06/12/2025 08:10:05

Mundo
06/12/2025 07:00:00

Europa propõe empréstimo especial com ativos russos para apoiar a Ucrânia, desafiando interesses de Moscou e Washington

Iniciativa inédita visa transformar reservas congeladas em financiamento ao governo ucraniano, provocando tensões diplomáticas e debates internos na União Europeia

Europa propõe empréstimo especial com ativos russos para apoiar a Ucrânia, desafiando interesses de Moscou e Washington

De forma ousada, a União Europeia busca consolidar uma postura de resistência frente às pressões externas de Estados Unidos e Rússia, ao mesmo tempo em que tenta assumir um papel de liderança nas negociações relativas à crise ucraniana. Para isso, a UE pretende aproveitar os bens russos sob congelamento em seu território, uma estratégia polêmica que suscita diversas dúvidas e críticas.

Recentemente, a organização tem restringido suas ações, deixando claro seus limites.

Após sua exclusão das negociações bilaterais entre Washington e Moscou, os países europeus desejam retomar o protagonismo nas discussões sobre o futuro de Kiev.

Entre as alternativas ainda não exploradas, destaca-se a possibilidade de utilizar 210 bilhões de euros em ativos do Banco Central russo, que permanecem bloqueados desde fevereiro de 2022 devido às sanções impostas pela União Europeia.

Em um movimento sem precedentes na história recente, a UE planeja converter esses fundos em um empréstimo de reparação ao governo ucraniano, com juros zero. O propósito é financiar as despesas militares e econômicas de Kiev até 2026, 2027 e possivelmente por vários anos.

A condição para o pagamento seria a Moscou encerrar suas hostilidades e compensar os danos ocasionados ao longo do território russo, permitindo que Kiev seja convocada a ressarcir a dívida posteriormente.

Desde setembro, um projeto para responsabilizar a Rússia por suas ações está em andamento, embora, no mês passado, quase tenha sido inviabilizado por um rascunho secreto de 28 pontos elaborado por autoridades americanas e russas, que delineava as condições iniciais para uma possível paz pós-conflito.

Muitos desses pontos geraram reações de surpresa na Europa, pois pareciam favorecer a Rússia e prejudicar a Ucrânia, além de sugerir uma fase de concessões ao invés de uma resolução duradoura para o conflito.

O item 14 do documento, em particular, despertou incômodo e espanto entre os europeus. Ele sugeria dividir os ativos russos congelados em dois fundos de investimento, permitindo lucros tanto para Washington quanto para Moscou, além de potencialmente beneficiar o Kremlin financeiramente, em vez de indenizar a Ucrânia.

O conteúdo também evidenciou uma mudança na estratégia externa dos Estados Unidos durante a presidência de Donald Trump, com maior ênfase em interesses comerciais.

Para a União Europeia, a divulgação dessa proposta aumentou a sensação de urgência em proteger seus bens mais valiosos e reforçou a necessidade de manter sigilo sobre a estratégia de usar os recursos russos bloqueados.

O chanceler alemão Friedrich Merz manifestou, em artigo divulgado nesta quarta-feira, que “não podemos permitir que países fora da UE determinem o destino dos ativos de uma nação agressora que estão sob nossa jurisdição, especialmente quando esses fundos foram congelados de maneira legal”.

Ele acrescentou que “as decisões atuais irão influenciar o futuro do continente europeu”.

Na sede da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen confirmou o avanço do projeto, detalhando os aspectos jurídicos necessários para a implementação do empréstimo de reparação.

Entre as novidades, destaca-se uma legislação que impediria o retorno dos ativos soberanos russos ao país, complementando as sanções já existentes e criando uma camada extra de segurança para o bloco.

Essa medida se fundamentaria no artigo 122.º dos tratados da UE, anteriormente utilizado em crises econômicas, como a energética. Ele permite a tomada de decisões por maioria qualificada, facilitando ações contra países como a Hungria, frequentemente resistente às sanções.

Se aprovada, a norma seria revista anualmente e os ativos só poderiam ser desbloqueados quando a Rússia deixasse de representar uma ameaça significativa à segurança do bloco e compensasse a Ucrânia, sem prejudicar ainda mais a economia europeia.

Essa estratégia visa evitar que os recursos russos sejam liberados sob pressão de algum Estado-membro, fortalecendo a unidade do continente na condução da questão.

Segundo Ursula von der Leyen, o empréstimo de reparação enviaria uma mensagem de longo prazo à Rússia, indicando que o prolongamento do conflito teria custos elevados para Moscou, além de fortalecer a segurança financeira da Ucrânia nas negociações futuras.

Contudo, a iniciativa enfrenta forte resistência na Bélgica, principal responsável pelos ativos, e uma reunião de emergência foi marcada para sexta-feira à noite, com a presença do primeiro-ministro belga, do chanceler alemão e da própria presidente da Comissão.

Especialistas da União Europeia sugerem que a Comissão pode ter esgotado as possibilidades jurídicas dentro do quadro atual de tratados, transformando a decisão final em uma questão de política interna entre os países membros, que buscam consenso diante da crise vigente.