Geraldo Vandré, uma figura profundamente enigmática na cena musical do Brasil, é frequentemente considerado uma das personalidades mais míticas do nosso cenário cultural. Em entrevista concedida ao programa BdF Entrevista, transmitido pela Rádio Brasil de Fato, o biógrafo Vitor Nuzzi explica que as dúvidas e o mistério que cercam sua vida — incluindo seu desaparecimento e posterior retorno ao país durante o período da ditadura — contribuem para a aura de lendário que o envolve.
De acordo com Nuzzi, Vandré era um artista típico da geração da bossa nova, cuja produção muitas vezes se limitava às canções românticas. Contudo, ele se destacou ao integrar um grupo de músicos que acreditava na necessidade de a música refletir as questões sociais do Brasil, ao lado de nomes como Carlos Lyra e Sérgio Ricardo.
"Apesar de não se definir como um artista de protesto, Vandré apresentava uma visão social bastante aguçada em suas composições, algo evidente desde seu primeiro álbum. Ele foi um dos que quebraram a calmaria da bossa nova", afirma o biografista. Nascido na Paraíba e criado no Rio de Janeiro, Vandré se tornou uma das figuras mais misteriosas da música brasileira.
Foi em 1966 que sua notoriedade atingiu o nível nacional ao inscrever a música Disparada no Festival da TV Record, uma composição feita em parceria com Théo de Barros e interpretada por Jair Rodrigues. A canção conquistou o primeiro lugar, dividindo a vitória com A Banda, de Chico Buarque, que tinha Nara Leão como intérprete.
A faixa Para Não Dizer Que Não Falei de Flores, popularmente conhecida como Caminhando, marcou uma mudança significativa na trajetória do artista. Nuzzi comenta que a letra tinha um impacto profundo na época, pois mobilizava as pessoas ao retratar a realidade brasileira, especialmente durante um período de grande agitação social.
"Naquele momento, com greves de metalúrgicos, manifestações de grande porte e o Brasil em combustão, Vandré acabou enfrentando sérias dificuldades por causa de trechos que criticavam os militares.
A música se transformou em um símbolo de resistência até os dias atuais", explica. Segundo o biógrafo, Vandré já era alvo de investigações militares antes do sucesso de Caminhando. Apesar de não pertencer formalmente a partidos políticos, seu pai era ativo no Partido Comunista, e o próprio artista participava de encontros políticos de forma ocasional, embora sem grande envolvimento.
"Foi essa música que realmente colocou Vandré no radar do governo, levando-o a uma crise profunda em sua carreira. Ele mesmo afirmou que seu percurso se encerrou em 1968, quando sua imagem passou a ser associada ao movimento de protesto, o que o obrigou a deixar o Brasil", relata Nuzzi.
O autor também destaca que Vandré foi alvo de interrogatórios por parte das forças militares, que questionaram figuras como Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, como se quisessem prendê-lo. Em certo momento, após uma apresentação em um teatro no Rio de Janeiro, o local foi atingido por uma bomba e pichado por grupos repressivos, que denunciavam comunismo ou oposição ao regime.
A proibição da música e o recolhimento de seus discos marcaram o fim de sua produção artística naquele período, e Caminhando nunca foi incluída em novos álbuns do artista. O Refúgio e os Momentos de Silêncio De acordo com Nuzzi, Vandré precisou se esconder por dois meses antes de deixar o Brasil.
"Com o advento do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, ele se encontrava em Anápolis, Goiás, após um show, e tinha uma apresentação agendada para o dia seguinte em Brasília. Contudo, o decreto de repressão mais severo levou ao cancelamento do evento." Para escapar da repressão, Vandré cruzou a fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, seguindo posteriormente para o Chile no final de 1968.
Contudo, sua permanência no país foi curta: sem autorização para trabalhar, foi expulso do Chile e optou por viajar para a França, realizando turnês na Europa e também na Argentina, buscando refúgio e continuidade artística.