BBC Brasil - A economia brasileira voltou a
crescer em 2017. Entre julho e setembro, o Produto Interno Bruto (PIB) avançou
pelo terceiro trimestre seguido em relação aos três meses anteriores, 0,1%, e
1,4% sobre o mesmo período de 2016. Tecnicamente, a recessão ficou para trás.
Mas por que a recuperação da atividade é tão lenta e a sensação de crise ainda
é predominante para muitos brasileiros?
A
profundidade da recessão e suas particularidades em relação a outros ciclos de
retração, como o endividamento de empresas e famílias, ajudam a explicar o
ritmo. Em quase três anos, a economia encolheu mais de 8% e retrocedeu ao nível
de 2010.
Com
o resultado positivo divulgado nesta sexta-feira pelo IBGE - que trouxe também
uma revisão para cima dos dados do primeiro e do segundo trimestres, altas de
1,3% e de 0,7%, nessa ordem - voltamos a 2011, mas só em 2020 a atividade
retornaria ao estágio observado logo antes da crise, segundo estimativas de
economistas ouvidos pela BBC Brasil.
Outro fator que dificulta uma
retomada acelerada são os investimentos. As incertezas políticas que
engrossaram o caldo da crise econômica têm feito com que as empresas segurem os
projetos na gaveta. O nível elevado de capacidade ociosa - de máquinas paradas
por causa da queda nas encomendas, por exemplo - contribui.
A primeira reação, tímida, apareceu
nos números do terceiro trimestre. Depois de chegarem a 15,3% do PIB, o menor
resultado da série disponibilizada pelo IBGE, que começa em 1995, os
investimentos subiram a 16,1% do produto.
O emprego também vem registrando
números melhores. Mesmo assim, o país ainda contabiliza mais de 12 milhões de
desempregados - e é esse dado que explica em grande parte porque, para muita
gente, a crise continua.
"As pessoas tendem a ter uma
percepção muito negativa do futuro ao final de uma recessão, o que faz com que
não percebam que a economia já está em recuperação - e uma percepção muito
otimista no final de uma grande expansão, o que faz com que não prevejam a
recessão iminente", pondera Marcelle Chauvet, professora da Universidade
da California Riverside e especialista em ciclos econômicos.
Recessão de
balanço
O Brasil experimentou um avanço do
crédito sem precedentes entre 2003 e 2014, lembra a professora da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Margarida Gutierrez.
O aumento do endividamento de
empresas e famílias nesse período - uma dinâmica que não havia sido observada
antes das outras oito recessões que o Brasil teve desde 1981 - ao mesmo tempo
em que contribuiu para o crescimento no ciclo de expansão, comprometeu a
capacidade de consumo e de investimento durante a crise e na saída dela.
"É o que a literatura chama
de balance sheet recession, recessão de balanço",
destaca.
O peso do consumo das famílias
no PIB recuou por dois anos consecutivos. Cresceu 0,2% no primeiro trimestre de
2017, 1,2% entre abril e junho, com a ajuda da liberação dos saldos inativos do
FGTS, e outros 1,2% de julho e setembro.
Depois
de um longo inverno digerindo as dívidas, o orçamento das famílias começa a dar
sinais de que ganha espaço para o consumo. Acompanhados pelo Banco Central, os
níveis de endividamento e de comprometimento da renda têm melhorado nos últimos
meses - o primeiro estima a dívida em proporção à renda anual e o último, a
parcela do rendimento mensal destinada ao pagamento dos débitos.
A redução dos juros ao longo deste
ano tem um efeito positivo duplo, ainda que defasado: ele barateia as novas
concessões de crédito e pode aliviar as parcelas de dívidas mais antigas.
"O consumo das famílias será o
motor da retomada", diz o diretor de Estudos e Políticas Macroeconômicas
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Ronaldo de Castro
Souza Júnior.
O caminho, contudo, é longo. Neste
ano, a economia deve crescer 0,7%, estima o órgão. Com a alta de 2,6% projetada
para 2018, diz o diretor, seria preciso que a economia avançasse expressivos
4,3% em 2019 para voltar ao nível pré-crise.
Investimentos
Os efeitos da política monetária
expansionista - a redução da taxa Selic pelo BC ao longo de 2017 - também devem
se manifestar sobre os investimentos, o componente que mais recuou no PIB
durante a crise.
