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No dicionário, o adjetivo feminino vadia significa ”mulher que, sem viver da prostituição, leva vida devassa ou amoral”. Na vida, adolescentes e jovens se apropriaram do termo para criar um movimento global que exige o fim da violência doméstica e da culpa atribuída à mulher. A Marcha das Vadias acontece em 13 cidades neste sábado (25) e domingo (26), incluindo São Paulo e Porto Alegre, onde a União Brasileira de Mulheres (UBM) participa.
A palavra é usada
de forma pejorativa e, geralmente, é atribuída às mulheres que optam em sair dos
padrões comportamentais e assumem suas escolhas seja no uso de uma roupa, seja
no uso da palavra. Para chamar a atenção sobre a desigualdade de gênero e a
violência contra a mulher é que milhares sairão às ruas.
Nesta 3º edição da Marcha, o tema escolhido foi
“Quebre o Silêncio” com o objetivo de enfatizar sobre a necessidade de ampliar
as denúncias de violência doméstica, com a divulgação, inclusive, dos serviços
de atendimento de referência.
Dados do Ligue 180, da secretaria nacional de Política
para Mulheres, a cada dia, em média, 2.175 mulheres telefonam para o serviço. Em
89 % dos casos, o agressor é o companheiro ou ex-companheiro da mulher, 50% das
vítimas dizem estar correndo risco de morte. O Brasil é o 7º país no ranking
mundial de homicídios de mulheres, segundo o Conselho Nacional de Justiça. O
Mapa da Violência 2012, citado pela ministra Eleonora Menicucci, revela que em
65% dos casos de violência sexual o estuprador era um parente ou conhecido da
mulher.
“Após diversas reuniões,
chegamos à conclusão de que é preciso quebrar o silêncios das mulheres que
sofrem violência e não têm coragem de se expor. Sabemos que o número de
denúncias divulgado ainda mostra a realidade. É preciso acabar com a culpa
atribuída às mulheres pelo patriarcado”, explicou uma das integrantes do
coletivo em São Paulo, Priscila Bernardes, 27 anos.
Na capital paulista, onde a marcha será no sábado, o
grupo composto por cerca de 20 mulheres tem entre 18 e 34 anos. Apesar de não
agradar alguns movimentos mais tradicionais de mulheres, pelo uso do adjetivo
tido como vulgar, elas se definem como feministas e valorizam a luta e
mobilização das primeira e segunda onda feminista, no final do século 19 e
início do 20 e segunda metade da década de 1960,
respectivamente.
“Estamos nos
apropriando da palavra vadia para chamar a atenção sobre a liberdade de escolhas
para mulheres e homens. E aí provocamos com a seguinte questão: a palavra vadia
te choca mais do que a violência contra a mulher”, completou a integrante da
Marcha, que concorda que a irreverência e o bom humor são traços característicos
dos movimentos contemporâneos. “A irreverência é uma forma que encontramos para
atrair mais militância e ampliar a mobilização. Pensamos que primeiro é preciso
atrair e despertar o interesse pela causa para, enfim, abrir o debate”,
completou.
Para as jovens, que faziam parte de outros
movimentos, mas a grande maioria vive sua primeira experiência como militante, é
preciso mudar a estratégia para a aproximação das novas gerações, com discurso
atual, porém, se apropriando do bom e velho ideal feminista de mulheres como
Bertha Lutz e Simone de Beauvoir.
“Não acreditamos no pós-feminismo, mas sim no
feminismo. Em uma terceira e até numa quarta onda feminista, com maior força e
representatividade, mais plural, com a participação de mulheres negras e
transexuais”, esclareceu.
Homens e internet: para quebrar o silêncio da
mídia
Em São Paulo, a
Marcha se reúne quinzenalmente para deliberar sobre os temas da agenda
feminista, promover debates e outras atividades culturais e políticas, os quais
homens são muito bem vindos. No entanto, na formação do coletivo, o grupo chegou
concluiu que a presença masculina poderia prejudicar as discussões e até inibir
os posicionamentos.
“É uma
participação crescente nos debates e atividades que promovemos. Os homens têm
agregado bastante à luta, abrindo diálogos construtivos, afinal, se por um lado
são agentes da sociedade patriarcal, também são vítimas. Mas, para o coletivo em
São Paulo, decidimos fechar a participação masculina para valorizar a luta das
mulheres. Mas isso é uma decisão de cada coletivo. Não há uma hierarquia a ser
seguida. Mas, certamente, é um tema que voltaremos a abordar por ainda suscitar
discussão”, explicou Priscila.
Outra ferramenta importante para as mobilizações é a
internet, onde o movimento mantém uma página no Facebook, no Flickr e um blog. De acordo com
o coletivo, todos os esforços são feitos para que as informações cheguem ao
público, sem a frequente manipulação da grande mídia hegemônica, que,
invariavelmente, rotula o movimento de mulheres.
Curiosamente, o adjetivo masculino vadio tem outro
signifcado da palavra irmã feminina: "que não tem ocupação, trabalho, ou que
nada faz". Influência da opinião pública?
A Marcha
Em São Paulo a marcha terá concentração na Praça do
Ciclista, no cruzamento da Avenida Paulista com a Rua da Consolação, a partir
das 12 horas, quando ocorrerão oficinas de cartazes e stencil. A marcha deve
sair por volta das 14h e percorrerá a Avenida Paulista, Rua Augusta, até a Praça
Roosevelt, onde se encerrará.
Outras doze cidades recebem a Marcha das Vadias neste
fim de semana, das quais sete também são capitais: Porto Alegre, Florianópolis,
Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, São Luís e Aracaju. As outras cidades são Rio
das Ostras, no Rio de Janeiro, e São Carlos, Bauru, Sorocaba e São José dos
Campos, no interior de São Paulo.
UBM
A União Brasileira de Mulheres (UBM) participará da
marcha em diversas cidades, como em Porto Alegre, no domingo (26), e Curitiba,
programada para ocorrer em 13 de julho, onde já estão sendo produzidos banners e
panfletos.
"É uma luta
importante, em especial de combate à violência contra as mulheres e a UBM, uma
entidade que foi fundada com o slogan 'Por um mundo de igualdade, Contra toda a
opressão', tem nas lutas da Marcha das Vadias mais um espaço de denúncia contra
o modelo cultural baseado no patriarcado e consequentemente no machismo",
defendeu Elza Campos, coordenadora nacional da UBM.
Origem
Em Janeiro de 2011, jovens da Universidade de Toronto,
no Canadá, que estavam amedrontadas por uma onda de violência sexual que tomava
o campus, são questionadas por um policial. Em seu discurso, o homem apelou para
que as mulheres evitassem “se vestir como vadias” para não serem vítimas de
estupro. No dia 3 de abril daquele ano, três mil pessoas tomaram as ruas de
Toronto, num protesto batizado como SlutWalk. O movimento se alastrou mundo
afora.
No Brasil a primeira marcha
aconteceu em 2011, com cerca de 600 pessoas. Em 2012, o coletivo não esperava
reunir tanta gente: 2 mil. Neste ano, as organizadoras apostam que o número deve
aumentar. No Facebook, mais de 6 mil internautas confirmaram
presença.