BBC Brasil - O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel pelos Estados Unidos abre um novo capítulo na história de um conflito que já dura quase 70 anos.
A disputa pela cidade, sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos, é quase tão antiga quanto a briga por territórios entre israelenses e palestinos - e a decisão desta semana do presidente Donald Trump, que inclui a transferência da embaixada de Tel Aviv para Jerusalém, é vista como um risco às negociações de paz na região.
A BBC responde oito perguntas básicas para entender
por que o conflito entre israelenses e palestinos é tão complexo e polarizado.
1. Como o conflito começou?
O movimento sionista, que procurava criar um Estado
para os judeus, ganhou força no início do século 20, em reação ao
antissemitismo sofrido por eles na Europa.
A região da Palestina, entre o rio Jordão e o mar
Mediterrâneo, considerada sagrada para muçulmanos, judeus e cristãos, pertencia
ao Império Otomano naquele tempo e era ocupada, principalmente, por muçulmanos
e outras comunidades árabes. As aspirações sionistas deram início a um forte
movimento migratório judaico, que gerou resistência entre as comunidades
locais.
Após a desintegração do Império Otomano, na
Primeira Guerra Mundial, o Reino Unido recebeu um mandato da Liga das Nações
(antecessora da ONU) para administrar o território da Palestina.
Antes e durante a guerra, contudo, os britânicos fizeram
uma série de promessas a árabes e judeus que não se cumpririam, entre outras
razões, porque eles já tinham repartido o Oriente Médio com a França. Isso
provocou um clima de tensão entre os dois lados que acabou em confrontos entre
grupos paramilitares judeus e árabes.
Após a Segunda Guerra Mundial e o Holocausto,
aumentou a pressão pelo estabelecimento de um Estado judeu. O plano original
previa a partilha do território controlado pelos britânicos entre judeus e
palestinos.
Após a fundação de Israel, em 14 de maio de 1948, a
tensão deixou de ser local para se tornar questão regional. No dia seguinte,
Egito, Jordânia, Síria e Iraque invadiram o território. Foi a primeira guerra
árabe-israelense, também conhecida pelos judeus como a guerra de independência
ou de libertação. Depois da guerra, o território originalmente planejado pela
Organização das Nações Unidas para um Estado árabe foi reduzido pela metade.
Para os palestinos, começava ali a nakba, palavra
em árabe para "destruição" ou "catástrofe": 750 mil
palestinos fugiram para países vizinhos ou foram expulsos pelas tropas
israelenses.
Mas 1948 não seria o último ano de confronto entre
os dois povos. Em 1956, Israel enfrentou o Egito em uma crise motivada pelo
Canal de Suez, conflito que foi definido fora do campo de batalha, com a
confirmação pela ONU da soberania egípcia sobre o canal, após forte pressão
internacional sobre Israel, França e Grã-Bretanha.
Em 1967, veio a batalha que mudaria definitivamente
o cenário na região - a Guerra dos Seis Dias. Foi uma vitória esmagadora de
Israel sobre uma coalizão árabe. Após o conflito, Israel ocupou a Faixa de Gaza
e a Península do Sinai, do Egito; a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental)
da Jordânia; e as Colinas de Golã, da Síria. Meio milhão de palestinos fugiram.
Israel e seus vizinhos voltaram a se enfrentar em
1973. A Guerra do Yom Kippur colocou Egito e Síria contra Israel numa tentativa
dos árabes de recuperar os territórios ocupados em 1967.
Em 1979, o Egito se tornou o primeiro país árabe a
chegar à paz com Israel, que desocupou a Península do Sinai. A Jordânia
chegaria a um acordo de paz em 1994.
2. Por que Israel foi fundado no
Oriente Médio?
A religião judaica diz que a área em que Israel foi
fundado é a terra prometida por Deus ao primeiro patriarca, Abraão, e seus
descendentes.
A região foi invadida pelos antigos assírios,
babilônios, persas, macedônios e romanos. Roma foi o império que nomeou a
região como Palestina e, sete décadas depois de Cristo, expulsou os judeus de
suas terras depois de lutar contra os movimentos nacionalistas que buscavam
independência.
Com o surgimento do islã, no século 7 d.C., a
Palestina foi ocupada pelos árabes e depois conquistada pelas cruzadas
europeias. Em 1516, estabeleceu-se o domínio turco, que durou até a Primeira
Guerra Mundial, quando o mandato britânico foi imposto.
A Comissão Especial das Nações Unidas para a
Palestina disse em seu relatório à Assembleia Geral em 3 de setembro de 1947
que as razões para estabelecer um Estado judeu no Oriente Médio eram baseados
em "argumentos com base em fontes bíblicas e históricas" e na
Declaração de Balfour de 1917 - em que o governo britânico se posicionou
favorável a um "lar nacional" para os judeus na Palestina.
Reconheceu-se a ligação histórica do povo judeu com
a Palestina e as bases para a constituição de um Estado judeu na região.
