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Atualidade
24/11/2025 18:00:00

O que se sabe sobre o vazamento de plano dos EUA para acabar com a guerra na Ucrânia

O que se sabe sobre o vazamento de plano dos EUA para acabar com a guerra na Ucrânia

O vazamento de um esboço do plano de paz elaborado pelos Estados Unidos para encerrar a guerra entre Rússia e Ucrânia revelou propostas sensíveis, como a entrega a Moscou das porções do Donbas que ainda permanecem sob controle ucraniano. Versões recentes do documento também sugerem que o efetivo das Forças Armadas da Ucrânia seja reduzido para 600 mil militares. As informações levantam dúvidas sobre quais seriam os impactos desse plano e quem sairia mais favorecido com sua implementação.

O rascunho apresenta 28 pontos principais, alguns aparentemente aceitáveis para Kiev e outros definidos como vagos. O texto prevê a confirmação da soberania ucraniana, um acordo de não agressão envolvendo Rússia, Ucrânia e Europa, garantias de segurança consideradas confiáveis e a convocação de eleições antecipadas dentro de cem dias. O documento ainda propõe que uma nova ofensiva russa resulte em uma resposta militar coordenada, reativação das sanções e cancelamento imediato do acordo. Embora eleições sejam impossíveis durante a lei marcial, teoricamente poderiam ocorrer caso o tratado fosse assinado. Contudo, as garantias de segurança não especificam quem as ofereceria nem o grau de compromisso, ficando muito aquém de um pacto semelhante ao Artigo 5 da Otan, que transformaria um ataque à Ucrânia em um ataque a todos. Kiev considera insuficiente qualquer promessa ampla demais.

Entre as propostas mais polêmicas está a entrega de cidades importantes do Donetsk que não estão ocupadas, como Slovyansk, Kramatorsk e Druzhkivka, onde vivem cerca de 250 mil pessoas. O texto diz que a retirada ucraniana criaria uma zona desmilitarizada reconhecida como território russo, sem entrada de tropas de Moscou. No entanto, dificilmente a sociedade ucraniana aceitaria ceder regiões estratégicas que a Rússia tenta conquistar há mais de um ano. O rascunho também propõe limitar o Exército ucraniano a 600 mil integrantes, número inferior aos cerca de 880 mil militares ativos registrados no início do ano. Para Kiev, impor limites às suas forças viola o direito de autodefesa e fere sua soberania; já para a Rússia, mesmo essa redução pode ser vista como insuficiente.

Outro trecho sugere que Crimeia, Luhansk e Donetsk sejam reconhecidos como territórios de facto russos, inclusive pelos EUA, embora sem obrigatoriedade de reconhecimento legal pela Ucrânia. Isso permitiria a Kiev aceitar a formulação sem infringir sua Constituição, que estabelece fronteiras indivisíveis. O plano ainda propõe congelar as linhas de frente em Kherson e Zaporizhzhia, prevendo que a Rússia renuncie a algumas áreas ocupadas em outras regiões.

O documento também trata do futuro geopolítico da Ucrânia, propondo que o país registre em sua Constituição que não ingressará na Otan, enquanto a aliança incluiria uma cláusula vetando a entrada ucraniana. Em troca, Kiev teria acesso preferencial ao mercado europeu e manteria o status de país elegível à União Europeia. A Constituição ucraniana, porém, estabelece como objetivo estratégico integrar tanto a Otan quanto a UE, algo que Kiev considera inegociável. O rascunho ainda prevê que a Otan não mantenha tropas no território ucraniano e que caças europeus fiquem posicionados na Polônia. Também exige que a Ucrânia se comprometa a permanecer como Estado não nuclear.

Diversos tópicos do plano tratam da reintegração da Rússia ao cenário global, incluindo o retorno ao G8 e reaproximação econômica. Isso ainda parece distante: Moscou foi expulsa do então G7 após anexar a Crimeia em 2014, e o presidente russo enfrenta mandado de prisão internacional. Os países europeus demonstram pouca disposição para aceitar um retorno russo ao grupo.

O texto também propõe destinar US$ 100 bilhões dos ativos russos congelados a um fundo liderado pelos EUA para reconstruir a Ucrânia, com metade dos lucros indo para Washington e a Europa devendo contribuir com mais US$ 100 bilhões. A quantia parece insuficiente, já que o custo estimado de reconstrução do país ultrapassa US$ 524 bilhões. A União Europeia trabalha em seu próprio plano para utilizar parte dos valores congelados, que somam cerca de € 200 bilhões, atualmente sob custódia da Euroclear, na Bélgica. O rascunho sugere que o restante dos recursos forme um fundo conjunto EUA–Rússia, que devolveria parte do capital a Moscou enquanto geraria retorno financeiro para os Estados Unidos.

Chamam atenção ainda as lacunas do plano. Não há limites para o arsenal ucraniano nem para sua indústria militar. Apesar de uma cláusula que anula as garantias de segurança caso a Ucrânia ataque Moscou ou São Petersburgo, o texto não impõe restrições ao desenvolvimento de mísseis de longo alcance como Flamingo e Long Neptune.

Os EUA demonstram pressa em avançar com as negociações, estabelecendo um cronograma acelerado e sugerindo que a Ucrânia teria prazo até o feriado de Ação de Graças para responder. Mesmo assim, o secretário de Estado Marco Rubio afirmou que o documento ainda é um conjunto de ideias preliminares. A Alemanha também descartou tratá-lo como um plano finalizado após conversas com representantes envolvidos na elaboração. A União Europeia disse não ter recebido o texto oficialmente, e o Ministério das Relações Exteriores russo afirmou o mesmo.

A participação de Kirill Dmitriev, enviado especial russo, em longos encontros com o negociador americano Steve Witkoff levantou suspeitas de que o plano seria moldado para agradar Moscou. Putin afirmou que o texto poderia servir como base para um acordo, mas a postura russa permanece cautelosa. A proposta de ceder territórios ucranianos é vista como favorável ao Kremlin, embora o congelamento das linhas de frente no sul seja complexo, já que a Rússia incorporou Kherson e Zaporizhzhia à própria Constituição. O levantamento das sanções em etapas também pode frustrar Moscou, que preferiria um processo mais rápido.

O plano inclui ainda a proposta de anistia total para todos os envolvidos, medida vista com bons olhos pela Rússia e rejeitada pela Ucrânia e por países europeus. Outras exigências dirigidas à Otan podem parecer pouco específicas para satisfazer o Kremlin. Embora algumas concessões reflitam interesses russos, o documento tenta equilibrar posições ao propor, por exemplo, que ambos os países eliminem políticas discriminatórias e garantam direitos iguais a falantes de ucraniano e russo. Outra sugestão prevê que a energia da usina nuclear de Zaporizhzhia, atualmente sob controle russo, seja dividida igualmente entre os dois lados.