26/06/2024 00:52:06

Brasil
18/09/2012 14:34:31

Acordo em Mato Queimado (RS): a cidade onde o prefeito é escolhido por consenso


Acordo em Mato Queimado (RS): a cidade onde o prefeito é escolhido por consenso
Morqadores de Mato Queimado no RGS

zerohora //

Quando sintonizam o rádio, moradores de Mato Queimado ouvem escandalizados a propaganda política da cidade vizinha, Caibaté. Sem emissora local, espantam-se com os ataques trocados entre os candidatos no município localizado a cinco quilômetros do seu, ao qual pertenciam até 16 anos atrás. Alguns ficam tão decepcionados com as agressões mútuas que desligam o aparelho, como a agricultora Maria Helena Colling Stein, 49 anos, que considera essas intrigas "a coisa mais feia". Não que Caibaté tenha uma política mais agressiva do que qualquer outra cidade do Estado. Os mato-queimadenses é que se desacostumaram às contendas eleitorais.

Graças a um acordo entre os partidos, o município de 1,8 mil habitantes nunca teve disputa à prefeitura desde de sua primeira eleição, em 2000. O candidato único a prefeito é sempre escolhido por consenso, em uma negociação entre as quatro siglas ativas na cidade: PP, PMDB, PTB e PT. Assim, enquanto eleitores de todo o país se perguntam quem serão os eleitos em 7 de outubro, a única dúvida que resta por ali é quem serão os dois candidatos a vereador que não serão eleitos neste ano. São 11 concorrentes ao Legislativo, para nove vagas. E todos concorrem pela mesma coligação: União por Mato Queimado. O acerto é tão azeitado que prevê até um prêmio de consolação para os que não conseguirem se eleger: eles assumem pelo menos uma vez ao ano, durante as férias dos colegas.

A escolha prévia do futuro prefeito ocorre tradicionalmente em um encontro entre todos os partidos, que reúne centenas de pessoas no salão da comunidade. Considerando a representatividade de cada sigla, indicam seus nomes e fecham o acordo. A ideia surgiu na época da emancipação. Marcado por revezes judiciais, o processo foi tão complicado que os próprios integrantes da comissão responsável se desiludiram, pensando que nunca veriam Mato Queimado virar cidade. Os gastos com advogados passavam de R$ 60 mil, e faltava dinheiro para levar a luta adiante. Em meio à adversidade, muitos precursores desistiram. Entre os que restaram, firmou-se uma convicção: só com a união de todos seria possível vencer a batalha.

— Esses quatro anos de luta foram fundamentais, se esqueceu dos partidos políticos – lembra o candidato a prefeito deste ano, Nelson Hentz (PP), que também foi o primeiro gestor do município.

 

Campanha a vereador é questão de honra

Assim, os eleitores se acostumaram a pleitos sem comício nem confrontos, num mundo à parte onde não existe oposição. A sintonia é tanta que todos os candidatos encomendam juntos seus santinhos.

E precisa de santinho? Os candidatos garantem que sim. Que levam a campanha a sério. Preocupam-se em garantir um bom índice de respaldo dos eleitores, como destaca o atual prefeito, Orcelei Dalla Barba (PMDB), orgulhoso por ter recebido 92% de "aprovação" nas urnas, contra 8% de votos brancos e nulos. Em busca da mesma legitimidade, o atual candidato a prefeito e seu vice, Nilson Borchert (PTB), pretendem visitar até o fim da campanha todas as 700 casas da cidade.

— É uma visitinha de médico — explica Hentz, ao chegar a cada uma, com saudações em alemão: "Alles gut!?" . Em vez de pedir o voto, pergunta o que os eleitores gostariam para o próximo ano. Uma de suas promessas é a expansão da rede de internet – e para concretizá-la já participa das discussões sobre as diretrizes orçamentárias do próximo ano, ajustando-as ao seu plano de governo. Apesar da falta de adversários, o candidato garante que a campanha não é tão fácil.

— Tem uns brabos, uns que são "cricri" e reclamam. Quanto mais se faz, parece que é pior, mais querem — diz Hentz.

Para os candidatos a vereador, a campanha é uma questão de honra: numa eleição tão fácil de ganhar, tudo o que querem evitar é a frustração de ficar entre os poucos que vão perder. A candidata Marina Steffens, 50 anos, passou por isso na última vez. Recebeu 90 votos e ficou empatada com o cunhado entre os menos votados. Acabou fora da Câmara pelo critério da idade. Empenhada, agora faz campanha todos os dias.

