Uma análise conduzida por 22 entidades de auxílio internacional revelou que o conflito no Sudão representa a maior crise humanitária do ano de 2025, sendo também a principal emergência de deslocamento forçado que o mundo não pode deixar de lado. O país, em guerra desde abril de 2023, enfrentou uma deterioração contínua ao longo de 2025, agravada por disputas internas entre as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF), que discordaram sobre a integração de uma milícia paramilitar ao exército regular, desencadeando um conflito aberto.
O Sudão, conhecido por suas reservas de petróleo, ouro e terras produtivas, tornou-se, segundo a ONU e várias organizações humanitárias, a maior crise de deslocamento global e uma das mais dramáticas emergências humanitárias do planeta.
Para o diretor de ajuda humanitária da organização Save the Children, Abdurahman Sharif, "a crise sudanesa deveria ocupar a primeira página dos jornais todos os dias". Dados da ONU indicam que aproximadamente 14 milhões de sudaneses estão deslocados internamente ou refugiados em países vizinhos, com estimativas de mortes variando entre 40 mil e 250 mil vítimas, embora números precisos sejam difíceis de obter devido às operações de combate contínuas, à comunicação limitada via satélite e à saída de várias organizações do país.
Atualmente, os conflitos entre as RSF e as SAF concentram-se na região do Cordofão, que atua como uma linha divisória entre os territórios sob controle militar no norte e centro — incluindo Cartum — e as áreas sob domínio das RSF em Darfur, no oeste, e em partes do sul.
Jan Sebastian Friedrich-Rust, diretor executivo da filial alemã da ONG Ação Contra a Fome, relata que "a violência no Cordofão cresceu drasticamente". Ele destaca que o cerco às comunidades de Dilling e Kadugli, no Sul do Cordofão, impede o acesso de ajuda humanitária essencial.
Segundo especialistas, há uma crise grave de alimentos e medicamentos, com quase metade da população sudanesa enfrentando insegurança alimentar aguda, conforme estimativas da Classificação Integrada das Fases de Segurança Alimentar (IPC) de dezembro. O Programa Mundial de Alimentos (PMA) já anunciou que, devido à escassez de recursos financeiros, precisará reduzir drasticamente suas operações a partir de janeiro.
O representante da ONU para refugiados na África Oriental e Austral, Mamadou Dian Balde, advertiu que, se a comunidade internacional não agir com urgência, diplomática, financeira e moralmente, a situação se agravará, cobrando um alto preço dos civis sudaneses e de seus vizinhos.
O temor de Friedrich-Rust é que o Cordofão possa se transformar em uma segunda Al-Fashir, palco de massacres em massa durante a ascensão das RSF ao poder. O Laboratório de Pesquisa Humanitária da Universidade de Yale, que monitora atrocidades através de imagens de satélite, revelou que as RSF destruíram e esconderam evidências de execuções em massa.
Das 150 pistas de restos humanos inicialmente detectadas, quase 60 desapareceram ou foram alteradas, apontou o laboratório. Philippe Dam, ativista da Human Rights Watch, reforça que "ambas as partes envolvidas no conflito, assim como seus aliados, falharam em proteger civis, enquanto os ataques e violações continuam sendo o centro da guerra". Ele também assinala que, embora as RSF sejam responsáveis por grande parte das violações, as SAF também cometem crimes graves, incluindo prisões arbitrárias de trabalhadores humanitários.
Em dezembro, a União Europeia iniciou o envio de cem toneladas de ajuda humanitária para Darfur, com uma operação aérea prevista até janeiro de 2026, custeada em 3,5 milhões de euros pelo orçamento de ajuda da Comissão Europeia. Contudo, especialistas alertam que essa é uma contribuição mínima diante da dimensão da crise, agravada pelo fim de programas essenciais e cortes de ajuda de países europeus e dos EUA, que limitaram recursos essenciais, como cozinhas comunitárias.
Friedrich-Rust destaca que, até agora, apenas 35% dos fundos necessários foram disponibilizados, e que ações mais firmes são urgentes. Dam critica a falta de sanções ao líder das RSF, o general Mohammed Dagalo, mesmo diante das evidências de seus crimes. Enquanto as Forças Armadas Sudanesas têm respaldo do Egito, as RSF seriam apoiadas pelos Emirados Árabes Unidos, embora estes neguem envolvimento direto.