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shreya
dasgupta
A menstruação é
algo tão corriqueiro que nem paramos para perceber que somos quase uma exceção
no mundo animal. Sim, mesmo entre as espécies com gestações e partos
semelhantes aos das mulheres, apenas um punhado delas menstrua.
Não se trata
apenas de algo um tanto desconfortável: a menstruação também é um mistério.
Afinal, por que ela existe? E se é um mecanismo positivo, por que os outros
animais não passam pela experiência?
Bem, a
menstruação faz parte do ciclo reprodutivo da mulher. Todo mês o útero se
prepara para uma gravidez: em resposta a hormônios como estrógeno e
progesterona, o endométrio (parede interna do útero) aumenta de espessura, se
divide em várias camadas e desenvolve uma extensa rede de vasos sanguíneos –
tudo para permitir que um embrião se implante ali.
Se o embrião não
for concebido, o nível de progesterona começa a cair, o endométrio e seus vasos
sanguíneos se desprendem e saem do organismo através da vagina. Esse
sangramento é a menstruação.
Teorias sem provas
Uma mulher
perde, em média, de 30 a 90 ml de fluidos ao longo de um período menstrual de
três a sete dias. À primeira vista, o processo parece ser um desperdício – o
que levou muitos cientistas a investigarem por que ele existe.
"No início,
pensava-se que a menstruação seria para remover toxinas do corpo", lembra
Kathryn Clancy, antropóloga da Universidade de Illinois. A crença criou uma
série de mitos em torno do processo, e alguns deles ainda persistem hoje em dia
em algumas culturas. "Havia uma noção muito forte de que as mulheres eram
ruins e repugnantes".
Em 1993, uma
teoria completamente diferente chamou a atenção do público. A bióloga Margie
Profet, então atuando na Universidade de Berkeley, na Califórnia, sugeriu que a
função da menstruação seria "defender o corpo da mulher contra os
patógenos transportados ao útero pelo esperma masculino".
No entanto, essa
hipótese logo caiu por terra por falta de evidências. Uma das principais
críticas de Profet foi a antropóloga Beverly Strassmann, da Universidade de
Michigan, que apresentou sua própria teoria sobre a menstruação em 1996.
Ela observou que
o útero de outras fêmeas também fica mais espesso e vascularizado para receber
um embrião. E se este não é gerado, elas sangram ou simplesmente reabsorvem
esse material.
Macacos e morcegos
Mas para
conhecer a verdade sobre esse misterioso processo, é necessário comparar
animais que menstruam com os que não menstruam.
Além do ser
humano, a maioria dos outros animais com um fenômeno semelhante é formada por
primatas: dos pequenos, como o macaco rhesus, aos grandes, como chimpanzés,
orangotangos e gorilas.
A menstruação
também evoluiu de maneira independente em dois outros grupos não tão próximos
do Homem: alguns morcegos e musaranhos.
O que essas
espécies têm em comum para estarem incluídas nesse rol?
Segundo Deena
Emera, geneticista da Universidade de Yale, tudo depende do controle que a
fêmea tem sobre seu próprio útero.
Em um artigo
publicado em 2011, ela e seus colegas argumentam que, nos animais que
menstruam, a transformação da parede do útero é totalmente controlada pela
fêmea, através da progesterona.
Um embrião só
pode se implantar ali se essa camada for suficientemente espessa e composta de
células especializadas. Ou seja, a fêmea é quem controla se pode ou não
engravidar – um processo chamado de "decidualização espontânea".
Na maioria dos
outros mamíferos, essas mudanças no útero só ocorrem depois que o organismo
detecta sinais de que houve concepção. Quer dizer: o útero aumenta de espessura
em reposta à presença do embrião.
Em cavalos,
vacas e porcos, o embrião simplesmente se instala na superfície do endométrio.
Em cães e gatos, ele penetra um pouco mais nessa camada. Mas em humanos e em
outros primatas, o embrião "perfura" toda a parede interna do útero
para absorver sangue da mãe diretamente.
"Isso é
resultado de um verdadeiro 'cabo de guerra evolucionário' entre as mães e os
bebês", explica Elizabeth Rowe, da Purdue University, no Estado americano
de Indiana.
A mãe quer
fracionar a quantidade de nutrientes que fornece para cada bebê, para assim
poder ter outros. Mas o bebê ali implantado quer absorver a maior quantidade de
energia possível da mãe.
"Conforme
os fetos foram se tornando mais agressivos, a mãe respondeu armando suas
defesas antes da invasão começar", explica Emera.
'Descarte natural'’
Há uma segunda hipótese para explicar a função da
menstruação: é uma evolução surgida para possibilitar que a fêmea descarte os
embriões "ruins".
"O ser humano mantém relações sexuais a qualquer
momento do ciclo reprodutivo, ao contrario de muitos outros mamíferos, que
copulam perto da ovulação", diz Emera. Isso se chama "cópula
estendida" e é um comportamento observado também nos primatas, nos morcegos
e nos musaranhos que menstruam.
"O resultado disso é que alguns óvulos podem estar
velhos quando são fertilizados, o que pode resultar em embriões geneticamente
anormais", afirma. As células da parede interna do útero são capazes de
reconhecer e reagir a esses embriões defeituosos. "Isso evita que a mãe
invista em um embrião não viável, livrando-se dele imediatamente e se
preparando para outra gestação".
A ideia faz sentido, se pensarmos como quase todos os
animais que menstruam têm gestações longas e investem muitos recursos para
produzir um ou dois bebês em cada uma. Perder um bebê é um preço alto a pagar,
portanto a evolução favoreceria qualquer mecanismo que ajudasse a evitar
gestações condenadas.
Em espécies que se reproduzem de outras maneiras, a
menstruação nunca precisou ocorrer. O fenômeno, aliás, era algo raro até alguns
anos atrás e ainda é em algumas comunidades.
Isso porque as fêmeas selvagens que menstruam passam a
maior parte de suas vidas grávidas ou amamentando. Em sociedades que não
utilizam nenhuma forma de contracepção, isso ainda acontece, como é o caso das
mulheres dogons do Mali. Cada uma tem cerca de cem menstruações ao longo da
vida – enquanto a maioria das mulheres de hoje tem entre 300 e 500
menstruações.