Para Nathan Wolfe, 38, um professor visitante de epidemiologia na Universidade de Stanford, um dia de trabalho comum pode parecer uma cena do reality show “Survivor” – perseguindo caçadores de primatas através da densa folhagem na área rural de Camarões, atravessando lama e correntezas, esquivando-se de galhos e de mosquitos portadores de malária.
Wolfe diz apreciar a aventura. As tem um propósito mais amplo: evitar pandemias globais antes que aconteçam.
Os caçadores de subsistência que ele rastreia enfrentam um único perigo ocupacional: seu sangue freqüentemente se mistura com o de suas presas. Como animais como chimpanzés e orangotangos são geneticamente similares a humanos, a probabilidade de transmissão viral entre espécies é muito alta.
Tanto o HIV quanto o Ebola, por exemplo, possuem origens primatas documentadas, e um artigo publicado na edição de fevereiro da Nature apontou que 60% dos elementos patogênicos em crescimento vieram de animais.
“Estamos começando a expandir o divisor de águas no controle global de doenças” disse Wolfe. “Antes, o melhor que se podia fazer era desenvolver uma vacina, mas hoje as pessoas reconhecem que isso não será suficiente.”
“Se você encontra doenças antes que elas apareçam de verdade,” continuou, “é possível controlá-las desde o início, antes que ceguem a uma epidemia de grandes proporções.”
Essa abordagem antecipada à supervisão de epidemias, Segundo ele, é o que torna tão crucial a perseguição dos caçadores em Camarões.
Quando tem sucesso em persuadir os caçadores, a quem chama de “sentinelas,” a lhe fornecer amostras de sangue, ele consegue formar uma idéia melhor sobre a quais novas doenças animais eles estão expostos – e, por extensão, quais vírus em surgimento podem representar a maior ameaça aos humanos.
Desde que começou seus estudos sobre os caçadores, ele se deparou com muitos vírus nunca vistos em humanos, incluindo retrovírus da mesma família do HIV.
“Com as epidemias, as pessoas têm ficado na praia, esperando que o jorro atinja o oceano,” disse Wolfe, referindo-se ao impacto típico de uma onda gigante que uma epidemia alastrada poderia exercer ao redor do mundo. “Mas para evitar epidemias, é preciso examinar as diversas pequenas fontes que se alimentam do rio.”
Com o objetivo de identificar mais dessas “pequenas fontes” – novos elementos patogênicos causadores de doenças – e os sufocar, Wolfe criou neste ano a Iniciativa Global de Previsão Viral. Se o toque de novas doenças puder ser destruído antes de atingir os humanos, ele justificou, as organizações de saúde teriam de gastar menos dinheiro e energia no desenvolvimento de caras vacinas e remédios de tratamento.
Google.org, o braço filantrópico do Google, anunciou nesta terça-feira uma contribuição de US$5,5 milhões à iniciativa; isso foi equiparado por US$5,5 milhões da Skoll Foundation, que apóia o trabalho de empreendedores sociais.
“Nathan será uma estrela do rock nesse campo,” disse Frank Rijsberman, um diretor de programa do Google.org. “Temos grandes esperanças de que ele descobrirá de cinco a dez novos vírus dentro dos próximos anos.”
Enquanto observadores e colegas endossaram as táticas de previsão de Wolfe, colocá-las em prática é uma ordem difícil. Depois que suas equipes chegam numa vila rural em Camarões num pequeno ônibus, sua primeira tarefa é convencer a população local de que a pesquisa não representa uma ameaça a seu modo de vida.
“As pessoas nem sempre conseguem ver uma conexão entre doenças e animais selvagens,” disse Matthew LeBreton, um coordenador de pesquisa que desenvolve programas de educação de campo para os moradores. “E algumas vezes eles pensam que vamos confiscar sua carne. Se alguém fala a eles sobre a carne de subsistência, é isso que eles ouvirão.”
