Quase doze meses após uma tragédia que abalou Alagoas e o Brasil, a Serra da Barriga, símbolo da resistência negra, permanece marcada pelo silêncio e pela dor.
Este espaço, que carrega a história de luta e resistência do povo escravizado que lutou por liberdade, foi palco de um acidente durante as festividades do Dia da Consciência Negra, ocorrido em 24 de novembro de 2024.
Naquele domingo, aproximadamente 50 pessoas estavam a bordo de um ônibus cedido pela administração municipal de União dos Palmares, quando a sua falha mecânica provocou o capotamento da veículo e sua queda de uma ribanceira de cerca de 100 metros.
Como resultado, 20 indivíduos perderam a vida, com idades variando entre 5 e 84 anos. Entre as vítimas, estava Josefa Marcelino, de 46 anos, que viajava acompanhada por seus dois filhos — de 10 e 5 anos — além de um neto de 4 anos.
Estes sobreviveram ao acidente. Breno Marcelino, seu filho mais velho com 19 anos, estava jogando futebol em uma cidade próxima quando recebeu a notícia que mudaria sua trajetória. Ainda que quase um ano tenha passado, a dor permanece viva.
“Minha vida mudou de uma maneira que não consigo explicar, nem sei por onde começar. É difícil chegar em casa e não ver minha mãe. Continuar sem ela, que era uma mulher gentil e sempre alegre, é uma dor imensa. Nada preenche esse vazio”, relata Breno.
Maria das Graças, viúva do motorista Luciano de Queiroz, ainda encontra dificuldades para seguir adiante. “Hoje acordei chorando, tenho muita saudade. Preciso me levantar todo dia e continuar”, lamenta. Ela afirma que Luciano estará sempre presente na sua memória, pois costuma assistir a vídeos feitos dias antes do acidente, relembrando os momentos com o marido.
A Polícia Civil concluiu que o desastre não foi causado por falha mecânica, mas sim por um erro humano do condutor, que foi apontado como responsável pelo incidente. Por outro lado, o Ministério Público de Alagoas apontou uma série de negligências por parte do poder público, incluindo a superlotação do veículo, o uso do ônibus para transporte escolar, que não era sua finalidade, e a ausência de treinamentos adequados para o condutor em vias íngremes.
Além disso, o MP revelou que Luciano de Queiroz havia reportado problemas mecânicos no ônibus dias antes do acidente. A esposa dele, Maria das Graças, confirmou que Luciano havia alertado sobre as condições inseguras do veículo ao subir a serra.
Em resposta às investigações, o Ministério Público solicitou a condenação do município de União dos Palmares, requerendo indenizações por danos materiais e morais às vítimas, além de uma compensação de R$ 5 milhões ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, por danos coletivos.
O juiz Douglas Beckhauser de Freitas, da 1ª Vara Cível do município, determinou em 15 de outubro que a prefeitura seja responsável por fornecer atendimento médico especializado, incluindo exames, cirurgias, internações, medicamentos e acompanhamento domiciliar caso necessário.
Para que os beneficiários tenham acesso a esses serviços, é preciso apresentar relatórios médicos detalhados. O município deve custear ou reembolsar as despesas em até 15 dias após a requisição.
Desde a decisão, a administração municipal teve 15 dias para cumprir as determinações; o não cumprimento acarretará uma multa de R$ 5 mil por vítima. A prefeitura não apresentou recurso até a data limite de 15 de novembro. A imprensa procurou o setor de comunicação da prefeitura para obter informações sobre as ações de segurança adotadas após o acidente e o cumprimento das ordens judiciais, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
Em seu site oficial, a gestão municipal informou que entre 29 de novembro e 5 de dezembro de 2024 foram implementadas medidas para evitar novos episódios trágicos. Entre elas, a proibição de circulação de ônibus na plataforma da serra e a instalação de sinalizações informativas no local.
Além dessas ações, a prefeitura ofereceu serviços de assistência social, assim como atendimento médico e psicológico às famílias afetadas. A manutenção da estrada por onde o ônibus caiu é de responsabilidade do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), que declarou estar realizando os trabalhos de conservação.
Entretanto, o órgão afirmou que não conseguiu promover mudanças estruturais no trecho devido ao fato de a área ser considerada patrimônio cultural do Brasil e do Mercosul.
Para marcar o primeiro aniversário da tragédia, será inaugurado nesta segunda-feira, 24 de novembro, um memorial dedicado às vítimas. A cerimônia está prevista para às 16h, com o objetivo de expressar solidariedade às famílias afetadas e preservar a memória coletiva do episódio.