Criminalização do preconceito contra pessoas LGBT, direito ao casamento homoafetivo, cotas para transgêneros e transexuais no serviço público. Essas são algumas das propostas no Estatuto da Diversidade Sexual. Em tramitação no Senado Federal, o projeto de lei do Senado n° 134, de 2018 enfrenta uma dificuldade extra para ser aprovado: o ano eleitoral.
"O nosso legislador é covarde. Tem medo de não se reeleger", resume Maria Berenice Dias, presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), entidade autora do projeto.
Com 100 mil assinaturas de apoio e em conjunto com a Aliança Nacional LGBTI, o estatuto começou a tramitar no Senado como uma sugestão legislativa, proposta de iniciativa popular.
Parecer favorável à sugestão da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) foi aprovado na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) em março deste ano. O projeto de lei agora está na Comissão de Transparência do Senado e ainda irá passar pelas comissões de Constituição e Justiça, Educação e de Assuntos Sociais, antes de ir para o plenário da Casa. Se for aprovado, segue para a Câmara.
Relator da proposta na Comissão de Transparência, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) não quis adiantar sua posição. "O projeto foi para o meu gabinete na quinta-feira no fim da tarde e eu não li", afirmou ao HuffPost Brasil. O parlamentar, que é presidente do colegiado e requisitou a relatoria para si, não informou mais detalhes, apenas respondeu que não iria evitar a votação. "Tem que andar. Está na minha comissão", completou.
Oliveira não está entre os parlamentares conhecidos pela defesa dos direitos LGBT. O senador já classificou como preconceito contra a Igreja decisão judicial que retirou um outdoor instalado por uma igreja evangélica em Ribeirão Preto com versículos bíblicos que condenam a homossexualidade.
A 6 meses das eleições, a diretora de promoção dos direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos (MDH), Marina Reidel, vê uma dificuldade adicional em aprovar o estatuto. "Temos pautas muito difíceis porque a sociedade ainda é muito heteronormativa. O Brasil ainda tem essa postura e uma sociedade ainda preconceituosa em relação a alguns temas", afirmou ao HuffPost Brasil.
Ela destaca que parlamentares que votariam a favor evitam se posicionar com medo de perder votos do eleitorado mais conservador."Não querem se expor porque provavelmente o maior eleitorado deles seja contra a pauta, então vão conforme o posicionamento de olho nos votos que teriam. São poucos que se manifestam contra a pauta, mas alguns a favor não querem se expor porque é um ano político", completou.
Nos bastidores, alguns parlamentares a favor dos direitos LGBT têm usado como estratégia evitar a votação de propostas quando não há garantia de aprovação. Em dezembro do ano passado, o Senado adiou a votação do projeto que legaliza o casamento homoafetivo por falta de quórum.
Esse tipo de união é permitida por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desde 2013, mas não está previsto em lei. O mesmo ocorre com outros direitos LGBT, como o uso do nome social. Decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de março permitiu a retificação do registro civil sem a necessidade de cirurgia ou de decisão judicial.
O objetivo do Estatuto da Diversidade Sexual é preencher essa lacuna e estabelecer uma legislação ampla para essa população. Maria Berenice Dias afirma que esse é o modelo mais moderno para grupos vulneráveis e cita como exemplo o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Ela ressalta a necessidade de assegurar os direitos em lei.
Hoje não tem lei. É tudo fruto de construção jurisprudencial, resoluções normativas. Precisa ter lei, entrar no sistema jurídico. Eles [LGBT] têm de ser merecedores da tutela jurídica de Estado. Precisa ser reconhecidos como cidadão. Nunca no Brasil chegou a ir a votação qualquer proposta nesse sentido.Maria Berenice Dias
A especialista questiona a tramitação do texto, que terá de passar por 4 comissões. Ela também criticou o número de enquetes no site do Senado. "São tendenciosas essas consultas. Pode haver uso inclusive de robôs. É um indício de boicote", acusa. No início da noite da última sexta-feira (27), a proposta tinha 21.766 votos a favor e 28.492 contra.
A presidente da comissão da OAB reconhece as dificuldades no Legislativo, mas tem esperança. "Pela primeira vez estou vendo os movimentos se consolidarem, entidades mais pró-ativas, mais atentas, uma quantidade enorme de integrantes da população LGBT se candidatando a cargos públicos. O não reagir está acabando", afirmou.
Com 125 artigos, o estatuto prevê uma série de direitos à população LGBT, como casamento, adoção e uso das técnicas de reprodução assistida para famílias homoafetivas e proteção contra a violência doméstica ou familiar, independente da orientação sexual ou identidade de gênero da vítima.
O texto prevê que a alteração do nome e da identidade sexual pode ser feita em cartório, sem ação judicial e com garantia de direitos previdenciários, além de cota para pessoas trans na administração pública, uso de banheiro de acordo com a identidade de gênero e obrigatoriedade de instituições de ensino abordarem questões de gênero a fim de minar o preconceito.
Também está previsto na proposta o fim de tratamentos de reversão, chamados de "cura gay" e a limitação da doação de sangue apenas pela orientação sexual. "Os questionamentos ao potencial doador, relativamente à sua sexualidade, devem se limitar a eventuais práticas sexuais de risco, e não à sua orientação sexual ou identidade de gênero", diz o texto.
Quanto aos crimes, o estatuto prevê pena de prisão de 1 a 5 anos para intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero e de 1 a 3 anos para indução à violência nesse contexto. A mesma pena deve ser aplicada no caso de discriminação no mercado de trabalho ou em estabelecimentos comerciais.
O estatuto prevê ainda uma alteração na Lei Maria da Penha, para incluir " famílias homoafetivas, independente do sexo registral ou morfológico da vítima" e estabelece que "todo delito em que ficar evidenciado que foi cometido por intolerância em razão da orientação sexual ou identidade de gênero terá a pena agravada em um terço à metade".