O funcionamento
de aplicativos que oferecem serviços de transporte privado, como é o caso do Uber, Cabify e 99POP, foi colocado em xeque
nesta semana no Brasil. Na noite de terça-feira, o Plenário da Câmara dos
Deputados aprovou um projeto de lei que estabelece que caberá às prefeituras
regulamentar esse tipo de serviço. Os deputados conseguiram, ainda, aprovar
dois destaques com novas exigências, que podem até inviabilizar o serviço
dessas plataformas, segundo as empresas. O texto segue agora para análise do
Senado. Caso passe na Casa, o projeto ainda terá que ser sancionado pelo
presidente Michel Temer.
As modificações
se concentraram em pontos importantes. Uma das emendas aprovadas na Câmara
retirou do projeto original o trecho do texto que descrevia o serviço de
transporte como “atividade de natureza privada”, permitindo a interpretação
que, caso vire lei, o serviço passará a ser de natureza pública, sendo passível
de mais controle do poder público. "Se a intenção é que as prefeituras
regulem esse serviço, nós não podemos concordar que se coloque no texto que é
uma atividade de natureza privada", defendeu o deputado Carlos Zarattini
(PT), segundo a Agência Câmara.
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Em outra mudança
aprovada no texto, os deputados incluíram novas exigências: impuseram uma idade
máxima para os veículos, a necessidade de autorização específica emitida pelo
poder público municipal e até placa de aluguel vermelha como a dos táxis. Hoje,
os motoristas não precisam atender a nenhuma dessas exigências. O interessado
apenas cadastra-se na plataforma para ser um “parceiro” do Uber ou de outros
aplicativos para oferecer o serviço. O motorista pode atualmente usar o próprio
carro para fazer corridas com passageiros ou transporte de comida sem a
necessidade de nenhuma identificação no automóvel.
Além de ser
responsável pela regulamentação do serviço e a emissão de Certificado de
Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV), os municípios também ficarão a
cargo da fiscalização e da cobrança dos tributos. Para dirigir um Uber é
necessária ainda a contratação de seguro de acidentes pessoais de passageiros e
do DPVAT para o veículo. Pelo texto, o motorista também terá que se inscrever
no INSS como contribuinte individual.
Em nota, a
plataforma Uber afirmou que o projeto propõe uma "lei retrógrada que não
regula a Uber no Brasil, mas tenta transformá-la em táxi, proibindo ent?o este
modelo de mobilidade". A aprovação do projeto, no entanto, foi comemorada
pelos taxistas, que alegam que o aplicativo é ilegal. A categoria está em pé de guerra com a
Uber desde que a empresa chegou ao Brasil há três anos, aplicando preços de corridas bem mais
competitivos.
Algumas cidades
chegaram a proibir a atuação do Uber no Brasil, mas a Justiça deu aval para o
funcionamento da modalidade na maioria dos casos. São Paulo, foi pioneira ao
regulamentar o serviço. Há cerca de um ano, o então prefeito
Fernando Haddad limitou o número de carros dos aplicativos de transporte e
também exigiu uma taxa paga a cada quilômetro rodado.
Antes que a
decisão final caia no colo de Temer, o Palácio do Planalto espera que o Senado
derrube as emendas aprovadas pelos deputados. Segundo o Estado
de São Paulo, a
avaliação inicial de Temer é de que o texto aprovado na Câmara é ruim, pois
tira uma opção de concorrência, o que o levaria a vetar as emendas. Ainda de
acordo com o jornal, para o Governo, os deputados foram influenciados pelo lobby dos taxistas. Na quarta-feira, o
presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também avaliou que os destaques que
alteraram o texto original são negativos já que "atrapalham" o
funcionamento do serviço.
Batalhas
judiciais
A batalha
enfrentada pelo Uber, entretanto, não se limita ao cabo de guerra sobre a
regulamentação do serviço. Em outra frente, a plataforma tem enfrentado várias
ações judiciais de motoristas que alegam que a empresa não arca com os direitos
trabalhistas de seus motoristas "parceiros".
Em Belo
Horizonte, Rodrigo Leonardo da Silva, ex-motorista da Uber, venceu ação em
primeira instância contra a empresa em que pedia reconhecimento de vínculo trabalhista
com a Uber. De acordo com a decisão, a plataforma terá que pagar os benefícios
trabalhistas referentes ao período em que o motorista trabalhou para a Uber,
como horas extras, adicional noturno, férias e 13o proporcional. Silva foi o
primeiro motorista a ganhar uma ação desse tipo contra a empresa no Brasil.
A Uber entretanto
já recorreu da decisão da 33a Vara do Trabalho de Belo Horizonte. Em nota
enviada ao EL PAÍS, explicou que decidiu recorrer já que a 37ª Vara do Trabalho
da mesma cidade, determinou exatamente o oposto, que há ausência de vínculo
empregatício entre a Uber e um motorista parceiro. "Já existe precedente
judicial que confirma o fato de que não há relação de subordinação da Uber
sobre seus parceiros".
Segundo a
empresa, a Uber é uma empresa de tecnologia, que dá a liberdade aos motoristas
parceiros que escolham suas horas online, sem qualquer imposição por parte da
companhia. Além disso, a empresa alega que há uma "relação não-exclusiva
entre o motorista parceiro e a Uber, que permite que os mesmos prestem o
serviço de transporte individual de passageiros também por meio de outras
plataformas".
A relação
trabalhista da companhia e de outros aplicativos de transporte com seus
motoristas tem gerado tamanha polêmica que fez com que algumas procuradorias
regionais do trabalho formassem grupos para estudar o tema no Brasil. Para
Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho no Rio de Janeiro
e integrante de um dos grupos de estudo, tanto o Uber como outros aplicativos tentam
passar por empresas de tecnologia que conectam usuários aos motoristas, quando
não são.
"É uma
discussão mundial, não só Uber como do Airbn [aplicativo de aluguéis de
acomodações]. Eles tentam passar como empresa de tecnologia. O Uber tenta
desmontar a ideia de que os motoristas seriam apenas 'parceiros' que utilizam a
plataforma. Mas eles são as pessoas necessárias para a realização da atividade
do Uber. São trabalhadores da empresa", opina Carelli.
Ainda segundo
Carelli, a Uber exerce um controle forte sobre seus trabalhadores por meio dos
algoritmos utilizados na plataforma e por meio de uma política de recompensas
aos motoristas e também punições, o que caracterizaria um vínculo empregatício.
"Esse controle é feito via programação.
Se a empresa quer
que as pessoas trabalhem em tal bairro, elas vão lá e colocam um adicional para
a pessoa", explica. De acordo com procurador, esse controle de programação
é previsto dentro da legislação brasileira. "Temos instrumental jurídico e
temos elementos que mostram que essa forma organizacional da Uber é de empresa
que utiliza mão de obra subordinada para realizar seu fim econômico. Eles não
são autônomos", explica, Carelli que ainda critica a empresa por remunerar
mal seus condutores. Agência El País //