A especialista em saúde Marggie Xiomara Orozco Tapias, de 65 anos, que havia sido sentenciada a três décadas de reclusão na Venezuela por criticar o governo de Nicolás Maduro e incentivar votos opositores nas eleições de julho de 2024, foi liberada na manhã de Natal. A informação foi divulgada pelo Comitê de Libertação de Combatentes Sociais e pelo Foro Penal Venezuelano.
Embora a legislação venezuelana reserve a pena máxima para delitos graves como homicídio, sequestro ou estupro, Orozco não cometeu nenhuma dessas infrações. Sua condenação decorreu de uma mensagem de áudio enviada via WhatsApp durante a campanha presidencial, na qual ela pedira aos moradores do seu bairro que votassem contra Maduro, além de responsabilizá-lo pela crise econômica que atravessa o país.
Após a realização das eleições, consideradas vencidas por Maduro pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE),, sem que fossem apresentadas provas concretas de sua vitória, a polícia deteve a médica oito dias depois.
Seu filho, Paul Ruiz, relatou à BBC Mundo que policiais chegaram à residência na noite de 5 de agosto e convidaram sua mãe a acompanhá-los, alegando que ela não estaria presa, mas que precisaria prestar depoimento.
Foram três dias sem notícias dela. A gravação de Orozco, que foi recuperada pelos apoiadores do governo, levou a denúncias ao Ministério Público, que ameaçaram suspender benefícios como cestas básicas subsidiadas e fornecimento de gás de cozinha.
O episódio faz parte de uma série de processos judiciais contra cidadãos que exerceram sua liberdade de expressão nas redes sociais; o governo venezuelano afirma que esse direito não é absoluto. O Ministério dos Serviços Penitenciários informou a liberação de 99 indivíduos que, segundo eles, participaram de manifestações públicas após os pleitos de 2024.
No entanto, organizações de direitos humanos, como o Comitê de Libertação de Combatentes Sociais e o Foro Penal, afirmam que o número real de libertações foi menor. Segundo o Ministério, a libertação de Orozco representa uma demonstração do compromisso estatal com a paz e a justiça, alegando que ela foi presa por envolvimento em atos de violência e incitação ao ódio após o pleito presidencial.
A juíza responsável afirmou que áudios como o de Orozco contribuíram para as tensões atuais entre os EUA e a Venezuela. A condenação da médica ocorreu mesmo após ela sofrer um infarto durante o período de detenção, sendo que, em março passado, a mesma magistrada negou sua liberdade condicional sob alegação de risco de fuga e possível influência sobre testemunhas.
A sentença majoritária alega que ela pediu às pessoas que opositavam o governo que deixassem de apoiá-lo, criticando a administração enquanto seus filhos trabalhavam e a nação enfrentava dificuldades. O filho explicou que a mensagem dela foi forte, mas que ela não cometeu crimes de violência ou pediu intervenção estrangeira. Recentemente, os Estados Unidos deslocaram uma frota naval ao Caribe, incluindo seu maior porta-aviões, o USS Gerald R. Ford, alegando combater o narcotráfico; entretanto, Caracas denuncia uma tentativa de mudança de regime.
Durante o julgamento, a juíza Moreno afirmou que áudios como o de Orozco aumentam as tensões entre EUA e Venezuela. Ela também teria dito que os apelos da médica representam uma ameaça à paz nacional. Orosco foi condenada por incitação ao ódio e por supostas ações de traição e conspiração, acusações que seus apoiadores contestam, alegando que ela apenas expressou seu próprio sofrimento. O advogado criminalista Zair Mundaray criticou a sentença, alegando que ela extrapola o conceito de incitação ao ódio e que as acusações de traição e conspiração são infundadas, pois não há evidências de que a médica tenha se aliado a inimigos estrangeiros ou tentado modificar o sistema democrático.
A condenação da médica gerou forte repercussão, tanto nacional quanto internacional, evidenciando a dependência do sistema judiciário venezuelano ao aparato estatal repressivo. Especialistas alertam que a lei contra o ódio tem efeito inibidor sobre a liberdade de expressão e fomenta a autocensura, enquanto juristas questionam a base jurídica das acusações. Grupos de direitos humanos, como a CIDH, criticaram o julgamento, ressaltando que a legislação limita o direito de expressão na Venezuela e que casos como o de Orozco reforçam um clima de medo e silenciamento, afetando até mesmo vozes dissidentes fora do país.
Muitos venezuelanos evitam discutir temas sensíveis nas redes sociais, apagando registros para não correr riscos. Antes de sua libertação, casos semelhantes aconteceram com Marcos Palma, condenado a 15 anos por mensagens em WhatsApp sugerindo protestos, e Randal Telles, de 22 anos, condenada por um vídeo no TikTok, posteriormente revelado como montagem. Esses exemplos ilustram a repressão às opiniões contrárias ao governo.
Desde 2021, pelo menos 22 pessoas foram presas por exercerem sua liberdade de expressão digital, segundo dados do organização Espaço Público. A legislação, adotada em 2017, é vista por muitos como uma ferramenta de controle social, que restringe severamente o direito de manifestação.
A condenação de Orozco se soma ao entendimento de que a Justiça venezuelana funciona como parte do sistema repressivo do Estado, consolidando um clima de medo e autocensura. A família da médica reafirma que ela nunca participou de atividades políticas ou atos de violência, limitando-se a exercer seu direito de crítica e expressão em um país onde esses direitos são cada vez mais ameaçados.