Na sexta-feira, 12 de dezembro, o governo estadunidense decidiu retirar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, e sua esposa, Viviane Barci de Moraes, da lista de indivíduos sancionados por meio da Lei Magnitsky. Esta ação representa a primeira ocasião em que um representante do Brasil sofre uma penalidade nesse âmbito, uma das mais rigorosas disponíveis para Washington no enfrentamento a estrangeiros considerados violadores graves de direitos humanos ou envolvidos em atos de corrupção.
Moraes foi inserido na lista no final de julho, embora a possibilidade de sanções já tivesse sido considerada desde maio, quando o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, revelou a intenção de aplicá-las. A retirada do nome do ministro evidencia uma redução das tensões diplomáticas entre Estados Unidos e Brasil, especialmente após a detenção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A iniciativa de incluir Moraes na lista foi articulada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, que atualmente reside nos Estados Unidos. A controvérsia envolvendo a Lei Magnitsky refletia um esforço de internacionalizar o conflito político entre apoiadores de Bolsonaro e o Judiciário brasileiro. As sanções impostas pelo governo americano contra Moraes eram uma pauta recorrente de Eduardo Bolsonaro e de outros grupos de direita, que alegam que o ministro e outros membros do STF conduzem perseguições judiciais contra Bolsonaro, que foi condenado a 27 anos de prisão por tentativa de golpe.
Especialistas criticaram a utilização da Lei Magnitsky neste caso, alegando que o recurso à legislação foi distorcido e abusivo, como explica William Browder, executivo financeiro britânico responsável pela campanha pela aprovação da lei nos EUA. Ele declarou à BBC News Brasil, em julho, que a Lei Magnitsky foi criada para punir agentes responsáveis por graves violações de direitos humanos e por atos de cleptocracia, ou seja, enriquecimento ilícito por parte de governantes e autoridades.
Segundo Browder, a lei não foi concebida para fins políticos, e seu uso atual no Brasil é uma afronta às suas intenções originais, configurando um abuso. No cenário das sanções, os bancos brasileiros passaram a ficar no centro de um debate acirrado. Instituições como Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual e Banco do Brasil enfrentaram o dilema de cumprir as determinações do governo Trump versus a necessidade de seguir a legislação nacional, defendida pelo ministro Flávio Dino, que exige validação por acordos internacionais ou autorização judicial.
A revisão das sanções ocorreu em decorrência do fortalecimento das relações entre os governos de Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva, iniciadas na Assembleia Geral da ONU em setembro, incluindo telefonemas e encontros presenciais na Malásia. A retirada do bloqueio a Moraes e a suspensão do tarifamento de 40% sobre exportações brasileiras foram condições essenciais para a retomada do diálogo entre as nações. Sobre a Lei Magnitsky, ela foi aprovada em 2012 durante o mandato de Barack Obama e inicialmente visava punir agentes russos envolvidos na morte do advogado Sergei Magnitsky, que denunciou corrupção estatal e faleceu sob custódia em Moscou.
Após uma emenda em 2016, seu alcance foi ampliado para incluir qualquer pessoa acusada de corrupção ou violações de direitos humanos, tornando-se uma legislação de aplicação global. A primeira aplicação fora do contexto russo ocorreu em 2017, durante o primeiro mandato de Donald Trump, sancionando três latino-americanos: Roberto José Rivas Reyes, ex-presidente do Conselho Supremo Eleitoral da Nicarágua; Julio Antonio Járez Ramírez, deputado na Guatemala; e Ángel Rondón Rijo, empresário na República Dominicana.
As penalidades incluem o congelamento de bens e contas no exterior, além de proibição de entrada nos EUA. Não há necessidade de processo judicial; as sanções podem ser aplicadas com base em relatórios de organismos internacionais, mídia ou testemunhos. De acordo com a legislação, violações graves englobam execuções sumárias, tortura, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias frequentes. Agentes públicos que silenciarem jornalistas, defensores de direitos humanos ou denunciantes também podem ser sancionados.
A Lei Magnitsky já foi aplicada contra autoridades na Rússia, Turquia e Hong Kong, especialmente em casos de perseguição política, julgamentos fraudulentos ou repressão institucionalizada. Para quem é sancionado, as consequências principais envolvem a proibição de viajar aos EUA, o congelamento de ativos e a restrição de transações financeiras com empresas americanas, dificultando o uso de cartões de crédito, contas bancárias ou investimentos em território norte-americano. Além das críticas por sua aplicação no Brasil, Moraes foi alvo de comentários de Marco Rubio após ordenar o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no país em agosto de 2024, classificado como uma tentativa de restringir liberdades civis.
Em maio, o Departamento de Estado enviou pela primeira vez ao Brasil um representante — o coordenador de sanções internacionais, David Gamble — alimentando rumores de que as sanções contra Moraes, relator de processos envolvendo Bolsonaro e eventos de 8 de janeiro de 2023, estariam na agenda. Eduardo Bolsonaro comentou sobre a visita, sugerindo que as ações contra Moraes estavam em andamento e que punições por violações de direitos humanos poderiam ocorrer. Em fevereiro, Moraes foi processado na Flórida pela Trump Media & Technology Group (TMTG), ligada ao ex-presidente Donald Trump, em conjunto com a plataforma Rumble, que havia sido bloqueada no Brasil por decisão do ministro.
A queixa questiona a autoridade do ministro para determinar ações relacionadas ao conteúdo na plataforma e sua monetização, ocorrendo logo após a denúncia do Ministério Público Federal de que Bolsonaro liderava uma organização criminosa com planos de ruptura democrática no país.