Médicos anunciaram que, pela primeira vez, conseguiram tratar com sucesso a doença de Huntington, considerada uma das mais cruéis enfermidades conhecidas. A condição é hereditária, destrói células do cérebro e combina sintomas semelhantes à demência, ao Parkinson e à doença do neurônio motor.
Os pesquisadores relataram forte emoção ao apresentar dados que indicam uma redução de 75% na velocidade de progressão da doença. Isso significa que o declínio esperado em apenas um ano passaria a ocorrer em quatro, garantindo aos pacientes décadas adicionais de qualidade de vida, segundo a professora Sarah Tabrizi, do University College de Londres (UCL).
O tratamento consiste em uma terapia genética aplicada por meio de delicada neurocirurgia, que pode durar até 18 horas. O procedimento envolve a introdução de um vírus modificado em regiões específicas do cérebro, que atua como um “mensageiro”, levando novas instruções de DNA para as células. Assim, os neurônios passam a produzir fragmentos capazes de neutralizar a proteína huntingtina mutante, responsável pela destruição cerebral.
A doença costuma se manifestar entre os 30 e 40 anos e geralmente é fatal em até 20 anos. Para Tabrizi, os resultados são “espetaculares”, superando todas as expectativas da equipe. Os pacientes tratados não tiveram seus nomes revelados, mas um deles, que já estava aposentado por invalidez, voltou a trabalhar. Outros, que deveriam estar em cadeira de rodas, seguem andando.
Entre os voluntários está Jack May-Davis, de 30 anos, portador do gene da doença e filho de Fred May-Davis, que morreu aos 54 anos após longo declínio causado pelo Huntington. Ele descreveu o avanço como “absolutamente incrível” e afirmou que, pela primeira vez, consegue imaginar um futuro mais longo e feliz.
Os testes, realizados em 29 pessoas, mostraram que três anos após a cirurgia houve queda de 75% no ritmo de progressão da doença, além de sinais de preservação das células cerebrais. Um marcador da morte de neurônios, os níveis de neurofilamentos no fluido espinhal, não apenas deixou de aumentar como caiu em relação ao início do estudo.
O neurologista Ed Wild, também do UCL, classificou os resultados como “de tirar o fôlego” e destacou o impacto que essa descoberta pode ter nas famílias. Apesar disso, houve registros de efeitos adversos como inflamações, confusão mental e dores de cabeça, revertidos de forma espontânea ou tratados com esteroides.
Especialistas ressaltam que o tratamento tende a ser duradouro, já que as células cerebrais não se renovam como as do sangue ou da pele. Estima-se que 75 mil pessoas sofram com Huntington na Europa e nos EUA, enquanto no Brasil o Ministério da Saúde calcula entre 13 e 19 mil portadores do gene e até 95 mil pessoas em risco.
A empresa responsável, a uniQure, planeja solicitar autorização nos Estados Unidos no início de 2026, com o objetivo de lançar o medicamento até o final do ano. A negociação com Reino Unido e União Europeia virá em seguida. O diretor médico da companhia, Walid Abi-Saab, afirmou que os resultados têm potencial de “transformar fundamentalmente” a vida dos pacientes, embora o tratamento seja caro e complexo.
Ainda não há estimativa de preço, mas terapias genéticas costumam ter custos milionários. No Reino Unido, o sistema público de saúde chega a pagar 2,6 milhões de libras por paciente em casos de hemofilia B.
Para Tabrizi, esta é apenas a primeira etapa. Ela já trabalha em estudos preventivos com pessoas que carregam o gene, mas ainda não apresentam sintomas, buscando atrasar ou até impedir o desenvolvimento da doença. Segundo ela, os voluntários que participaram do teste foram “muito corajosos” e abriram caminho para uma nova era no tratamento do Huntington.