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14/12/2025 11:00:00

Disparidades Sociais Limitam o Acesso às Primeiras Etapas da Educação no Brasil

Estudo inédito da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal revela impacto das desigualdades na formação infantil

Disparidades Sociais Limitam o Acesso às Primeiras Etapas da Educação no Brasil

Agência Brasil

Dados recentes indicam que as desigualdades econômicas e sociais no Brasil afetam diretamente a participação das crianças na educação inicial. Este levantamento exclusivo, intitulado "Desafios da Equidade no Início da Aprendizagem: Análise do CadÚnico e do Censo Escolar", foi conduzido pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em colaboração com o Ministério da Educação (MEC) e o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

O estudo combina informações do CadÚnico e do Censo Escolar, utilizando microdados de 2023, para evidenciar as disparidades no acesso às creches e pré-escolas. Em dezembro daquele ano, apenas 30% das 10 milhões de crianças de baixa renda, cadastradas no CadÚnico, estavam matriculadas em creches.

Quanto à pré-escola, que é uma fase obrigatória na educação básica, essa proporção sobe para 72,5% entre crianças de 4 e 5 anos que vivem em famílias de baixa renda, também inscritas no cadastro.

O CadÚnico é uma base de dados que registra informações socioeconômicas de famílias pobres brasileiras, incluindo detalhes sobre renda, nível de escolaridade, condições de moradia e matrícula escolar das crianças. Essa ferramenta é fundamental para a formulação de políticas públicas de assistência social.

Já o Censo Escolar é a pesquisa oficial anual realizada pelo Inep, que fornece dados sobre matrículas, infraestrutura, estudantes e docentes em instituições públicas e privadas, formando a principal fonte de análise da cobertura escolar no país.

Mariana Luz, presidente da fundação, ressalta a importância da creche na vida das crianças, especialmente na primeira infância, até os 3 anos de idade. "Ela funciona como um espaço de aprendizado, crescimento e proteção", afirma. Em entrevista à Agência Brasil, Mariana reforça que uma creche integral oferece alimentação até cinco vezes por dia, contribuindo para a prevenção de vulnerabilidades e violência.

Ela observa ainda que o índice de atendimento na creche para crianças do CadÚnico aumentou de 20% para 30%, após ações paliativas, mas ainda há um longo caminho a percorrer — 70% das crianças dessa faixa ainda aguardam por vagas, enquanto a média nacional de cobertura é de 40%.

Regionalmente, a desigualdade de acesso à educação infantil é mais pronunciada na Região Norte, onde apenas 16,4% das crianças de baixa renda estão matriculadas em creches em 2023. As regiões Centro-Oeste e Nordeste apresentam taxas de 25% e 28,7%, respectivamente.

No Sudeste e Sul, os números são um pouco melhores, com 37,6% e 33,2% de cobertura, acima da média nacional.

Na pré-escola, as diferenças também são evidentes, variando de 68% a 78% de matrículas, com Norte e Nordeste registrando os menores índices. Mariana destaca que a idade da criança influencia o acesso: muitas unidades escolares não oferecem creches para crianças de até 2 anos, dificultando a permanência de pequenas nesse nível de ensino. Quanto maior a idade, maior a chance de matrícula, com um aumento de até 148% na probabilidade.

Ela aponta ainda a falta de informação às mães sobre a importância da creche e da escola como espaços de desenvolvimento, além das dificuldades de encontrar vagas e de deixar os filhos, fatores que também prejudicam a participação feminina no mercado de trabalho.

O estudo revela que municípios menores e com baixo Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) enfrentam maiores obstáculos na oferta de vagas, seja por limitações financeiras ou técnicas.

Assim, reforça a necessidade de políticas públicas que priorizem regiões vulneráveis, promovendo maior equidade na educação infantil em todo o país. Mariana destaca que o setor público deve atuar de forma a garantir o direito à educação de todas as crianças, independentemente de sua origem étnica ou social, assegurando qualidade e contextualização às diferentes comunidades.

Outro aspecto analisado aponta que fatores como raça, gênero e deficiência também influenciam o acesso às creches. Crianças brancas têm 4% mais chances de frequentar creches do que crianças pretas, pardas ou indígenas.

Meninas apresentam 4% menos probabilidade de ingressar na creche, enquanto crianças com deficiência têm 13,44% menos chances de matrícula na pré-escola. "Essa desigualdade reflete o racismo estrutural e o preconceito de gênero presentes na sociedade", explica Mariana.

Ela acrescenta que a menor inclusão de meninas na creche evidencia que as desigualdades de gênero iniciam precocemente na educação infantil e que, para combater esses problemas, é fundamental priorizar a inclusão de crianças com deficiência e de grupos racializados na etapa inicial de formação.

Além disso, renda e moradia desempenham papel decisivo na acessibilidade às instituições de ensino infantil. Crianças cujos responsáveis possuem emprego formal têm 32% mais chances de estar na creche, enquanto a remuneração informal reduz essa probabilidade em 9%.

Quanto maior a escolaridade dos cuidadores, maior a oportunidade de matrícula. Morar em ambientes com melhor infraestrutura, iluminação e bairros organizados também aumenta as chances de acesso às creches e pré-escolas, especialmente nas áreas urbanas.

Mariana reforça que programas de transferência de renda, como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e o Programa Bolsa Família (PBF), aumentam as possibilidades de matrícula: o BPC eleva em até 12% a chance de ingresso na creche e em 8% na pré-escola, enquanto o PBF, que exige matrícula a partir dos 4 anos, melhora em 9% essa probabilidade na pré-escola e pouco mais de 2% na creche.

O momento atual de discussão do novo Plano Nacional de Educação (PNE), da Política Nacional de Primeira Infância (PNIPI) e do Compromisso Nacional pela Qualidade e Equidade na Educação Infantil (Conaquei) reforça a importância de compreender a desigualdade no acesso às etapas iniciais da educação.

Mariana pontua que uma base sólida na infância impacta positivamente toda a trajetória escolar, podendo multiplicar os benefícios em até três vezes ao longo do ensino.

Ela conclui que garantir o acesso igualitário à educação infantil é uma tarefa que exige ações coordenadas entre União, estados e municípios, com foco em oferecer mais a quem mais precisa.

Para ela, a prioridade deve ser assegurar que todas as crianças, independentemente de sua condição social, racial ou de deficiência, tenham acesso de qualidade à primeira etapa de aprendizagem, pois esse é um direito fundamental da infância e do desenvolvimento social.