Após o Holocausto nazista contra milhões de judeus
na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu a pressão internacional
para o reconhecimento de um Estado judeu.
Sem conseguir resolver a polarização entre o
nacionalismo árabe e o sionismo, o governo britânico levou a questão à ONU.
Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral
aprovou um plano de partilha da Palestina, que recomendou a criação de um Estado
árabe independente e um Estado judeu e um regime especial para Jerusalém.
O plano foi aceito pelos israelenses, mas não pelos
árabes, que o viam como uma perda de seu território. Por isso, nunca foi
implementado.
Um dia antes do fim do mandato britânico da
Palestina, em 14 de maio de 1948, a Agência Judaica para Israel, representante
dos judeus durante o mandato, declarou a independência do Estado de Israel.
No dia seguinte, Israel solicitou a adesão à ONU,
condição que alcançou um ano depois. Hoje, parte dos membros da organização
ainda não reconhece o Estado israelense - o mesmo vale para a Palestina.
3. Por que há dois territórios
palestinos?
Relatório da Comissão Especial das Nações Unidas
para a Palestina à Assembleia Geral, em 1947, recomendou que o Estado árabe
incluísse a área oeste da região da Galileia, a região montanhosa de Samaria e
Judeia, com a exclusão da cidade de Jerusalém, e a planície costeira de Isdud
até a fronteira com o Egito.
Mas a divisão do território foi definida pela linha
de armistício de 1949, estabelecida após a primeira guerra árabe-israelense.
Os dois territórios palestinos são a Cisjordânia
(incluindo Jerusalém Oriental) e a Faixa de Gaza. A distância entre eles é de
cerca de 45 km. A área é de 5.970 km2 e 365 km2, respectivamente.
Originalmente ocupada por Israel, que ainda mantém
o controle de sua fronteira, Gaza foi ocupada pelo Exército israelense na
guerra de 1967 e desocupada apenas em 2005. O país, no entanto, mantém um
bloqueio por ar, mar e terra que restringe a circulação de mercadorias,
serviços e pessoas.
Em 2007, Gaza passou a ser governada pelo Hamas,
grupo islâmico que nunca reconheceu os acordos assinados entre Israel e outros
grupos palestinos. Em outubro deste ano, um acordo de reconciliação entre o
Hamas e o laico Fatah - ambos grupos palestinos, porém rivais - deu à
Autoridade Palestina o controle administrativo de Gaza.
4. Israelenses e palestinos nunca se
aproximaram da paz?
Após a criação do Estado de Israel e o deslocamento
de milhares de pessoas que perderam suas casas, o movimento nacionalista
palestino começou a se reagrupar na Cisjordânia e em Gaza, controlados pela
Jordânia e Egito, respectivamente, e nos campos de refugiados criados em outros
países árabes.
Pouco antes da guerra de 1967, organizações
palestinas como o Fatah, então liderado por Yasser Arafat, formaram a
Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e lançaram operações contra
Israel, primeiro a partir da Jordânia e, depois, do Líbano. Os ataques também
incluíram alvos israelenses em solo europeu.
Em 1987, teve início o primeiro levante palestino
contra a ocupação israelense. A violência se arrastou por anos e deixou
centenas de mortos. Um dos efeitos da intifada foi a assinatura, entre a OLP e
Israel em 1993, dos Acordos de Paz de Oslo, nos quais a organização palestina
renunciou à "violência e ao terrorismo" e reconheceu o
"direito" de Israel "de existir em paz e segurança", um
reconhecimento que o Hamas nunca aceitou.
Após os acordos assinados em Oslo, foi criada a
Autoridade Nacional Palestina (ANP), que representa os palestinos nos fóruns
internacionais. O presidente é eleito por voto direto. Ele, por sua vez,
escolhe um primeiro-ministro e os membros de seu gabinete. Suas autoridades civis
e de segurança controlam áreas urbanas (zona A, segundo Oslo). Somente
representantes civis - e não militares - governam áreas rurais (área B).
Jerusalém Oriental, considerada a capital histórica
de palestinos, não está incluída nesse acordo e é uma das questões mais
polêmicas entre as partes.
Em 2000, a violência voltou a se intensificar na
região, quando teve início a segunda intifada palestina. Desde então,
israelenses e palestinos vivem num estado de tensão e conflito permanentes.
5. Quais são os principais pontos de
conflito?
A demora na criação de um Estado palestino
independente, a construção de assentamentos israelenses na Cisjordânia e a
barreira de Israel a Gaza - condenada pelo Tribunal Internacional de Haia -
complicam o andamento de um processo paz.
Mas esses não são os únicos obstáculos, como ficou
claro no fracasso das últimas negociações de paz sérias, em Camp David, nos
Estados Unidos, em 2000, quando o então presidente americano Bill Clinton não
conseguiu mediar um acordo entre Arafat e o então primeiro-ministro de Israel,
Ehud Barak.
