Cosme e Damião são figuras que integram o extenso panteão de santos populares na tradição católica, cuja veneração começou nos primórdios do cristianismo, durante as perseguições romanas aos fiéis.
Embora a narrativa sobre suas vidas seja derivada principalmente da tradição oral e religiosa, há também registros históricos que apoiam sua existência.
A tradição afirma que eles eram irmãos gêmeos, possivelmente nascidos na região que hoje corresponde à Turquia ou à Síria, e atuaram como médicos itinerantes, oferecendo cura a quem precisava sem cobrar por seus serviços.
A origem da devoção a esses santos remonta ao século IV ou V, com evidências de culto que apontam para esse período. Segundo Filipe Domingues, especialista em assuntos vaticanos e vice-diretor do Lay Centre em Roma, o culto a Cosme e Damião foi consolidado nesse intervalo, com forte presença e reconhecimento na Igreja.
O autor do livro 'Os Santos de Cada Dia', J. Alves, destaca que os gêmeos figuram na lista de martirizados do cristianismo primitivo, tendo vivido provavelmente entre os séculos I e III.
Sua fama aumentou devido às suas ações de cura sem remuneração, o que reforçou sua popularidade e notoriedade.
Através dos séculos, a memória dos irmãos foi preservada graças à tradição de celebrar seus testemunhos de fé e martírio em missas e festivais. A 'Legenda Aurea', compilada por Jacopo de Varazze por volta de 1260, descreve-os como exemplos de virtude, com Cosme sendo considerado um modelo de pureza e Damião como alguém que praticava a doutrina com mansidão, além de ser visto como instrumento divino de cura.
Relatos antigos descrevem que ambos eram irmãos, que atuaram como médicos cristãos, praticando a medicina com destreza e altruísmo, recusando qualquer pagamento.
Essa postura os colocou entre os 'santos anárgiros', ou seja, inimigos do dinheiro e da riqueza, que promoviam a caridade como forma de evangelização. Durante o período de perseguição sob o imperador Diocleciano, por volta do ano 300, Cosme e Damião teriam sido martirizados após uma série de torturas. Segundo 'Il Santo Del Giorno', de Mario Sgarbossa e Luigi Giovannini, eles teriam falecido na antiga cidade de Cirro, na Síria, hoje em ruínas.
A narrativa de seu martírio varia entre relatos, mas a maioria concorda que eles foram mortos com golpes de espada após resistirem a torturas, tendo sido também descritos como milagrosamente protegidos de certos suplícios, com relatos de pedras que se voltavam contra seus perseguidores e flechas que ricocheteavam.
Na cultura popular, especialmente no Brasil, São Cosme e Damião tornaram-se associados ao dia 26 de setembro, quando é tradicional presentear crianças com doces, uma prática que remonta ao sincretismo religioso e às heranças das crenças africanas.
Essa tradição, explica Filipe Domingues, tem raízes no sincretismo com os orixás Ibeijis, considerados filhos de Xangô e Iansã, ligados à força vital, à alegria e às brincadeiras infantis.
O teólogo Alves acrescenta que, no Brasil, o costume de distribuir doces também funciona como uma espécie de oferenda, um agradecimento pelos milagres atribuídos aos santos. Essa prática está relacionada à antiga cultura de veneração de divindades da cura na antiguidade, como Serápis e Asclépio, de origem helenística e romana. A conexão entre os santos e esses deuses pagãos teria ocorrido no século VI, quando a Igreja buscava adaptar cultos tradicionais, transformando figuras de veneração antiga em santos cristãos, incluindo aqueles ligados à medicina e cura.
Seus milagres de cura, especialmente o relato de um transplante de perna realizado por eles após a morte, alimentaram histórias de feitos sobrenaturais ao longo dos séculos. Algumas versões dizem que o milagre foi causado por um sacristão que sonhou com a cura e, posteriormente, relatou a recuperação, enquanto outras afirmam que o próprio ato milagroso ocorreu em vida.
Estes relatos de milagres reforçam a tradição de que os irmãos eram médicos devotos, dedicados ao cuidado gratuito dos doentes e à propagação da fé cristã, o que contribuiu para sua canonização e veneração até os dias atuais.
A representação artística de Cosme e Damião, como a obra de Gerard Seghers do século XVII, retrata-os na sua forma mais reconhecida, reforçando sua imagem de santos milagrosos e curadores.