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Acidente
27/09/2025 14:00:00

Juventudes do Recife em ascensão: comunidade do Coque prepara jovens para palco internacional ao som da paz

Orquestra local, formada por adolescentes de áreas vulneráveis, embarca em turnê pela Ásia e Europa, promovendo esperança através da música

Juventudes do Recife em ascensão: comunidade do Coque prepara jovens para palco internacional ao som da paz

Na periferia do Recife, uma iniciativa transformadora vem conquistando corações e fronteiras. Jovens residentes do bairro do Coque, uma das regiões mais marcadas pela violência na cidade, estão prestes a representar a comunidade internacionalmente. A Orquestra Criança Cidadã, um projeto sem fins lucrativos que acolheu mais de mil crianças e adolescentes desde sua criação, selecionou 11 integrantes para uma turnê que passará por países da Ásia e Europa.

Entre os escolhidos está Callyandra Santos, de 17 anos, que aos 9 ingressou na orquestra. A adolescente, originária de uma comunidade que em 2006 tinha o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Recife, atualmente se prepara para tocar na turnê que inclui apresentações em Seul, Hiroshima, Osaka, Roma e no Vaticano, onde terá a oportunidade de tocar para o Papa Francisco.

A trajetória de Callyandra é marcada por desafios. Sua mãe, Sara Coutinho, de 47 anos, trabalha na madrugada em uma fábrica de refrigerantes a mais de uma hora de casa. Ela só consegue ouvir a filha ensaiar na hora do almoço, enquanto a menina treina com seu violoncelo.

Para Sara, essa experiência é única e enche seu coração de orgulho: "Fico muito feliz e orgulhosa". Sara é mãe solo e soube do projeto através do sobrinho Davi Andrade, que entrou na Orquestra aos 7 anos. Davi, formado em música pela UFPE e atualmente professor, também fará a turnê.

A influência do primo foi decisiva para Callyandra, que revela: “Na música, meu primo Davi sempre foi minha maior inspiração. Ele se tornou meu professor”. Com a perspectiva de seguir na mesma trajetória, a jovem planeja cursar música na universidade no próximo ano, carregando na memória as dificuldades diárias e a lembrança da avó, que faleceu na pandemia de Covid-19 em 2020.

"Quero mostrar às outras que nada foi em vão", afirma. Entre as peças que mais emocionam Callyandra está a 'Suitte para violoncelo nº 1' de Johann Sebastian Bach. Ao interpretar essa composição, ela sente uma conexão profunda entre passado, presente e futuro. Davi, seu primo e grande referência, relembra que aprendeu a tocar com o violoncelo apoiado, ainda muito jovem, pois o instrumento era maior que ele na época.

Aos 13 anos, percebeu que a música seria seu caminho, mudando sua história e da sua família. Atualmente, Davi é integrante da Niederbayerische Philharmonie Orchester, na Alemanha, onde reside desde que deixou o bairro do Coque.

Ele retorna ao Brasil frequentemente, visita antigos mestres e compartilha com os jovens suas experiências internacionais, motivando-os a acreditar na possibilidade de conquistar o mundo.

Ele acredita que a música desempenha um papel social crucial no bairro, ajudando a promover a paz em uma comunidade marcada por conflitos. Davi recorda que a orquestra foi criada há 19 anos pelo juiz João Targino, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, inicialmente para atuar com crianças em situação de rua.

A partir de então, evoluiu para um projeto que hoje contempla diversas nacionalidades, incluindo brasileiros, palestinos, israelenses, ucranianos e russos. O maestro José Renato Accioly, de 59 anos, destaca os desafios de unir jovens de diferentes origens culturais, mas ressalta que a música é uma linguagem universal.

O repertório inclui frevo, músicas brasileiras e composições de diversas nacionalidades, fortalecendo a cidadania e o sentimento de união. Outro destaque da turnê é Antonino Tertuliano, de 32 anos, que nasceu no bairro do Coque e começou na orquestra aos 14.

Atualmente, vive na Alemanha e atua na seção de contrabaixo da Niederbayerische Philharmonie. Sempre que visita o Brasil, encontra seus antigos professores e jovens músicos, incentivando-os a alcançar sonhos maiores.

Ele lembra que sua trajetória começou com uma caixa de sabão em pó e um lápis, instrumentos improvisados que o ajudaram a descobrir sua paixão pela música. Tertuliano afirma que o projeto social mudou sua vida e a de sua comunidade, oferecendo mais que uma carreira musical, uma nova perspectiva de futuro.

Para ele, a transformação do bairro se deu graças à iniciativa que iniciou com uma simples caixa de sabão em pó, simbolizando a ascensão e a esperança renovada. No bairro do Coque, Cleybson Silva, de 21 anos, também alcançou o sucesso através do projeto.

Chegou aos 13 e, em 2020, perdeu a mãe por Covid. Hoje, cursa licenciatura em música na UFPE e comenta que a orquestra mudou seu destino, afastando-o de perigos e promovendo uma nova visão de vida. Seu pai, Clayton Oliveira, de 44 anos, trabalhava como instalador de câmeras, e lembra que, antes, criar um filho no bairro era uma tarefa difícil devido à violência, com tiroteios frequentes.

Com o avanço na sua formação, Cleybson também é exemplo de superação. Seu irmão mais novo, Bernardo, de 7 anos, já participa da orquestra. A jovem Ana Clara Gomes, de 17 anos, descobriu sua paixão pela viola na igreja evangélica que frequenta, e desde pequena desenha notas musicais na parede. Com uma dedicação intensa, ela se preparou para uma oportunidade de viajar ao exterior, estudando incessantemente as obras de Camargo Guarnieri.

Em seu bairro, com casas simples e fios caídos, ela conquistou seu espaço na música, adquirindo seu próprio instrumento após um ano de esforço com prestações. Pedro Martins, de 21 anos, também começou com uma caixa de sabão em pó e um lápis, que usava como substituto do violino.

Ouvir o pai tocando violão na sala foi seu primeiro contato com a música. Sem computador ou celular na infância, transformava sua sala em palco, buscando inspiração. Hoje, seu pai George Silva, de 41 anos, orgulha-se da evolução do filho, que cursa música na UFPE e viaja o mundo levando sua arte.

Ele lamenta que muitos amigos e familiares tenham sido vítimas de drogas e violência, mas enxerga na música uma esperança de mudança para o bairro, que se torna cada vez mais distante do passado tumultuado. Antes de embarcar na turnê, Pedro expressou a alegria de ver a trajetória de sua família transformada, reforçando a força da persistência e do apoio familiar na conquista de sonhos.

Assim, a orquestra do Coque continua a promover não apenas música, mas uma mensagem de paz e resiliência, simbolizando que, mesmo nas adversidades, a esperança pode tocar o coração de todos.