Com seis anos recém-completados, a guerra civil na
Síria tem origens que passam pela Primavera Árabe, no Oriente Médio e na
África, e por outros episódios do complexo contexto geopolítico da região. Mais
de 400 mil mortes e cinco milhões de refugiados depois, o país passa por um dos
seus momentos mais delicados, em meio ao aumento da tensão após bombardeios dos
Estados Unidos a uma base aérea síria na última quinta-feira (6).
Os desdobramentos do conflito, que já causam
impactos internacionais, podem ser agravados após a ofensiva norte-americana em
reação a um ataque com armas químicas ocorrido dias antes.
Entenda os interesses envolvidos no conflito da
Síria, a importância da localização do país, as causas e as principais
consequências da guerra civil:
Primavera Árabe
A sequência de revoltas populares ocorridas em
diferentes países contra regimes ditatoriais e em busca de melhorias sociais
para a população teve início em 2010. A começar pela Tunísia, os governantes de
nações como Egito, Líbia, Iêmen, Bahrein, Jordânia e Angola presenciaram
levantes em suas cidades, da mesma forma como ocorreu na Síria. Apesar de
reconhecer que a repressão violenta dos protestos pelo ditador sírio Bashar
al-Assad na ocasião tenha fortalecido a oposição, o professor de Relações
Internacionais Jorge Mortean alerta que, lá, a visão de democracia é diferente
da ocidental.
“Um sírio nunca colocou um papelzinho numa urna,
assim como um saudita e um iraquiano (antes da invasão norte-americana, em
2003). Esses países milenarmente foram impérios. A democracia é uma construção
social prática, vai se dando aos poucos. Os anseios do povo sírio são outros, o
desenrolar da guerra civil foi totalmente diferente do que aconteceu na
Primavera Árabe”, analisa Mortean, doutorando em Geografia Política pela
Universidade de São Paulo.
O governo de Bashar al-Assad, que, diferentemente
de seus vizinhos, não se aliou às principais potências ocidentais, já era visto
com ceticismo pelos extremistas muçulmanos. Os radicais acreditam que o atual
regime não defende as tendências islâmicas de seu interesse, e com isso
fomentaram a criação de grupos armados de oposição, que passaram a ser
financiados por outros países.
Terrorismo
Chocando o mundo com imagens de decapitações e
assumindo autoria de ataques ocorridos nos últimos anos em grandes centros
mundiais, o Estado Islâmico (EI) é o principal grupo terrorista em território
sírio. Os rebeldes armados chegaram a ocupar províncias importantes do país,
propagando o terror ao sequestrar pessoas, destruir patrimônios culturais e
prédios da região.
Desde o ano passado, as tropas governamentais têm
reconquistado algumas cidades que estavam sob o controle do EI, como Khanaser,
Palmira e Aleppo. Rebeldes curdos e integrantes de outros grupos como a Frente
al-Nusra também fazem parte da oposição ao regime sírio. Apoiado pelos Estados
Unidos e outros países do Ocidente, um plano de transição política para o país
foi proposto em setembro passado pelo Alto Comitê de Negociações da Síria, que
engloba 30 facções políticas e militares.
Segundo Mortean, os grupos terroristas,
interessados em derrubar al-Assad, são financiados por países como Arábia
Saudita e Qatar e contam com o aval “tecnológico e financeiro” de França e
Estados Unidos.
“Na verdade, toda essa guerra é só um mote para
tirar o Bashar al-Assad. O povo sírio nunca experimentou a democracia. Por que
a Síria, que está com regime dos Assad desde 1970, está incomodando agora? Por
interesses próprios e de terceiros, há uma série de erros estratégicos devido
aos quais a guerra ainda não acabou”, avalia o professor.
O diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da
Universidade Federal Fluminense, Eurico de Lima Figueiredo, faz uma análise
semelhante. Segundo ele, a posição estratégica da Síria, saída importante para
o Mar Mediterrâneo, é a maior razão da guerra, já que tem relação com a
“geopolítica do petróleo”, classificada por ele como a “essência” dos conflitos
no Oriente Médio.
Bashar al-Assad é filho de Hafez al-Assad, que
governou a Síria entre 1970 e 2000. Há 17 anos no poder, o atual ditador foi
reeleito em 2014 para um novo mandato de sete anos, nas primeiras eleições com
mais de um candidato ocorridas no país em mais de meio século. O pleito, no
entanto, foi considerado uma “farsa” pelos opositores.
Estados Unidos e Rússia
Embora o presidente norte-americano Donald Trump
tenha flertado com os russos durante a campanha que o levou ao poder, os
acontecimentos recentes podem colocar em conflito as duas potências. Desde o
início da guerra, a Síria tem o apoio do presidente russo Vladimir Putin, que
repudiou o lançamento dos 59 mísseis contra a base militar síria na última
semana.
O ataque foi uma resposta de Trump à ação com armas
químicas no começo da semana, que deixou mais de 80 mortos, centenas de feridos
e cuja autoria ainda é incerta. Para Figueiredo, que é professor de relações
internacionais e assuntos estratégicos, os novos confrontos trazem a
possibilidade de um conflito direto entre os Estados Unidos e a Rússia.
“Os dois países, depois de muitas desavenças,
chegaram à conclusão de que a solução para o conflito passa por Bashar
al-Assad. Depois do Iraque, os Estados Unidos aprenderam que quando se tira um
governante forte, o que vem depois é pior. Então chegaram à conclusão de que é
melhor combater o Estado Islâmico juntos. No entanto, eles não bombardeiam com
a contundência necessária para acabar com o grupo.”
Para o analista, Trump acredita que as armas
químicas foram lançadas pelos sírios e ordenou o bombardeio como um “recado a
Assad de que ele não pode fazer o que quiser”.
Vítimas da guerra
Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para
Refugiados (Acnur), cinco milhões de sírios deixaram sua terra natal e hoje
vivem em países como Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Turquia. Parte deles
conseguiu cruzar as fronteiras com a Europa. Na América Latina, o Brasil é um
dos destinos mais procurados pelos cidadãos que fogem da guerra civil.
Somente no território sírio, mais de 13 milhões de
pessoas precisam de assistência emergencial, segundo a Acnur. Já a Anistia
Internacional, que produz frequentes relatórios denunciando crimes contra a
humanidade cometido por todos os lados do conflito, aponta outro dado
alarmante. Com base no enviado da Organização das Nações Unidas para a Síria, a
entidade revela que o número de mortos já passou de 400 mil desde o começo do
conflito. <> Tribuna Hoje //