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Mundo
12/11/2025 04:00:00

Tensão crescente em torno da represa do Nilo: causas e consequências da controvérsia regional

A disputa pela gestão das águas do rio mais importante da África tem provocado debates diplomáticos e preocupações ambientais

Tensão crescente em torno da represa do Nilo: causas e consequências da controvérsia regional

Em setembro de 2025, a Etiópia revelou ao mundo a conclusão de sua gigantesca Barragem do Renascimento, uma obra que ela mesma declarou como um marco para as futuras gerações. Entretanto, essa mesma iniciativa gerou críticas e alarmes de países vizinhos, como o Egito e o Sudão, que enxergam a estrutura como uma ameaça à sua sobrevivência hídrica.

A seguir, esclarecemos os motivos por trás da construção e os impactos na região. Quando o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, realizou a cerimônia de lançamento oficial da Grande Barragem do Renascimento, no dia 9 de setembro, suas palavras ecoaram uma forte mensagem de orgulho e esperança.

"Esse reservatório representa uma riqueza superior ao Produto Interno Bruto da Etiópia. Nossa geração conquistou um feito grandioso com esta barragem. Chegou o fim da era da dependência e do subdesenvolvimento", declarou, dirigindo-se a uma plateia composta por funcionários públicos, jornalistas e líderes regionais.

Ao seu lado, a estrutura jorrava rios de água, acumulados em um reservatório com capacidade próxima a 74 bilhões de metros cúbicos, ocupando uma área de aproximadamente o equivalente a Londres. A barragem, que deve gerar entre 5.000 e 6.000 megawatts de energia elétrica, foi vista por Ahmed como uma oportunidade de crescimento conjunto para toda a região.

Apesar da grandiosidade do projeto, a ausência de representantes do Sudão e do Egito na cerimônia foi notada. Apenas um mês após a inauguração, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi afirmou, durante a Conferência da Semana da Água, no Cairo, que o Egito não aceitará ações consideradas irresponsáveis pela Etiópia.

Essa postura mostra o histórico de tensões, que já se arrasta há anos, desde os primeiros debates sobre o controle do rio, muito antes mesmo do início das obras em 2011. Historicamente, padrões de acordos sobre o Nilo têm sido desrespeitados pela Etiópia, segundo Abbas Sharaky, professor de geologia e especialista em recursos hídricos na Universidade do Cairo.

Ele destaca que aproximadamente 85% da água do rio, que convergentes para Cartum, originam-se nas altas terras etíopes, na bacia do Nilo Azul, uma região com águas mais lamacentas em comparação ao Nilo Branco, que nasce no Vale do Rift. Desde o início do século XX, diversos tratados foram assinados, incluindo o de 1902, durante a colonização britânica, que concedia ao Reino Unido, na época controlando várias colônias na região, o poder de vetar quaisquer construções upstream que pudessem restringir o fluxo de água para o Egito.

Os acordos posteriores de 1929 e 1959 favoreceram o Egito, atribuindo-lhe cerca de 55,6 bilhões de metros cúbicos de água por ano, o equivalente a 66% do total.

O analista egípcio Ahmed Morsey explica que, por décadas, a postura dos governantes egípcios e sudaneses foi de aceitar esses tratados, considerando-os permanentes. A construção do GERD representa a primeira grande contestação a esses acordos, sinalizando uma mudança no cenário diplomático.

A chegada do líder etíope Tsedenya Girmay à cena política trouxe esperança de uma nova abordagem, especialmente após a assinatura de uma declaração de princípios em 2015, que buscava evitar conflitos e garantir que a barragem não prejudicasse os países a jusante.

Contudo, problemas internos no Egito, Etiópia e Sudão têm dificultado avanços. O Egito, sob o comando de al-Sisi, mantém seu discurso de que a água do rio é vital para seus 115 milhões de habitantes, concentrados na maior parte ao longo do seu curso.

O risco de uma crise aumenta com a escalada dos conflitos internos na região, incluindo a guerra civil no Sudão, que influencia a postura do país na questão. O ativista Kholood Khair argumenta que o tema da barragem tem sido explorado politicamente por todos os lados como uma ferramenta de fortalecimento nacional, especialmente em momentos de fragilidade política e econômica.

Recentemente, em uma reunião com o líder das Forças Armadas sudanesas, Abdel Fattah Al-Burhan, no Cairo, a responsabilidade pelo aumento das inundações nos dois países foi atribuída ao projeto etíope, embora a Etiópia negue veementemente qualquer ligação.

Os debates entre eles vêm se tornando progressivamente mais coordenados, refletindo a complexidade da disputa. Paralelamente, a União Europeia tem buscado desempenhar um papel de mediadora, evidenciado por uma visita de al-Sisi à Bruxelas em outubro. Durante a cúpula, a UE reafirmou seu apoio à segurança hídrica do Egito e ao direito internacional, incluindo o tratamento da barragem.

Essa mudança na postura da UE, que anteriormente adotava uma abordagem mais neutra, ocorre em meio às consequências da crise na região de Tigray, onde a guerra civil entre 2020 e 2022 prejudicou o diálogo. A dependência do Egito por parte da União Europeia também tem aumentado, uma vez que o bloco valoriza a estabilidade na região por motivos diversos, como a resolução de conflitos em Gaza, Líbia e Sudão, além do fornecimento de energia por gás natural e renováveis. Essa relação favorece a posição do Egito na disputa pelo controle do rio.

Segundo o analista Corrado ?ok, a política da UE virou-se de forma mais favorable ao Cairo, que também tem usado a questão como instrumento de negociação com os Estados Unidos. Al-Sisi, por sua vez, busca manter sua influência na política internacional, enquanto enfrenta dificuldades internas e pressões externas na busca por seus objetivos estratégicos.

Diante desse cenário, a crise em torno do controle do Nilo permanece como um desafio diplomático de alta complexidade, refletindo interesses nacionais, regionais e globais em um jogo de poder que ainda não encontrou solução definitiva.