504 municípios brasileiros apresentam alto índice de infestação do mosquito, com risco de surto para as doenças transmitidas por ele.
O relatório ainda identificou 1.881 cidades em alerta, e 2.628 com índices satisfatórios. Na lista das capitais, Palmas (TO), Boa Vista (RR) Cuiabá (MT) e Rio Branco (AC) podem ter surto.
Manaus (AM), Belo Horizonte (MG) Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Brasília (DF), São Luís (MA), Belém (PA), Vitória (ES), Salvador (BA), Porto Velho (RO), Goiânia (GO) e Campo Grande (MS) estão em estado de alerta. Já Curitiba (PR), Teresina (PI), João Pessoa (PB), Florianópolis (SC), São Paulo (SP), Macapá (AP), Maceió (AL), Fortaleza (CE) e Aracaju (SE) registram índice satisfatório.
O Ministério da Saúde adverte que estes resultados reforçam a necessidade de intensificar ações de prevenção, que são gerenciadas e monitoradas pela Sala Nacional de Coordenação e Controle para enfrentamento do mosquito.
Segundo o ministério, foram repassados R$ 1,9 bilhão em 2018, ante R$ 924 milhões em 2010, para ações como fornecimento de larvicidas e veículos para fumacês.
O combate ao Aedes aegypti também depende da população, que deve ficar atenta a locais ou objetos que possam acumular água parada. Entre as recomendações estão: manter caixas d´água, tonéis e barris bem fechados; lavar semanalmente por dentro, com escova e sabão, os tanques utilizados para armazenamento de água; remover folhas, galhos e tudo o mais que possa impedir a água de escorrer pela calha; não deixar água acumulada sobre a laje; fazer constantemente a manutenção de piscinas ou fontes; encher os pratinhos dos vasos com areia; fechar bem os sacos de lixo e acondicionar pneus sem uso em locais cobertos.
A febre amarela, que tem gerando preocupação desde 2016, quando houve surto no país, com mais força na região Sudeste, é outro problema que deve permanecer em 2019. De acordo com números do Ministério da Saúde, de 1º de janeiro a 8 de novembro deste ano, foram registrados 1.311 casos e 450 mortes, quase o dobro do mesmo período no ano anterior (736 casos e 230 mortes).
Assim como aconteceu com a poliomielite, a pasta fez um alerta recentemente para que as pessoas que vivem em áreas com evidências da patologia (a lista completa pode ser acessada no site do governo) busquem a vacinação o quanto antes.
As demais recomendações para se prevenir desta doença infecciosa febril aguda, causada por um vírus transmitido pela picada de mosquitos vetores infectados, sendo os gêneros Haemagogus e Sabethes os mais conhecidos na América Latina, são praticamente as mesmas de dengue, chikungunya e zika.
Por fim, a malária, patologia infecciosa febril aguda, causada por protozoários transmitidos pela fêmea infectada do mosquito Anopheles, é mais uma preocupação para o novo ano.
Depois de dez anos de redução no número de ocorrência, em 2017 o país apresentou um acréscimo de mais de 50% na comparação com 2016 - foram 194.425. Este ano, de janeiro a setembro, foram 146.723.
Apesar da região amazônica concentrar mais de 99% dos registros (de janeiro a agosto deste ano foram 146.159), o Ministério da Saúde adverte que os demais Estados também possuem áreas com a presença do vetor, onde podem ocorrer a reintrodução da doença e surtos a partir de um caso importado.
Para 2019, está prevista a ampliação de mais 20% da rede diagnóstica de malária no Brasil.
BBC News Brasil