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Comportamento
15/05/2018 11:29:00

Como trabalhar nossos recursos emocionais para viver o luto


Como trabalhar nossos recursos emocionais para viver o luto

Falar da morte é difícil, mas é necessário. A sociedade costuma evitar falar sobre os sentimentos que precisamos enfrentar quando perdemos alguém especial, ou mesmo quando vivemos situações de crise.

 

O luto é uma fase importante para elaborar esses sentimentos. Sem a necessidade de colocar prazos para as emoções, é preciso estar de ouvidos e coração bem atentos para o que vêm diante da impotência perante a morte.

 

Para as psicólogas Luciana Mazorra e Valéria Tinoco, a empatia e o diálogo são ferramentas essenciais que precisamos desenvolver como sociedade, se quisermos aprender a lidar com o sofrimento individual e coletivo.

 

"Um caminho para a prevenção é sempre trabalhar os nossos vínculos. O que nos traz segurança hoje? Eu sei falar sobre os meus sentimentos? Eu consigo atribuir significado, entender o que eu estou vivendo? Além de fazer essa reflexão sobre si mesmo, poder fazer isso com o outro contribui para criarmos a sensação de que não estamos sós, que temos uma base segura - seja na escola, no trabalho ou na família", explica Luciana Mazorra.

 

 

FOTODUETS VIA GETTY IMAGES

 

Em entrevista ao HuffPost Brasil, Luciana Mazorra e Valéria Tinoco, especialistas em psicoterapia associadas a The School Of Life, refletiram sobre a importância de viver o luto.

Morrer faz parte da vida, mas como lidar com essa única certeza?

Luciana Mazorra: A morte precisa ser tratada com mais naturalidade. As conversas sobre morrer e sobre o luto precisam estar dentro das temáticas da sociedade. Por muito tempo nós tentamos nos livrar disso. A gente usa a palavra "superar" o luto, mas essa ideia é bastante discutível. Quanto mais a gente fizer o caminho contrário e falar sobre a morte e o luto, mais a gente se prepara no sentido de saber que é possível lidar com a morte e com os sentimentos que a perda traz para gente. Por exemplo, a gente costuma afastar as crianças dessas conversas, dos rituais do luto, e muitas vezes os pais não falam como eles estão se sentindo para os seus filhos. Qual a mensagem que a gente passa para elas quando a gente quer esconder o tema? É que a gente não vai dar conta. Se não se pode falar sobre isso é porque ninguém está preparado. A gente precisa trabalhar recursos emocionais para viver o luto. Já a criança que participa, que é escutada, que tem o seu sentimento validado, ela vai ter mais condições de elaborar o seu luto.

Valéria Tinoco: O que é se preparar para essa experiência? Estar preparado é saber que vai haver o sofrimento e permitir o sofrimento. A gente não pode negar o sofrimento. Não existe não sofrer diante da morte. É uma perda significativa. O melhor preparo para o luto é que a sociedade esteja aberta para acolher e trabalhar esse sofrimento.

Como desenvolver recursos emocionais para viver o luto?

Luciana Mazorra: Precisamos poder falar a respeito dos nossos sentimentos. As pessoas precisam ter empatia umas com as outras e validar os sentimentos possíveis em uma experiência de perda. Precisamos melhorar como sociedade. O caminho nunca é apontar culpados. Quando lidamos com um suicídio, por exemplo, não dá para investigar uma ou outra causa, já que é algo multifatorial.

Porém, um caminho para a prevenção é sempre trabalhar a questão dos nossos vínculos. O que nos traz segurança hoje? Eu sei falar sobre os meus sentimentos? Eu consigo atribuir significado, entender o que eu estou vivendo? Além de fazer essa reflexão sobre si mesmo, poder fazer isso com o outro contribui para criarmos a sensação de que não estamos sós, que temos uma base segura - seja na escola, no trabalho ou na família.

Quanto mais a gente desenvolver essa postura empática nas nossas relações, mais isso será uma forma de prevenção de várias questões de saúde mental. Mas hoje em dia vemos as pessoas cada vez menos disponíveis para esses temas. A gente consome muito, mas em pouca profundidade. Talvez por isso o espaço terapeutico seja cada vez mais requisitado, porque é diferente do que é encontrado na nossa vida exterior.

