Quinze dias após a entrega das primeiras casas do Programa da Reconstrução, as famílias vítimas das enchentes de junho de 2010 ainda lutam contra toda sorte de problemas e tentam reiniciar a vida em conjuntos residenciais entregues às pressas e sem infraestrutura. Dentro das casas, sanitários e ralos entupidos, canos estourados, esgoto com problemas e caixas d’águas vazias anunciam que o drama e o “perrengue” só trocaram de endereço: saíram dos campos de concentração que eram os acampamentos de barracas e se mudaram para as pequenas moradias.
O maior problema é a falta d’água. Nos três conjuntos residenciais visitados pela reportagem da Gazeta, na última quinta-feira, em São José da Laje, União dos Palmares e Branquinha, nem sinal do líquido nas torneiras. Quando entregou as unidades habitacionais, no último dia 20 de dezembro, o governo estadual prometeu a construção de adutoras para garantir o abastecimento d’água até fevereiro.
Barracas continuam sendo usadas
Mesmo contempladas com as novas casas, muitas famílias ainda vivem o drama da falta de espaço adequado para uma vida digna. Numerosas, como é tradição em cidades do interior, famílias com mais de 10 membros estão sofrendo para se adaptar à nova morada, composta por dois pequenos quartos, uma sala, uma cozinha minúscula e um banheiro.
Para solucionar o problema e acomodar todo mundo, muitas famílias resolveram trazer para os novos conjuntos as antigas barracas que serviram de morada durante mais de um ano. Armadas no fundo do quintal, servindo agora como mais um cômodo da casa, elas estão mudando a paisagem nos novos conjuntos habitacionais. “Foi o jeito que nós arrumamos para acomodar todo mundo. A casa é muito pequena, não cabe a família toda”, diz a dona de casa Maria Neri
O começo é difícil, mas vai melhorar
Os primeiros dias têm sido de adaptação para os ex-desabrigados da trágica enchente de junho de 2010. Nas caixas, até agora não chegou água. Canos quebrados sob o calçamento provocaram o entupimento da precária rede de esgoto. Sem falar em outros diversos problemas, talvez provocados pelo acabamento apressado das casas.
Mesmo diante das dificuldades, moradores batalham para melhorar a realidade e sonham com um futuro melhor.
“O começo é sempre difícil, mas vai melhorar”, aposta Cícero Ramos da Silva, talvez o primeiro empreendedor do Conjunto Newton Pereira, em União dos Palmares. Na falta de espaço dentro da casa, ele achou lugar para montar o que chama de “minimercado”.
Penou com a “parede dura” dos módulos da casa, mas conseguiu instalar as prateleiras na sala, onde expõe, sem muito critério, cachaça, refrigerante, água sanitária, café, papel higiênico, absorvente e outros produtos.
Comunidade se vira como pode
As soluções caseiras e desordenadas que cada família está encontrando para se adaptar e resolver o problema de espaço, caso não haja uma fiscalização, pode transformar os novos conjuntos residenciais da reconstrução em verdadeiros “favelões”. Cada família se vira como pode e usa todo tipo de material para construir o puxadinho que vai se transformar em mais um cômodo.
Os que encontraram uma oportunidade de vender as barracas pelo valor de R$ 100, e não dispõem mais da antiga morada, se valem de todo tipo de objeto: madeira, zinco, tela e outros bagulhos que sirvam para demarcar espaço.
Trepado em um tamborete, meio sem jeito com o martelo, o agricultor Antônio Ferreira improvisa a construção de uma cozinha. Entre uma martelada e outra, ele argumenta: “A casa é muito pequena não cabe minha família toda. Éramos sete, mas um filho meu se separou e voltou para casa com um menino novo, pense...”. O vizinho de fundos dele também recorreu à barraca, assim como outros moradores. O visual naquela área do conjunto começa a ficar estranho.
Maior problema é a falta de água
É em meio à poeira vermelha que invade as casas, irrita os olhos e já provoca problemas respiratórios em crianças e adultos, que as primeiras 166 famílias contempladas com casas no Conjunto Armando Lira, às margens da BR-104, em São José da Laje, vivem os primeiros dias de ex-desabrigados da cheia de 2010.
As ruas ainda não foram calçadas e a água sequer pingou na torneira das casas, o que tem sido o maior problema até agora. Pelas ruas cobertas pela poeira do barro vermelho, o movimento é de mulheres e crianças a carregar bacias de roupas e pratos sujos rumo ao riacho que corta a estrada e passa a cerca de 300 metros das casas.
“Todo dia é isso. Vou e volto com essa bacia de prato, quando não é de roupa. Não sei quando é que vão resolver o nosso problema”, reclama a jovem Maria das Dores, enquanto caminha na direção do riacho. Outros meninos também seguem para o mesmo lugar, que já se transformou em ponto de lazer, já que não há local para a diversão dos pequenos.
Distância das cidades isola moradores
Em Branquinha, no Residencial Raimundo Nonato Lopes, assim como nos demais conjuntos residenciais recém-entregues pelo Programa de Reconstrução, a falta d’água é motivo de reclamação por parte dos moradores, embora ainda não haja calçamento e nem iluminação nas ruas. Dependentes, até a última quinta-feira, dos carros-pipas, eles agora devem contar com o abastecimento de um chafariz improvisado.
Desde que chegou à nova morada, a dona de casa Maria Quitéria Rosalino da Silva ainda não teve o prazer de ver jorrar água das torneiras da casa. Ela nos chama para mostrar o problema. “Olha só, está vendo essa parte aqui molhada da parede? A água fica minando. É como se tivesse um cano estourado dentro da parede. Já reclamei e ninguém resolve”.
O jeito é disputar a água nos tanques onde os carros-pipas despejam o líquido.
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lelo macena