Relatos recentes indicam que crianças ucranianas, vítimas de sequestro por parte da Rússia, foram enviadas a um centro de recreação na Coreia do Norte. Essa ação é vista por especialistas e grupos de direitos humanos como uma tentativa de manipulação e exploração infantil pelo Kremlin.
De acordo com o Centro Regional de Direitos Humanos da Ucrânia (RCHR), uma especialista jurídica, Kateryna Rashevska, revelou que duas jovens foram levadas ao acampamento Songdowon, localizado na cidade portuária de Wonsan. Essas menores, identificadas como Misha, de 12 anos, oriunda da região ocupada de Donetsk, e Liza, de 16 anos, de Simferopol, na Crimeia, estavam acompanhadas de um grupo de crianças russas.
Criado em 1960 para receber filhos de países do bloco soviético, o espaço oferecia inicialmente atividades como parques aquáticos, futebol, academia e alojamento em dormitórios, promovendo recreação e intercâmbio cultural. Atualmente, no entanto, o local também serve para promover símbolos do regime de Kim Jong-un, além de reforçar a propaganda do governo norte-coreano. Segundo Rashevska, essas menores, além de serem consideradas vítimas de crimes de guerra, estão sendo utilizadas na propaganda russa.
A Ucrânia afirma que, desde o início do conflito, mais de 19.500 crianças foram sequestradas, incluindo casos confirmados pela própria nação. Contudo, essa cifra pode não refletir a totalidade do desaparecimento, uma vez que as informações sobre Misha e Liza só foram recentemente coletadas, o que sugere que seus nomes não fazem parte desses números oficiais.
Rashevska destaca que ainda não há provas suficientes para classificar esses casos como deportações ilegais, mas alerta para outras possíveis violações dos direitos infantis, envolvendo doutrinação política, militarização, uso em propaganda e violações dos direitos de identidade, lazer e do princípio do melhor interesse da criança, conforme a normativa internacional.
Além do acampamento na Coreia do Norte, o RCHR indica a existência de outros 165 locais utilizados por Moscou para abrigar menores, na maior parte na Rússia e Belarus. O fortalecimento da aliança entre Moscou e Pyongyang, intensificado após a invasão da Ucrânia em fevereiro de 2022, aprofundou as ações conjuntas. A Coreia do Norte forneceu armas e tropas para o conflito, enquanto a Rússia respondeu com apoio logístico, alimentos, combustíveis e tecnologia militar.
Rashevska explicou que as duas menores, posteriormente retornadas à Ucrânia ocupada, estavam originalmente na instalação de Songdowon, onde foram submetidas a doutrinação e atividades recreativas carregadas de propaganda, incluindo cartazes e slogans contra o imperialismo.
Essas ações reforçam a crescente cooperação entre os regimes, que também passam a organizar visitas de turistas, empresários e estudantes. Especialistas como Dan Pinkston, professor de Relações Internacionais na Troy University de Seul, interpretam o acampamento como uma espécie de rito de passagem para jovens norte-coreanos, onde atividades recreativas convivem com forte doutrinação ideológica. Pinkston acredita que as crianças ucranianas enviadas à Coreia do Norte podem estar passando por testes de maior doutrinação, como uma forma de recompensa por bom comportamento, uma estratégia que deve se repetir no futuro. Por outro lado, alguns analistas consideram essas ações unicamente como parte da propaganda russa. Andrei Lankov, professor de história e relações internacionais na Universidade Kookmin, em Seul, descreve a visita como uma manipulação descarada por parte dos envolvidos. Independentemente das motivações de Kim Jong-un e Vladimir Putin, Rashevska ressalta que a comunidade internacional precisa intensificar os esforços para proteger os jovens ucranianos.
Ela afirma que o regime norte-coreano utiliza essa estratégia como uma forma socialmente aceitável de estreitar laços com a Rússia, enquanto a nação russa se beneficia ao manter esses menores longe de contato com o mundo exterior, sem acesso à internet ou telefones, dificultando o acompanhamento de suas condições. Na última semana, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou uma resolução não obrigatória que exige a devolução imediata de todas as crianças ucranianas que foram transferidas ou deportadas pela força para a Rússia.
A medida exige que Moscou interrompa qualquer prática adicional de transferência, deportação, separação de famílias, mudanças de cidadania, adoções forçadas ou qualquer ação que implique na doutrinação dessas crianças. O Ministério das Relações Exteriores russo reagiu à decisão da ONU, classificando as acusações de deportação e apagamento de identidade como infundadas e enganosas, reforçando que a narrativa internacional busca deslegitimar suas ações na Ucrânia, apesar das evidências apresentadas.