Com o encerramento do ano financeiro que tradicionalmente passa sem grandes tumultos, o mercado brasileiro entra na última semana de 2025 com uma preocupação crescente: o desfecho do escândalo envolvendo o Banco Master.
A audiência marcada para hoje, conduzida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que irá confrontar o proprietário da instituição, Daniel Vorcaro, o ex-presidente do Banco de Brasília (BRB), Paulo Henrique Costa, e o diretor de Fiscalização do Banco Central (BC), Ailton de Aquino, pode desencadear uma crise inédita na história do país, ao envolver órgãos de diferentes Poderes, incluindo a autoridade monetária. Especialistas consultados pelo Correio destacam que o envolvimento de entidades de todos os Poderes da República torna o caso sem precedentes.
De acordo com o economista César Bergo, professor de Mercado Financeiro na Universidade de Brasília (UnB), há uma preocupação generalizada no mercado, já que instituições de peso estão sob suspeita, e há uma crescente pressão do STF e do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre o BC.
Bergo explica que diversas questões, juntas, podem gerar uma desconfiança que comprometa a estabilidade financeira do sistema. 'A situação atual levanta dúvidas sobre a integridade do mercado e a credibilidade das instituições que o regulam', afirma. O caso começou com a decretação, pelo Banco Central, da liquidação do Banco Master em novembro, após a descoberta de uma fraude avaliada em mais de R$ 12 bilhões.
O episódio, inicialmente técnico e criminal, evoluiu para o âmbito do Supremo e do TCU, alimentando temores de que pressões externas e interesses políticos estejam influenciando a regulamentação do sistema financeiro nacional. A tensão aumentou após a determinação de Toffoli de realizar uma acareação entre Vorcaro, Costa e Aquino, mesmo após recursos apresentados pela Procuradoria Geral da República (PGR) e pelo próprio BC.
A audiência busca esclarecer a tentativa de venda do banco ao BRB e a atuação do BC na fiscalização da instituição. No sábado, ao solicitar esclarecimentos ao BC, Toffoli afirmou que nem o regulador nem o diretor Aquino estão sob investigação. No entanto, para o mercado, essa decisão tem um peso simbólico sem precedentes.
Pela primeira vez, uma medida de liquidação de uma instituição bancária por risco sistêmico é avaliada diretamente pelo Supremo. O analista político André César, da Hold Assessoria Parlamentar, alerta que há um risco real de que o Brasil enfrente uma crise sistêmica incontrolável, caso a instabilidade se aprofunde. César destaca que Vorcaro construiu uma trajetória bilionária com o apoio de diversos atores públicos e políticos. 'O ex-governador da Bahia, Rui Costa, com quem Vorcaro trabalhou no passado, hoje ocupa a sala ao lado da Presidência da República, o que demonstra a complexidade dos vínculos', comenta.
Ele também aponta que a rede de apoio político de Vorcaro tem forte presença na direita e no Centrão, incluindo figuras como o ex-senador e atual presidente do Partido Progressista, Ciro Nogueira.
No âmbito judicial, César e Bergo ressaltam a singularidade da participação de dois ministros do STF no caso: Toffoli, que inicialmente manteve sigilo e viajou de jatinho com advogados ligados ao banqueiro, e Alexandre de Moraes, que teria sido envolvido por Vorcaro ao firmar um contrato milionário com sua esposa. A complexidade é ainda maior com a entrada do ministro do TCU, Jhonatan de Jesus, que solicitou explicações formais ao BC sobre os procedimentos que levaram à liquidação, sugerindo uma possível precipitação.
Enquanto isso, a Procuradoria Geral da República (PGR) manifesta-se contra a acareação sem depoimentos concretos, e Toffoli afirma a necessidade de rapidez na análise do caso. Para os analistas, colocar o diretor de Fiscalização do BC frente a envolvidos em crimes financeiros desloca o foco do problema principal, que é a credibilidade do órgão regulador.
César comenta que a crise de confiança pode afetar não apenas as instituições financeiras, mas toda a imprensa e o ambiente político, alimentando uma atmosfera de instabilidade. A reportagem também cita a matéria da jornalista Malu Gaspar, do jornal O Globo, que revelou contatos de Moraes com o BC, incluindo tentativas de interceder em favor do Banco Master, embora sem confirmação oficial dessas ações, o que gerou reações de diversos setores.
O momento final do ano, na visão de César Bergo, pode amenizar o impacto imediato da audiência, já que o mercado nesta época reduz significativamente suas operações. Ele alerta, contudo, que a reabertura após o feriado pode trazer consequências negativas dependendo do resultado, reforçando que a disputa envolve interesses de diferentes grupos de lobby, escritórios de advocacia e políticos.
Parte da elite política e financeira já entrou na disputa: enquanto alguns banqueiros criticam publicamente Moraes, evitam confrontar Toffoli, que detém o poder de suspender a liquidação do banco. Ao mesmo tempo, a maior parte do setor financeiro manifesta apoio ao BC, receando que a politização do caso possa estabelecer um precedente perigoso para a fiscalização bancária.
Se a liquidação for revertida, o impacto será profundo, com a perda de credibilidade do regulador, aumento nos custos de crédito e uma crise de confiança generalizada no sistema financeiro nacional.
Por fim, a acareação no STF tornou-se um ponto de inflexão, não apenas sobre quem mentiu na venda do banco, mas também sobre a separação entre a atuação técnica e as decisões políticas no país, colocando o Banco Central no epicentro de uma disputa que transcende os interesses de um banco específico.