Valéria Tinoco: A gente trabalha a partir de uma perspectiva de uma educação para a morte. Entendemos que no desenvolvimento da criança, e da sociedade como um todo, trabalhar as pequenas perdas nos prepara para outras perdas maiores. Uma das discussões que temos é o quanto a gente evita que os nossos filhos se frustrem e sofram, por exemplo. E aí a gente espera que essas crianças enquanto adultas possam enfrentar as diversas situações. As perdas acontecem para todo mundo. Então é preciso ter um preparo.

A gente vive em uma sociedade em que a gente precisa e consegue resolver muita coisa rapidamento, mas a morte é uma das coisas que a gente não consegue reverter. É preciso viver as experiências de frustrações.

Um aspecto muito importante sobre essa base segura que precisamos criar é saber tolerar as necessidades do outro. É muito frequente que quando o outro me fale sobre um sofrimento, eu respondo com uma reavaliação. "Mas por que você não agiu de tal maneira? Se eu fosse você eu faria assim." No fundo, eu não escuto o que o outro acabou de me falar. Essas reavaliações costumam colocar uma distância entre quem está sofrendo e quem está escutando. A gente encontra conforto em quem acolhe esse sofrimento e não em quem quer logo sair daquilo. Não dá para a gente simplesmente substituir a dor por uma solução. Ela virá no tempo certo. Reavaliar o sofrimento do outro acaba sendo uma postura pouco empática.

Como saber quando é o momento de pedir ajuda, principalmente profissional?

Luciana Mazorra: Enquanto profissionais, avaliamos o quanto o enlutado está podendo olhar para essa perda e quais são as suas reações diante dela. Se a pessoa consegue ao mesmo tempo dar conta de suas atividades do cotidiano e do luto. A elaboração do luto sempre se dá nesses dois movimentos: olhar para a perda, mas também seguir com a vida. Quando esses dois movimentos são possíveis, existe um caminhar aí. E a psicoterapia é um dos recursos que ajuda nessa trajetória, mas a pessoa pode encontrar outros.

Se a pessoa está muito focada em simplesmente seguir a diante, e não consegue nem olhar para as reflexões e os sentimentos que a perda traz , isso pode ter um custo emocional muito maior ou algum tipo de somatização. É importante estar atento as nossas reações.

E é sempre bom lembrar: a nossa dor é sempre a maior do mundo, porque é sempre a dor que a gente conhece. E ninguém pode julgar isso. Seja a perda de um animal de estimação, um divórcio ou um emprego. O que dá o tom desse sofrimento é o quão intenso era essa relação que eu tinha, o que ela dizia sobre mim, o que estava em jogo.

O luto quando não reconhecido como tal, seja pelo individuo ou pela sociedade, só atrapalha. Você considera que não deveria estar sofrendo por aquilo e se sente julgado por estar sofrendo por aquela perda.

Valéria Tinoco: No processo psicoterapêutico, sempre existe uma avaliação do profissional e outra do indivíduo. Essa avaliação dupla é o que vai refletir melhor o quadro. Verificamos se a qualidade de vida é prejudicada, se o indivíduo está adoecido mentalmente. Do ponto de vista do luto, a gente avalia se o indivíduo consegue encontrar espaço interno e externo para falar dessa dor e avalia a capacidade dessa pessoa de se reorganizar diante dessa nova fase de vida.

É importante que o próprio indivíduo também faça essa autoavaliação do seu sofrimento. A partir de uma experiência de perda, ou de uma crise, ele pode avaliar se está conseguindo funcionar como funcionava antes - ou pode identificar esse momento como uma oportunidade de mudar, de ampliar e de tranformar algumas formas de vida. Uma crise às vezes é uma oportunidade de reavaliação.

Em alguns momentos, a pessoa reconhece o sofrimento físico e mental, mas não consegue trabalhar aquilo apenas com os recursos que ela já tem, então a psicoterapia entra como mais um recurso.

A depender das fases da vida, um determinado tipo de perda pode ser mais complexo do que o outro. Não dá para comparar a perda de uma pessoa com a da outra. Mas o proprio indivíduo consegue analisar os seus diferentes tipos de perda. Às vezes uma perda considerada menos relevante traz uma desorganização maior por conta da fase de vida em que ela acontece.

www.huffpostbrasil.com 



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