As diferenças que parecem irreconciliáveis são:
- Jerusalém: Israel reivindica soberania sobre a
cidade inteira e afirma que a cidade é sua capital "eterna e
indivisivel", após ocupar Jerusalém Oriental em 1967. A reivindicação não
é reconhecida internacionalmente. Os palestinos querem Jerusalém Oriental como
sua capital.
- Fronteiras: os palestinos exigem que seu futuro
Estado seja delimitado pelas fronteiras anteriores a 4 de junho de 1967, antes
do início da Guerra dos Seis Dias, o que incluiria Jerusalém Oriental, o que
Israel rejeita.
- Assentamentos: ilegais sob a lei internacional,
construídos pelo governo israelense nos territórios ocupados após a guerra de
1967. Na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental há mais de meio milhão de colonos
judeus.
- Refugiados palestinos: os palestinos dizem que os
refugiados (10,6 milhões, de acordo com a OLP, dos quais cerca de metade são
registrados na ONU) têm o direito de voltar ao que é hoje Israel. Mas, para
Israel, permitir o retorno destruiria sua identidade como um Estado judeu.
6. A Palestina é um país?
A ONU reconheceu a Palestina como um "Estado
observador não membro" no final de 2012, deixando de ser apenas uma
"entidade" observadora.
A mudança permitiu aos palestinos participar de
debates da Assembleia Geral e melhorar as chances de filiação a agências da ONU
e outros organismos.
Mas o voto não criou um Estado palestino. Um ano
antes, os palestinos tentaram, mas não conseguiram, apoio suficiente no
Conselho de Segurança.
7. Por que os EUA são o principal
parceiro de Israel? Quem apoia os palestinos?
A existência de um importante e poderoso lobby
pró-Israel nos Estados Unidos e o fato de a opinião pública ser frequentemente
favorável aos israelenses faz ser praticamente impossível a um presidente
americano retirar apoio a Israel.
De acordo com uma pesquisa encomendada pela BBC em
2013 em 22 países, os EUA foram a única nação ocidental com opinião favorável a
Israel e a única com uma maioria de avaliações positivas (51%).
Além disso, ambos os países são aliados militares:
Israel é um dos maiores receptores de ajuda americana, grande parte destinada a
subsídios para a compra de armas.
Palestinos não têm apoio aberto de nenhuma
potência.
Na região, o Egito deixou de apoiar o Hamas, cujo
apoio principal hoje é o do Catar.
8. O que falta para que haja uma
oportunidade de paz duradoura?
Israelenses teriam de aceitar a criação de um
Estado soberano para os palestinos, o fim do bloqueio à Faixa de Gaza e o
término das restrições à circulação de pessoas e mercadorias nas três áreas que
formariam o Estado palestino: Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza.
Grupos palestinos deveriam renunciar à violência e
reconhecer o Estado de Israel.
Além disso, eles teriam que chegar a acordos
razoáveis sobre fronteiras, assentamentos e o retorno de refugiados.
No entanto, desde 1948, ano da criação do Estado de
Israel, muitas coisas mudaram, especialmente a configuração dos territórios
disputados após as guerras entre árabes e israelenses.
Para Israel, esses são fatos consumados, mas os
palestinos insistem que as fronteiras a serem negociadas devem ser aquelas
existentes antes da guerra de 1967.
Além disso, enquanto no campo militar a tensão é
constante na Faixa de Gaza, há uma espécie de guerra silenciosa na Cisjordânia,
com a construção de assentamentos israelenses, o que reduz, na prática, o
território palestino nestas áreas.
Mas talvez a questão mais complicada pelo seu
simbolismo seja Jerusalém, a capital tanto para palestinos quanto para
israelenses.
Tanto a Autoridade Palestina, que governa a
Cisjordânia, quanto o grupo Hamas, em Gaza, reinvindicam a parte oriental como
a capital de um futuro Estado palestino, apesar de Israel tê-la ocupado em
1967.
Um pacto definitivo dificilmente será possível sem
resolver esse ponto, questão agora ainda mais complexa após a decisão americana
de reconhecer a cidade como capital de Israel.
A decisão de Trump vai na mesma direção de uma
medida aprovada em 1995 pelo Congresso americano, prevendo a transferência da
Embaixada americana em Israel para Jerusalém. No entanto, isso nunca havia sido
posto em prática, porque era necessária a aprovação da Presidência dos Estados
Unidos.
Desde então, em todos os semestres, o ato do
Congresso foi encaminhado aos presidentes americanos, mas a praxe sempre foi
renunciar à mudança.
Apesar de parecer contraditório, foi o que o
próprio Trump fez - o republicano também assinou a renúncia, para que haja
tempo de iniciar a transferência da embaixada, mas anunciou publicamente o
reconhecimento da cidade como capital israelense, o que tem um efeito político
importante no cenário internacional.