Classificado como cancerígeno pela Iarc (Agência
Internacional para a Pesquisa sobre Câncer, na sigla em inglês), órgão da OMS
(Organização Mundial da Saúde), o arsênio tem causado polêmica quando o assunto
é alimentação.
O debate
voltou à tona depois que o programa Trust Me, I'm A Doctor ("Confie em mim, eu sou um
médico"), da BBC, mostrou maneiras de diminuir a quantidade da substância
no arroz - como deixar os grãos
na água durante a noite, por exemplo.
A preocupação dos
especialistas consultados pelo programa não foi exagerada: boa parte do arroz
consumido no Reino Unido, onde a atração é gravada, vem de Bangladesh.
O grão e outros
alimentos importados de Bangladesh possuem três vezes mais arsênio do que os
cultivados no próprio Reino Unido, como mostra uma pesquisa realizada na
Universidade de Montfort, na Inglaterra, em 2005.
O estudo também afirma
que o nível de arsênio nos vegetais vindos de Bangladesh é semelhante ao
encontrado no Estado de Bengala Ocidental, na Índia, onde a água é contaminada
por arsênio.
Essa realidade, porém, é
bem diferente da brasileira. O INCQS (Instituto Nacional de Controle de
Qualidade em Saúde), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), testou recentemente
193 amostras de arroz produzido Brasil e todas estavam abaixo do limite de
arsênio permitido: 0,3 mg por quilo de alimento.
O limite é estabelecido
pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em sintonia com as
normas preconizadas pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO, em inglês).
"Por que a gente
tem uma preocupação com o arroz? Porque, no Brasil, a gente tem um grande
consumo de arroz. Qualquer possível contaminação estaria expondo a
população", explica Ligia Lindner Schreiner, gerente de avaliação de risco
e eficácia em alimentos da Anvisa.
Assim como a Anvisa,
pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo) concluíram que o arroz
brasileiro é seguro para consumo.
Uma das primeiras
pesquisas do país foi realizada por Bruno Lemos Batista, que chegou a passar
uma temporada na Escócia durante seu doutorado em toxicologia, concluído em
2012.
Na Universidade de
Aberdeen, Batista - que atualmente é professor de Química da Universidade
Federal do ABC - encontrou diversas pesquisas na área justamente por causa da
preocupação com o arroz importado de Bangladesh.
"Garanto que o
arroz das prateleiras brasileiras está dentro da normalidade", diz ele.
O pesquisador ressalta
que o arsênio, por estar presente naturalmente no meio ambiente, é encontrado
no solo, na água e no ar.
"Mas não é nada
aterrorizante", tranquiliza.
A pesquisadora Ana
Carolina Paulelli, doutoranda em Ciências Farmacêuticas da Universidade de São
Paulo, estudou diversos tipos de arroz durante seu mestrado em toxicologia e
concluiu que algumas formas concentram mais arsênio nos grãos do que outros -
mas sempre abaixo do limite determinado pela Anvisa.
O arsênio do solo chega
à planta através da raiz e é conduzido até o grão pela água. No entanto, até
mesmo o tipo de grão que mais concentra arsênio, segundo o estudo de Paulelli,
não é motivo para preocupação - curiosamente, ele possui menos arsênio
inorgânico, a forma mais tóxica, do que os demais tipos.
A maior parte do arroz
consumido no Brasil é cultivado no Rio Grande do Sul: 72 %.
"Os solos do Estado
são bastante antigos, é uma formação não vulcânica, as rochas que originaram
nossos solos do RS não possuem arsênio na sua composição", explica
Henrique Dornelles, presidente da Federarroz (Federação das Associações de
Arrozeiros do RS).
O Irga (Instituto Rio
Grandense do Arroz) também defende a qualidade da produção gaúcha.
"A gente monitora a
qualidade e nunca tivemos relatos de taxas de arsênio superiores ao
recomendado", certifica Tiago Sarmento Barata, diretor comercial do Irga.
O Estado tem 19 mil
produtores de arroz. Um deles é Arnaldo Eckert, de 64 anos, que viu a
propriedade da família crescer de 8 para 800 hectares.
"Era tudo manual,
com foice, não tinha colheitadeira", relembra Eckert sobre a infância no
campo.
Hoje, na lavoura que
fica em Tapes, a 103 km de Porto Alegre, às margens da Lagoa dos Patos, Eckert
colhe 6,4 mil toneladas de arroz por safra, gerando um resultado bruto de R$
5,5 milhões.
Apesar de não enfrentar
problemas com a questão da concentração do arsênio, o Rio Grande do Sul tem de
lidar com outro risco.
São 19 mil produtores de
arroz - e tamanha produção também demanda controle de pragas, que é feito da
forma tradicional, com uso de agrotóxicos.
No último relatório do
Programa de Análises de Resíduos Agrotóxicos em Alimentos (Para), da Anvisa, o
órgão testou 746 amostras de arroz.
A investigação concluiu
que 715 foram consideradas satisfatórias (sem resíduos de agrotóxicos ou com
resíduos dentro do limite).
Mas 33 amostras
revelaram a presença não autorizada de resíduos agrotóxicos. <> Agência
BBC Brasil //