A discussão promovida pela redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025 sobre o envelhecimento populacional no Brasil reacendeu o interesse pela disciplina de Gerontologia. Atualmente, o país conta com apenas duas instituições de ensino superior que oferecem bacharelados nesta área, localizadas na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e na Universidade de São Paulo (USP).
O objetivo desses cursos é formar profissionais especializados na gestão de cuidados para idosos, promovendo uma compreensão integral do envelhecimento. A notoriedade do tema tem estimulado a curiosidade sobre como é a formação dos gerontólogos e quais ambientes profissionais eles podem atuar.
Essa profissão baseia-se no estudo do envelhecimento em suas diversas dimensões, promovendo uma abordagem holística do cuidado. Conforme explica a gerontóloga Anabel Machado C. A. Pilegis, que se formou na UFSCar, o gerontólogo funciona como um “gestor da jornada do envelhecer”, conectando serviços, equipes multidisciplinares, tecnologias e rotinas que asseguram autonomia, segurança e alta qualidade de vida para os idosos.
Segundo Anabel, “A Gerontologia é a ciência que investiga o processo de envelhecimento em suas várias facetas… físicas, cognitivas, emocionais, sociais, culturais e familiares”.
Ambos os cursos seguem uma estrutura similar de formação, buscando criar profissionais com uma visão ampla do envelhecimento, capazes de atuar em diversas áreas de saúde, sem se limitar a um único campo. Na UFSCar, a graduação é ministrada em regime diurno, com carga horária de 3.270 horas, das quais 3.000 são obrigatórias, e o restante dividido entre disciplinas optativas e atividades complementares.
Seu foco é formar um profissional humanista, crítico e reflexivo, preparado para lidar tanto com idosos saudáveis quanto com aqueles em situação de vulnerabilidade. O currículo combina fundamentos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, com experiências práticas em unidades básicas de saúde, centros-dia, Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), hospitais e programas comunitários já a partir do segundo ano.
No último ciclo, o estudante realiza estágio de livre escolha e apresenta o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), podendo assim direcionar sua atuação profissional. Já na USP, considerada a pioneira no Brasil na formação de gerontólogos, a proposta pedagógica é igualmente interdisciplinar e inclui estágios em unidades de saúde, assistência social, projetos comunitários e pesquisas aplicadas. O currículo destaca a importância da comunicação eficaz, do trabalho interprofissional e do planejamento de cuidados específicos para a pessoa idosa.
Na prática, o gerontólogo está preparado para atuar em múltiplas fases do cuidado, incluindo ações de prevenção, promoção, reabilitação, gestão de serviços e acompanhamento prolongado.
Ele avalia de forma detalhada aspectos funcionais, cognitivos, emocionais, sociais e ambientais, transformando essa análise em planos terapêuticos personalizados que orientam toda a rotina do cuidado. Suas atividades também envolvem estímulo cognitivo, inclusão digital para idosos acima de 60 anos, orientação contínua às famílias, combate ao etarismo, mediação de conflitos relacionados ao cuidado, organização de agendas e rotinas, além de coordenação com profissionais como geriatras, enfermeiros, psicólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas, além da gestão de centros-dia e ILPIs.
No dia a dia, isso se traduz em avaliações, atendimentos, reuniões multiprofissionais, planejamento de intervenções e ajustes nas estratégias de cuidado conforme a evolução do idoso. Anabel destaca que essa atuação é extremamente diversificada e dinâmica. O mercado de trabalho para gerontólogos ainda está em expansão, embora seja relativamente novo. As oportunidades incluem hospitais, clínicas especializadas, unidades de saúde com diferentes níveis de dependência, centros-dia, ILPIs e equipes de atenção domiciliar. Além disso, há uma demanda crescente por profissionais em projetos de estímulo cognitivo, ações comunitárias, organizações sociais e iniciativas voltadas à inclusão digital de idosos. Setores de inovação tecnológica também oferecem possibilidades para o desenvolvimento de soluções voltadas à longevidade. Muitos gerontólogos trabalham em consultorias, na educação em saúde e na formação de cuidadores. Como observa Anabel, a velocidade do crescimento dessa demanda supera a quantidade de profissionais formados atualmente, e ela brinca dizendo que “as empresas ainda não perceberam que precisam da gente”. Atualmente, ela atua em diferentes ambientes, incluindo consultório, atendimentos domiciliares e sessões online.
Sua atuação inclui estímulo cognitivo, inclusão digital, avaliações gerontológicas e cuidado centrado na pessoa, especialmente com idosos que apresentam demência. Além disso, Anabel desenvolve protocolos para empresas de saúde, participa de treinamentos e colabora com projetos de inovação na longevidade. Sua missão, segundo ela, é promover a autonomia, o bem-estar e a dignidade dos idosos, além de fortalecer toda a rede de cuidados.
O trabalho do gerontólogo transforma a rotina dos idosos ao estimular sua independência, prevenir quedas, elevar o humor, incentivar a participação social e garantir maior segurança diária. Para as famílias, a atuação profissional representa alívio, pois elas passam a entender melhor o que ocorre com seus entes queridos e recebem orientações práticas para o cuidado.
Anabel revela que ver a evolução de uma pessoa idosa, o alívio das famílias e a organização do cuidado reafirma sua convicção de ter escolhido a profissão certa. Ela reforça a urgência de ampliar a formação na área, diante do crescimento acelerado da população idosa no Brasil. Dados do Censo de 2022 mostram que o país possui mais de 32 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, o que representa um aumento de 56% em comparação a 2010.
A parcela de brasileiros com 65 anos ou mais já corresponde a 10,9% da população, uma elevação de 57,4% em pouco mais de uma década. O índice de envelhecimento, que mede a proporção de idosos em relação às crianças, passou de 30,7 para 55,2, significando que há atualmente 55,2 idosos para cada 100 crianças de 0 a 14 anos.
Com essa transformação demográfica rápida, a área de Gerontologia se torna não apenas uma carreira promissora, mas uma necessidade urgente para o Brasil. Como afirma Anabel, “O país está envelhecendo de forma acelerada, e muitas famílias ainda não sabem como lidar com essa nova realidade. Precisamos de profissionais especializados para atender a essa demanda crescente”.