São três horas da manhã e o sono desaparece. Suores e calafrios confirmam que algo está errado. Um calor intenso toma o corpo, enquanto tremores percorrem a espinha. “É apenas uma febre”, você pensa.
A febre, uma resposta evolutiva que existe há mais de 600 milhões de anos, acompanha inúmeras infecções causadas por vírus, bactérias e fungos. Quase todo mundo já passou por isso, seja em um simples episódio de gripe ou em doenças mais sérias.
Durante séculos, esse sintoma intrigou médicos e cientistas. Só no século 20 a humanidade compreendeu completamente como o corpo a produz.
Entre os povos antigos, a febre era vista como uma doença em si, e não como um sinal de que algo estava errado. Gregos e romanos a tratavam com métodos como sangrias e restrições alimentares, práticas que se mantiveram até o século 19. A visão começou a mudar com a teoria dos germes, proposta por Louis Pasteur em 1861, quando o cientista francês demonstrou que micro-organismos eram os responsáveis por causar infecções.
Pasteur também foi pioneiro ao relacionar a falta de higiene hospitalar à transmissão de doenças. Durante um surto de infecção pós-parto em Paris, ele orientou médicos a lavar as mãos e esterilizar instrumentos, reduzindo drasticamente o número de mortes.
Hoje sabemos que a febre é parte da reação natural do organismo a uma ameaça. Ela serve como um alarme biológico que indica a presença de patógenos. Quando a temperatura sobe, o corpo se torna um ambiente hostil para vírus e bactérias, dificultando sua reprodução.
O professor Mauro Perretti, especialista em inflamações da Universidade Queen Mary, em Londres, explica que o corpo ajusta seu “termostato” interno para tornar o combate à infecção mais eficiente. Nesse processo, as células de defesa e as enzimas funcionam melhor, acelerando a recuperação.
Mas há um limite seguro. Abaixo de 35 °C, o corpo entra em hipotermia; acima de 40 °C, há risco de alucinações, convulsões e até morte. Por isso, embora a febre seja uma reação controlada, o aumento desregulado da temperatura — a chamada hipertermia — pode ser extremamente perigoso.
De modo geral, a febre dura pouco tempo e indica que o organismo está vencendo uma batalha contra a infecção. Ela faz parte da inflamação, acompanhada de dor, vermelhidão e inchaço, e representa um dos mecanismos mais antigos de defesa do corpo humano.
Crianças são mais suscetíveis porque ainda estão ajustando seu sistema de regulação térmica. O hipotálamo, responsável por controlar a temperatura, demora a responder aos chamados pirógenos — substâncias que provocam a reação febril.
Apesar de seu desconforto, a febre traz benefícios comprovados. Ela estimula as células imunológicas, como os leucócitos, e acelera as reações químicas envolvidas na defesa do organismo. Além disso, ao forçar o repouso, o corpo conserva energia para combater o inimigo invisível.
Diversas espécies animais também apresentam comportamento semelhante. Répteis buscam áreas mais quentes e peixes nadam em águas mornas quando estão doentes, o que aumenta suas chances de sobrevivência.
Contudo, o excesso de calor pode ser nocivo. Temperaturas corporais muito elevadas causam desidratação e podem danificar o DNA, como indicou um estudo de 2024 com camundongos. Em crianças, a febre alta pode provocar convulsões, geralmente sem consequências graves, mas que exigem atenção médica.
A febre também pode sinalizar doenças graves, como meningite, pneumonia ou sepse. Em casos assim, o sintoma é um alerta de que há algo mais sério acontecendo.
Embora a febre seja uma ferramenta poderosa do sistema imunológico, ela pode se tornar mortal quando foge do controle, situação conhecida como hiperpirexia. Nesses casos, há risco de falência de órgãos e morte.
Então, devemos sempre tratar a febre?
Nem sempre. Estudos recentes sugerem que reduzir a febre à força pode ser prejudicial. Durante a pandemia de covid-19, pesquisadores observaram que suprimir esse sintoma pode atrapalhar a resposta natural do corpo. Outro estudo, de 2014, concluiu que pessoas que controlam a febre da gripe com medicamentos tendem a espalhar mais o vírus, pois voltam às atividades normais antes de se recuperarem totalmente.
Por isso, especialistas como Mauro Perretti afirmam que, em casos leves, é melhor permitir que o corpo aja por conta própria durante um ou dois dias — sempre com acompanhamento médico.
A ciência ainda investiga exatamente quando é seguro deixar a febre seguir seu curso e quando ela precisa ser controlada. Mas, da próxima vez que você estiver suando e tremendo de calor, vale lembrar que seu corpo está apenas fazendo o que faz há milhões de anos: lutando para manter você vivo.