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Ficar rico pode
ser um presente de Deus ou, quem sabe, o caminho mais curto para o inferno.
Quando o assunto é dinheiro, cada religião tem suas particularidades, que podem
ir de dádiva a desgraça. Mas todas elas concordam num ponto: ajudar o próximo é
obrigação de quem enriquece.
As cinco maiores
religiões do mundo por número de fiéis – cristianismo (catolicismo e
protestantismo), islamismo, hinduísmo, budismo e judaísmo – interpretam as
escrituras sagradas ou pregam na doutrina como o fiel deve se comportar quanto
aos recursos materiais ou terrenos.
Acumular
riquezas ou despojar-se de todas as posses são, muitas vezes, faces da mesma
moeda perante Deus. Isso porque esses dois elementos significam o grau máximo
de aproximação com o Divino. Estudiosos das religiões sintetizam a visão de
cada uma delas.
CATOLICISMO
"Cuidado! Fiquem de sobreaviso contra
todo tipo de ganância; a vida de um homem não consiste na quantidade dos seus
bens". (Lucas 12:15)=
Para a
igreja católica, ter muito dinheiro é uma questão secundária. “O importante é o
que o fiel faz com seu dinheiro e como o adquiriu”, comenta o sociólogo da
religião e coordenador do núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP, Francisco Borba
Ribeiro Neto.
Ganhar dinheiro
tirando proveito do sofrimento ou do sacrifício alheio, por exemplo, é injusto
aos olhos de Deus, mesmo que a atividade seja legalmente justa para os homens.
Ao longo da história, contudo, a igreja afrouxou sua interpretação sobre
dívidas e empréstimos.
Na Idade Média,
cobrar juros era considerado pecado de usura, uma vez que o dono do dinheiro se
valia de uma fragilidade alheia para extrair lucro, segundo Ribeiro Neto.
“Hoje, o empréstimo a juros não é mais pecado para a Igreja, ainda que o uso do
dinheiro para prejudicar alguém em necessidade seja condenável”, analisa.
Quem guarda
dinheiro só para si, sem pensar no outro, completa o professor, não está
condenado por Deus, mas também deixa de usufruir da Sua graça. Já gerar ou
provocar a pobreza de uma pessoa é falta grave aos olhos do Divino.
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avança com novos produtos e serviços
“O homem que empobreceu
e sofre carências porque a sociedade não lhe deu o que era devido é vítima do
pecado de todos os demais”, explica o docente. Neste ponto, ainda que as
escrituras desconhecessem o termo ‘capitalismo’, pode-se interpretar a visão
como uma crítica ao sistema, segundo Ribeiro Neto. "O evangelho é muito
duro com quem deixou de dar socorro ao pobre".
Outro ângulo da
pobreza é quando o fiel se reconhece pobre e doa tudo o que tem como forma de
doação a Deus, explica o sociólogo da religião. “Esta pobreza corresponde ao
maior ideal evangélico do catolicismo. O máximo da comunhão com Deus acontece
quando o fiel está disponível à pobreza total. Esse é o estágio final da
caminhada de conversão, o abandono de bens materiais”.
Ninguém vai para
o inferno porque não dá esmolas, segundo o professor. “Essa obrigatoriedade
existia antigamente e era uma forma de a Igreja garantir a mínima distribuição
em uma sociedade onde o pobre não tinha recursos. Com o tempo, a Igreja
percebeu que essa obrigação gerava formalismo e não atendia ao espírito da
proposta de doação”.
Quanto ao
dízimo, completa Ribeiro Neto, é um exercício feito por puro desponte para
ajudar a Igreja em sua sobrevivência material, e não por obrigação. "O
valor a ser pago não é mais 10% dos ganhos. Ele é definido pelo fiel conforme
suas possibilidades".
PROTESTANTISMO
"Busquem, pois, em primeiro lugar o Reino
de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas serão acrescentadas a
vocês". (Mateus 6:33)
Há
duas grandes vertentes das igrejas protestantes quanto ao dinheiro. A primeira
o vê como um recurso necessário para a manutenção da comunidade e o pagamento
das despesas terrenas. Essa é a linha seguida pelas igrejas presbiteriana,
batista, anglicana e até a católica, como explica o sociólogo da religião especializado
em protestantismo da PUC-SP, Edin Sued.
Em
algumas igrejas neopentecostais, prevalece a segunda interpretação, de que o
dinheiro é um mediador espiritual do sacrifício religioso. Não importa como ele
é empregado, tampouco o que o pastor faz com ele. “[O dinheiro] é a maneira de o fiel mostrar sua lealdade e
compromisso com Deus. Pagar o dízimo é uma obrigação religiosa”, afirma o
professor. É o caso da Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus,
Igreja Internacional da Graça de Deus e Renascer em Cristo.
Por
essa interpretação, o sacrifício é monetizado. Estas igrejas neopentecostais
não prestam contas do que arrecadam para o fiel. “Antes, o mediador do
sacrifício era um animal, um pombo, uma ovelha. Hoje é o salário do fiel”,
analisa o estudioso.
