A Polícia Federal de Alagoas tem, neste momento, entre 80 e 90 investigações contra gestores públicos em andamento no estado – e todas correm em segredo de justiça.
“A PF trabalha em silêncio” – é uma expressão que o superintendente do órgão em Alagoas, Amaro Vieira, faz questão de repetir ao longo da conversa com o Tudo na Hora.
Na base do silêncio é que está sendo feita, por exemplo, a segunda fase da Operação Rodoleiro, que começou em 2007 e investiga um desvio estimado em R$ 100 milhões do Imposto de Renda no Tribunal de Contas do Estado (TCE), além de lavagem de dinheiro.
Num primeiro momento da Rodoleiro , em outubro do ano passado, a PF prendeu dois diretores do TC, Dêvis Portela e José Pereira Barbosa, e o empresário Sérgio Gomes de Barros, acusados de envolvimento no esquema. Com o desenrolar das investigações, o fio da meada leva a indícios de participação de conselheiros do TCE.
Conselheiros do TC sob suspeita
Segundo Amaro Vieira, o inquérito foi remetido ao Ministério Público Federal, que o analisou e, segundo o superintendente da PF, concluiu o que já era esperado. “Há indicativos de participação de pessoas que detêm foro privilegiado”. Quem detém foro privilegiado no TCE são os conselheiros. O repórter pergunta se há suspeita sobre conselheiros, e o superintendente não nega, mas também não afirma que sim: faz um gesto como quem diz “a conclusão é sua”. Mais de um conselheiro?, pergunta o repórter. Misterioso, o chefe da PF devolve a mesma resposta anterior: “Pessoas que detêm foro privilegiado” – no plural. Então há mais de um suspeito no “andar de cima” do TCE, e presumivelmente são conselheiros.
Como há foro privilegiado no meio, as investigações agora estão sob controle do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. É lá que conselheiros eventualmente envolvidos serão julgados.
Amaro Vieira é a favor do sigilo de justiça em investigações da PF. “Na ótica policial, o segredo de justiça é o que garante a eficácia nas investigações”, justifica. “Trabalhamos em silêncio. Se não tivéssemos o sigilo, estaríamos obrigados a revelar tudo, o que inevitavelmente comprometeria o êxito”.
Inquéritos investigam mais de 80 gestores públicos
“Neste momento, temos em andamento de 80 a 90 investigações sobre gestores públicos em Alagoas, todas em sigilo de justiça”, revela o superintendente. “É um trabalho minucioso, sério, acumulando provas que a defesa não vai conseguir derrubar”. Ele explica que, com as investigações sob segredo de justiça, “há uma fase em que nem a defesa dos suspeitos toma conhecimento do que está sendo feito pela PF”.
O vazamento da Tabanga
Sobre a Operação Tabanga, em Traipu, que vazou e permitiu a fuga dos principais acusados, Amaro Vieira diz que o vazamento ainda está sendo investigado – também em segredo de justiça. “Mas já podemos dizer que não existem indicativos de que o vazamento tenha partido da Polícia Federal”, afirma ele, lembrando que a Tabanga foi uma operação conjunta envolvendo sete órgãos federais e estaduais.
O superintendente admite que o vazamento da Tabanga prejudicou as investigações. O tamanho do prejuízo (provas destruídas, o fiasco nas buscas e a própria fuga dos principais acusados) estão sendo avaliados – igualmente em sigilo.
Sobre a "página 9", para a PF "não há o que apurar"
O célebre e misterioso documento – a “página 9” do suposto depoimento de um pistoleiro à PF de Pernambuco, sobre um plano para matar dois deputados estaduais em Alagoas – nem é considerado um caso a investigar pela Polícia Federal em Alagoas. “Não há o que apurar”, disse e repetiu Amaro Vieira.
“Trata-se de um papel escrito, sem assinatura. Não é um documento e nem sequer se aproxima de um documento da PF, portanto não há o que apurar na Polícia Federal de Alagoas”, afirma o superintendente.
