A população feminina encarcerada no Brasil atingiu números que fazem do país o terceiro com maior quantidade de mulheres presas globalmente, com um crescimento de cinco vezes na quantidade de detentas ao longo de 24 anos. Este fenômeno está diretamente ligado às políticas de combate às drogas, que têm causado a ruptura de numerosas famílias.
Desde o ano 2000, o número de mulheres encarceradas em todo o mundo cresceu três vezes mais rápido do que o de homens, segundo dados recentes. No Brasil, essa taxa de aumento é particularmente significativa, refletindo uma expansão da população carcerária feminina que acompanha as estatísticas mundiais.
Para ilustrar, atualmente, há aproximadamente 50 mil mulheres sob custódia estatal, considerando regimes fechados, semiabertos e provisórios. O país ocupa o terceiro lugar no ranking mundial de presos femininos, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, com quase 175 mil internas, e da China, com pelo menos 145 mil.
Dados divulgados pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) indicam que há quase 32 mil mulheres confinadas em celas físicas, incluindo 195 grávidas e 91 lactantes. Em 2023, esse número era de aproximadamente 27 mil, evidenciando o crescimento constante. No cenário familiar, o encarceramento de mulheres também impacta suas crianças. Atualmente, cerca de 90 crianças, todas com até um ano de vida, dividem o cotidiano com suas mães nas unidades prisionais brasileiras, sendo retiradas do contato materno logo após esse período.
Um exemplo é João Victor, que passou sua primeira infância sob a tutela da avó enquanto sua mãe, Ilda Nascimento, cumpria pena. Ela relata que, na infância do filho, ele acreditava que visitava a mãe no trabalho, pois não entendia a realidade da prisão. Após completar sete anos, Ilda foi beneficiada por uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em 2018, que concedeu habeas corpus coletivo para mães de crianças até 12 anos ou com deficiência, beneficiando pelo menos 3,5 mil mulheres em diversos estados e no Distrito Federal.
Essa medida buscava mitigar os efeitos do encarceramento sobre as famílias. A crise das famílias é agravada pelo contexto da guerra às drogas, que, associada à pobreza, desigualdade social e dificuldades de acesso ao sistema de justiça, impulsionou o encarceramento de mulheres, especialmente negras, pobres e residentes em áreas periféricas. Especialistas afirmam que a legislação de 2006, que criminalizou o uso de drogas, resultou na prisão massiva de mulheres envolvidas em atividades relacionadas ao tráfico, sem distinção clara de quantidade para uso pessoal.
Catherine Heard, especialista do ICPR, destaca que a expansão da população carcerária feminina é também reflexo do fracasso do sistema penal em oferecer alternativas à pena de prisão. Dados de outros países, como Guatemala, El Salvador, Indonésia e Camboja, mostram aumentos expressivos na quantidade de mulheres presas desde 2000.
No âmbito nacional, muitas mulheres encarceradas são vítimas de condições precárias. Segundo um estudo do Ipea de 2018, a implementação da Lei de Drogas aumentou a criminalização de usuárias e periféricas, resultando em maior número de prisões por tráfico ao invés de uso. Muitas dessas mulheres enfrentam ambientes insalubres e tratamento desumano, sem acesso adequado a cuidados de saúde, higiene ou suporte psicológico. Helen, uma ativista e ex-detenta, conta sua experiência de três anos na cela sete do Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, onde enfrentou dificuldades de acesso a itens básicos e cuidados de saúde.
Ela destaca que as mulheres, muitas vezes, permanecem isoladas e desassistidas, recebendo menos visitas comparadas aos homens, o que acentua a sensação de solidão. Apesar de avanços legais, como a proposta de obrigatoriedade na distribuição de produtos de higiene para mulheres presas, que foi rejeitada em 2023 pela Câmara dos Deputados, o sistema prisional brasileiro permanece distante de oferecer condições dignas às detentas.
A proposta, defendida por entidades de direitos humanos, foi considerada por alguns políticos como uma afronta à moralidade, evidenciando o atraso na implementação de políticas que atendam às necessidades específicas das mulheres encarceradas. A crise do encarceramento feminino no Brasil revela uma combinação de políticas públicas ineficazes, violações de direitos humanos e uma sociedade que ainda precisa evoluir na compreensão da complexidade da questão.
Para que haja uma mudança efetiva, é fundamental investir na redução da população prisional feminina e na criação de estruturas mais humanas e adequadas às reais necessidades dessas mulheres.