Dentro
desta linha, está a teologia da prosperidade, que surgiu nos Estados Unidos na
década de 1930. O pensamento prega que recursos materiais, como a casa própria
e o automóvel, são conquistas terrenas que devem ser usufruídas em vida, e consequências
da fidelidade com Deus. “Se você foi fiel, dando dinheiro e tendo um
comportamento respeitável, tem o direito de cobrar Dele as promessas de um
retorno material”, explica Sued.
Assim
como no catolicismo, as religiões protestantes não veem problema quanto ao
enriquecimento do indivíduo, desde que ele seja fruto do trabalho honesto,
completa o estudioso. Não há uma determinação sobre a cobrança de juros, mas
também condena-se a usura e a exploração do próximo ao conceder crédito.
ISLAMISMO
"E quem estende o
prazo para o devedor que tem dificuldade em pagar um empréstimo receberá uma
recompensa de caridade por cada dia que assim fizer”. (Ibn Majaah)
O
islamismo não vê problemas quanto à riqueza individual, desde que ela seja
distribuída a partir de um certo grau, explica o cientista da religião,
especialista em islamismo e religiões orientais, Frank Usarski. A lei religiosa
reconhece as posses particulares, mas estabelece um empoderamento social em
torno de 2% a 3% sobre determinados bens, segundo o estudioso.
“Neste
sentido, entende-se como uma terceira via entre o capitalismo e o socialismo.
Por um lado, o Islã incentiva a autonomia e atividade econômica, por outro,
preocupa-se com a igualdade social.
Mais: Onde
eles erraram? Conheça os ricos que perderam tudo
O
perdão de um calote, por exemplo, é incentivado, segundo ditos do profeta Maomé
no Alcorão, sagrada escritura do islamismo. “E, se um devedor estiver em
dificuldade, concedei-lhe espera, até que tenha facilidade. [2:280]”, diz a
passagem.
Isso
também é visto como uma dádiva de Deus. “Quem emprestar dinheiro a uma pessoa
com dificuldade receberá uma recompensa de caridade para cada dia que der à
pessoa. E quem estende o prazo para o devedor que tem dificuldade em pagar um
empréstimo receberá uma recompensa de caridade por cada dia que assim fizer
(Ibn Majaah)".
RELIGIÕES ORIENTAIS
“Os homens que perdem a
saúde para juntar dinheiro e depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde;
por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem o presente, de tal forma que
acabam por nem viver no presente nem no futuro". (Buda
Para o
budismo, que segue os princípios monásticos (abdicar de objetivos comuns dos
homens em prol da religião), o apego material é visto como perigoso e
contraproducente ao nirvana [elevação
espiritual], explica o cientista da religião Usarski. “O monge não tem
propriedades, tudo é social e pertence ao mosteiro”, observa. Mas esse desapego
não é aplicado para o leigo fiel, que tem a obrigação de ajudar na
sobrevivência dos mosteiros.
“A
tarefa religiosa do fiel é sustentar o monge com doações, roupas e a manutenção
de suas instalações”, explica o estudioso. Quanto ao hinduísmo, o estágio de
vida do fiel vai determinar suas atitudes e sua relação com o dinheiro. A
elevação espiritual é gradual e tem a ver com o abandono das posses pessoais.
Na
primeira fase da vida, o hindu busca se espiritualizar e preparar-se para o
casamento, a segunda fase, na qual ele é livre para usufruir de sucesso
material e riqueza sem nenhum problema. Mas no terceiro estágio da vida, o fiel
deve conseguir se desvincular de seus bens e retornar para a vida espiritual
que marcava o início de sua vida, explica Usarski.
JUDAÍSMO
“A mesma lei que se
aplica a um centavo aplica-se a cem." (Sanedrin; 8)
A
religião judaica permite ao homem enriquecer, desde que se tenha a consciência
da obrigatoriedade de doar 10% de suas posses para caridade (ou tzedak, que significa
justica social), como explica o sociólogo, professor de judaísmo e guia
turístico em Israel, Marcel Berditchevsky.
“Outra
exigência é que o judeu seja discreto, sem esbanjar sua fortuna ou viver na
luxúria”. Encontrar-se na situação de pobreza, por sua vez, é passar por um
teste divino, no entendimento da religião. Berditchevsky explica que o pobre
deve ser assistido dentro dos serviços beneficentes, que são baseados nos 10%
doados por todos para o fim da justica social.
Quanto
aos juros, é proibido emprestar ou tomar emprestado de um judeu, segundo o
sociólogo. “A proibição contra os juros inclui dinheiro, artigos, e mesmo
palavras. Além disso, qualquer um envolvido na negociação peca, como as
testemunhas e fiadores”, explica.
Mas há
exceções. Para conduzir um empréstimo para outro judeu, é possível utilizar um
contrato chamado haláchico especial (que transforma o status do envolvido em
sócio silencioso). Para isso, deve-se consultar uma autoridade haláchica
competente, aponta Berditchevsky.
A Torá,
escrita sagrada do judaísmo também se refere aos juros com "neshech",
que significa mordida, lembra o estudioso. Está nas escrituras: "Não aja
da maneira como a cobra, astutamente oferecendo empréstimo a alguém, e depois
extorquindo dinheiro dele através de juros, e gradualmente tomando posse de
suas casas, campos e vinhedos por não conseguir pagar os juros."