— Na véspera daquela eleição o presidente do partido me ligou e eu estava dormindo, enquanto todos os outros candidatos estavam na rua. Pensava que não precisava fazer campanha — lembra.

Se, por um lado, a população parece satisfeita com o clima amistoso do município, por outro, a falta de oposição também é sentida.

— Em uma cidade tão pequena, a briga é prejudicial para as comunidades. Mas, ao mesmo tempo, os descontentes não falam. Falta um pouco de senso crítico e espaço para novas lideranças. Se nunca ninguém te cobra nada... — pondera o presidente municipal do PT, vereador João Birck.

Discórdias até existem, mas são veladas. Um exemplo é a construção do prédio da nova Câmara de Vereadores. A obra, que vai custar quase R$ 1 milhão, inclui um auditório para 160 pessoas, o que representa 9% da população. Como faltou dinheiro para concluir a obra, ela foi encampada pela prefeitura, sob a justificativa de que será um "Centro de Eventos" municipal. Apesar de nem todos concordarem, políticos temem criticar a manobra publicamente, porque a tradição local é concordar.

— Não precisava fazer tão grande, podiam investir mais na agricultura, né? — observa o agricultor Pedro Schneider, 53 anos, numa crítica cautelosa.

As pequenas rusgas são a semente do que, um dia, pode levar à dissolução do consenso local. No início era fácil. Na primeira eleição, bastou uma reunião para escolher o candidato. À medida que o tempo passa e surgem novos líderes, o acordo fica mais difícil. Neste ano, o entendimento levou quase um mês para ser construído. O maior desafio foi fechar a cota de 30% para mulheres. Como a coligação é única, alguns pretendentes precisaram retirar seus nomes de última hora. Mas prevaleceu o espírito que norteia a política local: reduzir a nominata para evitar ao máximo a criação de conflitos.

— A disputa te dá um desgaste pessoal e financeiro muito grande — argumenta o prefeito, que até gostaria de concorrer à reeleição, mas declinou em respeito ao acordo previamente selado.

— O consenso só funciona porque as lideranças sabem abrir mão — ensina.

Até quando as disputas serão proteladas, ninguém sabe. Mas, pelo menos até a próxima eleição, nada vai mudar. O pacto já está lavrado em ata: o próximo prefeito será eleito por acordo.

Remédios de graça, sem filas

Em plena manhã de uma sexta-feira, 28 de agosto, todos os bancos estão vazios na Unidade Básica de Saúde Central II, em Mato Queimado. De tão limpos, os azulejos brancos do banheiro público refletem a imagem do sabonete líquido Lux "gotas de beleza" que repousa intacto sobre a pia. A paisagem é simbólica. Numa exceção à regra, o município tem sobra de vagas e de medicamentos. A cidade paga todo tipo de remédio prescrito aos pacientes, mesmo aqueles que não são cobertos pela rede do Sistema Único de Saúde.

— Quem pede, ganha — garante a secretária da Saúde, Marciele Schlotefeld Klein.

A professora Ester Dahmer Borchert, 46 anos, que tem Mal de Parkinson, confirma. Ela recebe do município dois medicamentos que custam R$ 240 por mês e não constam da farmácia básica.

— A gente aqui não pode se queixar — diz.

Em 2008, o município ganhou um prêmio estadual por ser um dos 20 municípios com melhor gestão em saúde e recebeu R$ 160 mil para construção de um posto de atendimento. Houve até quem defendesse a devolução da verba, por entender que a cidade não precisava de mais uma unidade. Hoje, os dois postos de saúde da sede de Mato Queimado ficam a uma quadra um do outro. Na nova unidade, são oferecidas consultas com hora marcada com dentista, que faz até tratamento de canal gratuito, além de nutricionista, fisioterapia e psicólogo. Tudo sem filas.

Mas nem todo mundo está satisfeito. Em uma pesquisa feita sobre o atendimento, um dos pacientes entrevistados sugeriu melhoras no serviço, com "fornecimento de pastel e nega maluca", além de internet.





Enquete
Se a Eleição municipal fosse agora em quem você votaria para prefeito de União dos Palmares?
Total de votos: 391
Notícias Agora
Google News