19/11/2025 12:53:32

Educação
19/11/2025 11:00:00

Os dados que revelam o abismo entre ricos e pobres e brancos e negros no ensino médio do Brasil

Os dados que revelam o abismo entre ricos e pobres e brancos e negros no ensino médio do Brasil

Os contrastes na educação brasileira ficam evidentes quando se observa que, apesar de avanços recentes, ainda há um grande número de jovens que não concluem o Ensino Médio até os 19 anos. Um exemplo é o relato de Agatha Barroso Nunes, de 19 anos, que interrompeu seus estudos no segundo ano após enfrentar ansiedade, depressão e dificuldades de adaptação ao mudar de cidade e ser matriculada em uma escola prestes a se tornar cívico-militar. Jovem trans, ela lembra que problemas com colegas e um ambiente escolar desfavorável contribuíram para seu abandono. Agatha afirma que se sentia mal sempre que precisava ir às aulas e, apesar da irritação da mãe na época, acabou se afastando por completo da escola.

Assim como ela, um em cada quatro jovens brasileiros ainda não concluiu o Ensino Médio. Embora a taxa de conclusão tenha aumentado de 54,5% em 2015 para 74,3% em 2025, o índice permanece inferior ao observado no Ensino Fundamental, que passou de 74,7% para 88,6% no mesmo período, segundo estudo do Todos Pela Educação baseado em dados da Pnad Contínua e do IBGE. O levantamento, divulgado à BBC News Brasil, visa contribuir para discussões sobre o Plano Nacional de Educação 2025-2035.

O Ensino Médio só se tornou obrigatório no Brasil após uma emenda constitucional de 2009, com implementação iniciada em 2016, e muitos estudantes chegam a essa etapa acumulando defasagens, atrasos e reprovações, o que aumenta o risco de abandono, explica Manoela Miranda, gerente de Políticas Educacionais do Todos Pela Educação. Além disso, Claudia Costin, especialista em políticas educacionais, destaca que a universalização do Ensino Fundamental é recente, o que faz com que muitos pais de estudantes atuais tenham baixa escolaridade, influenciando negativamente a aprendizagem e a permanência dos filhos na escola. Costin ressalta, porém, que o aumento da conclusão do Ensino Médio é expressivo e está ligado à ampliação do acesso ao Ensino Superior, já que jovens passam a enxergar mais claramente a possibilidade de cursar uma faculdade e obter melhores salários. Dados da OCDE mostram que adultos com Ensino Superior ganham, em média, 148% a mais do que aqueles com apenas o Ensino Médio, diferença bem acima da média internacional.

Embora a taxa geral de conclusão tenha melhorado, a desigualdade permanece profunda. Entre os 20% mais ricos, a conclusão passou de 85,2% para 94,2% entre 2015 e 2025, enquanto entre os 20% mais pobres o salto foi de 36,1% para 60,4%. A diferença reduziu, mas ainda é grande: dos 49,1 pontos percentuais registrados em 2015, passou para 33,8 pontos no dado mais recente. Se nada mudar, ricos e pobres só terão a mesma chance de concluir o Ensino Médio em 2048. Entre os mais pobres, muitos estudantes não terminam porque ainda estão estudando, acumulando atrasos, ou porque precisam trabalhar. Entre eles, 8,3% abandonam para trabalhar, contra 2,8% entre os mais ricos, e 10,6% dizem não ter interesse, no comparativo com 1,5% entre os mais ricos.

Henry Gaudêncio Almeida dos Anjos, do Recife, exemplifica as dificuldades enfrentadas pelos jovens de baixa renda. Trabalhando desde os 15 anos, teve de abandonar a escola técnica, de tempo integral, aos 16 ou 17 anos, quando sua família enfrentou dificuldades financeiras após a separação dos pais. Sem programas como o Pé de Meia, lançado anos depois, Henry deixou os estudos para trabalhar como garçom, bartender e auxiliar administrativo.

Essa desigualdade também aparece nos dados por gênero. Entre meninas, a taxa de conclusão passou de 60,4% para 78,5% em dez anos, enquanto entre meninos o índice foi de 48,6% para 70,2%. Miranda explica que muitos garotos abandonam por falta de interesse ou para trabalhar, enquanto meninas sofrem evasão devido a gravidez precoce ou excesso de responsabilidades domésticas.

As desigualdades também são marcadas racialmente. Em 2025, a taxa de conclusão foi de 81,7% entre brancos e amarelos, contra 69,5% entre pretos, pardos e indígenas, uma diferença de 12,2 pontos percentuais. Pesquisadores estimam que, no ritmo atual de redução da desigualdade, a equiparação só ocorreria em 2041. Costin ressalta que o maior acesso de jovens negros e indígenas à universidade ajuda a criar referências positivas, mas também lembra que o aumento da autodeclaração desses grupos influencia os indicadores. Na análise regional, Norte e Nordeste registraram avanços significativos. No Nordeste, a taxa passou de 63,6% para 84,8%, impulsionada pela expansão das escolas de tempo integral. No Norte, subiu de 66,5% para 82,5%, graças a iniciativas como os centros de mídias do Amazonas, que levam aulas por satélite a áreas remotas. Ainda assim, as regiões seguem abaixo de Sudeste, Centro-Oeste e Sul, que têm índices de 92,7%, 91,9% e 88,4%, respectivamente.

Para acelerar esse progresso, especialistas defendem ampliar o ensino de tempo integral, que hoje corresponde a 24,2% das matrículas no Ensino Médio e 19,1% no Fundamental, segundo o Censo Escolar 2024. Mais horas permitem recuperar conteúdos defasados e evitar repetências, fatores ligados ao abandono. Costin afirma que também é necessário valorizar e formar melhor os professores e destaca a importância do programa Pé de Meia, que oferece R$ 200 mensais, R$ 1 mil ao fim de cada ano letivo e um adicional para quem faz o Enem, criando uma poupança que só pode ser acessada na conclusão do Ensino Médio. Em 2024, o programa atendia 3,95 milhões de alunos, metade das matrículas da etapa.

Miranda destaca ainda o Novo Ensino Médio, que se tornará obrigatório em 2026, ampliando a carga horária diária e permitindo que estudantes escolham itinerários formativos alinhados aos próprios interesses. Para ela, essa autonomia pode tornar a escola mais atraente e conectada à vida dos jovens.

Para Agatha e Henry, abandonar o Ensino Médio não significou o fim da trajetória escolar. Ambos recorreram ao Encceja para concluir os estudos e buscar novas oportunidades. Agatha aguarda confiante o resultado da prova, enxergando na certificação a chance de acessar vagas antes inviáveis. Henry concluiu o Encceja em 2023, ingressou em Direito pelo Prouni e trabalhou em um cartório como jovem aprendiz. Atualmente cursa Odontologia e celebra conquistas como o primeiro lugar em uma apresentação em congresso. Ele acredita que o estudo transformou sua vida, permitindo desde pequenas conquistas do cotidiano até novas perspectivas de futuro, mostrando que a educação continua sendo um dos caminhos mais decisivos para reduzir desigualdades no Brasil.