Nos Estados Unidos, a doença de Chagas tem apresentado uma progressão preocupante, atingindo oito estados do sul e sendo considerada agora uma condição endêmica no país. Essa expansão ocorre em meio ao aumento das temperaturas, que favorece a proliferação do inseto vetor, conhecido popularmente como barbeiro. A transmissão da enfermidade é causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, detectado em diferentes espécies de insetos hematófagos chamados de barbeiros.
Eles receberam esse nome devido ao hábito de picar o rosto de indivíduos durante o sono, principalmente áreas de pele mais delicadas, como lábios e pálpebras. O modo de transmissão não ocorre pela simples picada, mas pelas fezes do inseto, que podem conter o parasita.
Quando o barbeiro deposita suas fezes ao se alimentar, o protozoário pode ser transferido para a pele ou mucosas ao coçar a ferida ou ao esfregar os olhos, facilitando a entrada do parasita no organismo.
Além da transmissão via inseto, infecções também podem ocorrer por transfusões de sangue, transplantes de órgãos ou durante a gravidez, com o parasita podendo passar da mãe para o bebê. Segundo estudos publicados em setembro na revista científica Emerging Infectious Diseases, por pesquisadores do CDC, a doença de Chagas já é considerada endêmica nos EUA, indicando que não se trata mais de uma condição importada, mas de um risco contínuo à saúde pública local.
Essa mudança de classificação implica novas estratégias de monitoramento, pesquisa e tratamento, já que o conhecimento sobre a enfermidade no país ainda é limitado e os testes diagnósticos disponíveis são escassos. O aumento de casos é atribuído ao aquecimento global, que eleva as temperaturas e cria condições ideais para a expansão do vetor. Historicamente, a doença recebeu seu nome do cientista brasileiro Carlos Chagas, que a identificou em 1907, detalhando seu ciclo de transmissão, os hospedeiros, as manifestações clínicas e a incidência.
Embora seja endêmica em 21 países do continente americano, incluindo o Brasil, a doença deixou de ser uma enfermidade exclusiva de regiões tropicais. A migração, o fluxo de sangue por transfusões e o comércio internacional permitiram sua chegada à Europa e à América do Norte, com estimativas apontando cerca de 6 mil pessoas infectadas na Espanha e centenas de milhares nos EUA.
A Organização Mundial da Saúde estima que mais de 7 milhões de pessoas estão infectadas globalmente, com cerca de 10 mil mortes anuais atribuídas à doença, sendo que mais de 90% dos portadores permanecem sem diagnóstico. A enfermidade é mais comum em áreas rurais ou com condições precárias de saneamento, onde habitações de adobe ou madeira oferecem condições favoráveis ao vetor, levando a OMS a classificar a doença como uma condição negligenciada.
As notícias vindas dos EUA têm aumentado a atenção internacional para o problema. A fase inicial da infecção costuma ser assintomática ou apresentar sintomas leves, como febre e fadiga, além de inchaços na região da ferida, muitas vezes na pálpebra. Essas manifestações desaparecem, mas o parasita permanece no corpo, podendo, anos depois, causar complicações severas, incluindo miocardite, insuficiência cardíaca, arritmias, além de alterações na estrutura do esôfago e do cólon.
Aproximadamente 30% dos infectados desenvolvem essas sequelas, e a ausência de tratamento eleva o risco de mortalidade, especialmente em bebês, crianças e indivíduos imunocomprometidos.
Para diagnóstico, na fase aguda, é possível identificar o parasita no sangue por meio de exames microscópicos. Em fases posteriores, os testes de anticorpos representam a principal ferramenta diagnóstica.
No momento, não há vacina disponível. O tratamento envolve medicamentos antiparasitários, como nifurtimox e benznidazol, eficazes na fase inicial, embora possam causar efeitos adversos graves. Nos EUA, esses medicamentos só podem ser utilizados em ambiente hospitalar, e nos casos crônicos, a terapia serve principalmente para aliviar os sintomas, já que a cura ainda não é plenamente possível.
A doença também impacta animais domésticos e selvagens, incluindo cães, gatos, ratos, tatus e gambás, considerados hospedeiros importantes na cadeia de transmissão. Estados como Texas e Califórnia vêm reportando um aumento nos casos de cães infectados, indicando que o parasita já circula estabelecidamente na região sul do país.
Para prevenir a infecção, recomenda-se a adoção de medidas rigorosas de proteção contra insetos, como o uso de telas tratadas com inseticidas, vedação de paredes e controle de pragas específicas nas áreas afetadas.
Quanto aos animais de estimação, há orientações veterinárias para o uso de medicamentos contra pulgas e carrapatos. Além disso, muitos países passaram a realizar testes rotineiros de doações de sangue, visando evitar a transmissão por transfusão.