Ele admite um fato: “O canal de inteligência da PF de Alagoas recebeu um informe sobre possível atentado a deputados em fez o que tinha de fazer. Sobre esse papel, repito, não há o que apurar, e se houvesse alguma coisa para a PF investigar, isso seria feito em silêncio, eu não poderia revelar à imprensa”.
Delegado arredio
Amaro Vieira é um delegado arredio, pelo menos em relação à imprensa. Desde o primeiro momento ele foi logo avisando: “Não tenho muito o que falar”.
Depois acrescentou: “Eu acho estranho o interesse da imprensa por temas como esses [ameaças a deputados, operações policiais etc.]. Há fatos mais relevantes. A Polícia Federal tem mais o que fazer, está prestando serviços relevantes que no tempo adequado serão apresentados”.
"Não tenho padrinho político"
Amaro Vieira entrou para a Polícia Federal em 1988. Tem, portanto, 23 anos de PF. Assumiu a chefia da PF de Alagoas em setembro de 2009, substituindo José Pinto de Luna.
É a primeira vez em que ocupa um cargo de superintendente regional.
Ele garante: sua indicação para a superintendência da PF em Alagoas foi exclusivamente técnica. O repórter lhe lembra que frequentemente há indicações políticas na PF, até para cargos na direção-geral em Brasília. Amaro Vieira volta a afirmar: “Não tenho padrinhos, nem indicação, nem habilidade política. Fico à vontade para investigar tudo e todos, e é isso que farei até o último dia aqui”.
A Satiagraha e Protógenes
Antes de entrar por concurso para a PF, Amaro Vieira foi policial civil em São Paulo, contemporâneo de Pinto de Luna. Na PF de São Paulo, trabalhou na capital e em diversos municípios como Bauru, São José dos Campos, Jales e Araçatuba. Depois, foi para Brasília e atuou na Corregedoria da PF durante mais de um ano, antes de vir para Alagoas.
E foi na Corregedoria que seu nome se tornou nacionalmente conhecido – e de forma controversa.
Em 2008, a Operação Satiagraha, a mais bombástica realizada pela PF em muitos anos, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz (hoje deputado federal pelo PCdoB-SP), prendeu, entre outros, o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o megaespeculador Naji Nahas. Dantas foi solto por um polêmico habeas corpus do então presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. No dia seguinte, Protógenes voltou a prender o banqueiro, desta vez por um flagrante de tentativa de suborno – e novamente Gilmar Mendes mandou soltá-lo, com outro habeas corpus mais polêmico ainda.
Depois, o rumoroso caso tomou a direção oposta: o delegado é que passou a ser acusado: primeiro, de usar funcionários da Agência Brasileira de Informações (Abin) para auxiliar nas diligências. Depois, foi acusado de vazar informações sobre a Satiagraha para a imprensa.
O inquérito interno da PF contra Protógenes foi conduzido por Amaro Vieira, então na Corregedoria. E surgiram em toda a imprensa nacional notícias sobre o inquérito, que oficialmente corriam em sigilo. O resultado foi uma situação curiosa: o inquérito sobre o vazamento da Satiagraha estava vazando. E as informações que vazavam, na quase totalidade, incriminavam Protógenes.
Amaro Vieira diz que sua investigação sobre a atuação de Protógenes na Satiagraha “foi uma das únicas em que se obteve prova cabal de vazamento de informações”.
“No Judiciário houve a condenação do acusado [Protógenes]”, acrescenta. Ele garante que a conduta dos investigadores foi “cautelosa” e que havia
onze equipes trabalhando no inquérito, uma sem saber da existência da outra.
Amaro Vieira diz acreditar que a defesa de Protógenes, que tinha acesso ao inquérito, foi quem vazou para a imprensa informações sobre a sindicância interna. Mas – pergunta o repórter – se as informações vazadas incriminavam Protógenes, como pode ter sido a defesa?
Ele responde que, ao fim do inquérito, fez uma representação pedindo uma investigação relativa à conduta do Ministério Público Federal no episódio. Ou seja, a acusação também pode ter vazado.
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