Os primeiros sinais apareceram nos
números que o IBGE divulgou nesta sexta-feira. A chamada Formação Bruta de
Capital Fixo (FBCF) cresceu 1,6% no terceiro trimestre quando comparada com os
três meses anteriores, depois de um mergulho de 14 trimestres no vermelho e de
ficar no zero a zero no segundo trimestre.
A avaliação de que o cenário à frente
é de melhora é sustentada pela recuperação da produção industrial - que, apesar
de contabilizar alta modesta no acumulado de 2017, de 1,6% em relação ao mesmo
período de 2016, aumentou em sete dos nove primeiros meses do ano - e pela
retomada das importações de bens de capital, acrescenta Jankiel Santos,
economista-chefe do banco Haitong.
Ele também estima alta de 0,7% para o
PIB neste ano e algo entre 1,5% e 2% para 2018.
Apesar de as fábricas ainda terem
muitas máquinas paradas e trabalhadores afastados, a indústria vem realizando
investimentos para repor a depreciação que os quase três anos de crise
impuseram a seus ativos físicos. "Não será nada incrível", ressalva
Santos, mas o suficiente para mudar a trajetória do indicador, até então
negativa.
Sensação de
crise
Comemorados pelo governo, os números
não chegam a animar a maioria.
"O brasileiro ainda não sente
que houve retomada da economia", diz Danilo Cersosimo, diretor da Ipsos
Public Affairs.
A consultoria é responsável pelo
Índice Nacional de Confiança do Consumidor, publicado mensalmente pela
Associação Comercial de São Paulo (ACSP), um termômetro da percepção das
famílias sobre a atividade. Em novembro, o indicador caiu de 73 pontos para 72,
ainda longe do nível de 100 pontos, que indica otimismo.
Para o sociólogo, o mercado de
trabalho explica parte do pessimismo. A taxa de desemprego vem cedendo nos
últimos meses, mas ainda há 12,7 milhões de trabalhadores tentando recolocação
e quem está empregado ainda se sente inseguro.
Na pesquisa, os indicadores
relacionados a segurança no emprego estão praticamente no mesmo patamar há dois
anos.
"Nós publicamos a pesquisa desde
2005 e percebemos que o desempenho da inflação e desemprego são os que mais
influenciam o otimismo dos consumidores", diz Marcel Solimeo,
economista-chefe da ACSP.
Tradicionalmente, o emprego é uma das
últimas variáveis a esboçar reação durante os ciclos de expansão, porque reage
de forma defasada, explica Chauvet. As firmas só começam a contratar
funcionários para trabalhar em tempo integral, com carteira assinada, quando a
recuperação se torna mais forte.
"O aumento de horas (extras) ou
de empregados por tempo parcial é uma estratégia mais segura para firmas quando
ainda há incerteza sobre o rumo da economia no início de uma recuperação",
pondera.
Ponto de inflexão
A recessão acabou no fim de
2016, diz o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace). Ligado à Fundação
Getulio Vargas (FGV), ele foi criado em 2004 para determinar uma cronologia
para os ciclos econômicos brasileiros, já que os órgãos oficiais de
estatística, como o IBGE, não fazem esse tipo de análise.
Em
sua última reunião, no fim de outubro, o Codace concluiu que a recessão no
Brasil durou 33 meses, do segundo trimestre de 2014 ao quarto trimestre de
2016. Desde 1980, só uma crise teve duração semelhante, do fim de 1989 ao
início de 1992.
O
tamanho do tombo, contudo, não tem precedente. Nos últimos anos, a economia
acumulou 8,6% de queda, contra 7,7% nos 11 trimestres de recessão no início dos
anos 90. Os cálculos foram feitos antes da revisão da série do PIB divulgada
nesta sexta-feira pelo IBGE.
Chauvet
é um dos sete membros do Codace. Estudiosa do assunto, ela também contribui com
o banco central americano, o Fed. Seu modelo de previsão de ciclos econômicos
para a economia americana atualizado está disponível no site do escritório
regional do órgão em St. Louis, no Missouri.
Para
o Brasil, sua projeção para 2018 é mais otimista que o consenso - 3,5% de
crescimento, um ponto percentual acima da média de estimativas colhidas pelo
Banco Central e publicadas no boletim Focus, de 2,5%.
"Grande
parte dos erros de projeções se concentra nos pontos de inflexão dos ciclos, no
fim das expansões e das recessões, como é o caso do Brasil agora", diz
ela, ao defender seu modelo não linear de estimativas, que leva em consideração
essas particularidades.