Uma vez estabelecido o entendimento, a coleta de dados pode começar. Os caçadores recebem pedaços de papel-filtro, que usam para absorver o sangue que pinga de suas presas. Ao mesmo tempo, cientistas tiram amostras de sangue dos próprios caçadores. Todas as amostras são testadas contra vírus não familiares.
“Os pontos principais que buscamos são: se certo vírus causa doenças, e se é transmissível,” disse Wolfe. “Sabemos que há certos tipos de vírus que são maus – o da gripe, por exemplo, é uma área que não é um lado cego. Mas muitos vírus surgiram do nada, como o HIV, ou o SARS, até certo ponto. Por sabermos que temos o potencial de não enxergar algum lado, temos realmente de investigar os desconhecidos.”
Para mapear o surgimento de novos vírus, Wolfe e seus colegas da Iniciativa Global de Previsão Viral – mais de 100 cientistas em nove países – começaram a acompanhar outras populações de sentinelas, como pessoas que recebem transfusões de sangue com freqüência. Eles expandiram recentemente suas investigações sobre vírus que atravessam a barreira animal-humano, conduzindo pesquisas em locações de campo na China, Madagascar, Malásia e Paraguai.
Graças a novas tecnologias de seqüenciamento de DNA nos vírus encontrados, epidemiologistas podem identificar rapidamente os elementos patogênicos mais virulentos – aqueles que apresentam altas taxas de mutação ou se emprestam à recombinação, na qual fios de DNA são quebrados e então unidos a outro material genético. Uma nova variedade da gripe, por exemplo, poderia ser perigosa, mas só causaria uma epidemia se fosse geneticamente capaz de manter-se um passo à frente das defesas do sistema imunológico.
Rastrear a mescla viral numa dada população eventualmente também é crítico, disse Forest Rohwer, um microbiologista da Universidade Estadual de San Diego que trabalha com Wolfe.
“Imagine que você está fazendo o monitoramento de rotina numa área,” disse Rohwer. “Se você tira 100 amostras de sangue diferentes por dia para examinar os vírus nessas 100 amostras, e em certo ponto você vê um deslocamento do que normalmente veria naquele sistema, então você pode dizer, ‘OK, há algo errado aqui; vamos analisar em profundidade.’”
Quando um vírus nocivo é localizado, o próximo passo é determinar a rapidez com que ele pode se espalhar. Os colegas de Wolfe e outros cientistas desenvolveram simulações de computador que podem ser personalizadas para levar em conta o tamanho e a densidade da população, tamanho da família e padrões de transporte.
“Você cria uma população de indivíduos e então cria as regras para como eles se movem com base em seus dados,” disse Donald S. Burke, reitor da Escola de Saúde Pública da Universidade de Pittsburgh, que ajudou a criar algumas dessas simulações.
A simulação então prevê como um vírus com um dado grupo de propriedades de transmissibilidade irá prosperar num ambiente em particular. Uma vez que Wolfe e seus colegas isolam um novo vírus ou variante que parece estar se espalhando numa pequena área, eles conseguem focar em suas características primárias – a probabilidade de uma pessoa doente infectar outra, por exemplo – e alimentar os dados na simulação para gerar uma idéia de como o vírus poderia se disseminar.
Os resultados oferecem uma estimativa bruta, porém valiosa, de como e onde uma epidemia nascente poderia acontecer. Até agora, as simulações mostram que para todos os elementos patogênicos mais virulentos, existe “uma combinação razoável de opções de posicionamento bem dentro do alcance das autoridades de saúde que, se preparadas antecipadamente e executadas com rapidez, poderiam evitar um desastre global,” disse Burke, acrescentando: “Se esse é o caso, então por Deus, é melhor nos prepararmos.”
Wolfe reconhece que a tarefa de se preparar para a próxima pandemia é colossal – grande demais somente para sua equipe.
“O que estamos fazendo é nosso melhor palpite sobre a maneira ideal de se criar um sistema de aviso antecipado, mas haverá 20 ou 30 abordagens examinadas,” disse. “O campo da prevenção de pandemias se tornará enorme nos próximos anos, financiado por bilhões de dólares. Será um novo movimento.”
com gazetaweb // the new york times