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22/09/2025 07:00:00

Atividades de extração na Amazônia alimentam crime organizado e corrupção institucional

Operações recentes revelam conexões entre garimpo ilegal, tráfico de drogas e esquemas de corrupção no sul do estado

Atividades de extração na Amazônia alimentam crime organizado e corrupção institucional

O movimento de mineração irregular na região amazônica representa uma ameaça que transcende a simples atividade de ribeirinhos, frequentemente vinculada ao crime, embora essa relação seja muitas vezes minimizada.

Recentemente, uma operação conjunta entre a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional, ocorrida nesta semana, ganhou ampla repercussão no país, especialmente após as explosões de balsas nos municípios de Manicoré e Humaitá, situados na porção sul do Amazonas (Imagem: Divulgação/Polícia Federal).

O garimpo clandestino na Amazônia não se limita às ações de comunidades ribeirinhas; investigações atuais indicam que as maiores organizações criminosas do Brasil estão diretamente envolvidas nesse mercado, um fenômeno denominado de “narcogarimpo”. Essa atividade ilícita é sustentada por esquemas de corrupção que atuam na região, segundo estudos recentes.

O relatório 'Cartografias da Violência na Amazônia', produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), indica que o termo “narcogarimpo” foi cunhado a partir de informações da Polícia Federal em 2021, durante a operação Narcos Gold. Entretanto, a ligação entre o tráfico de drogas e o garimpo ilegal remonta, pelo menos, aos anos 90.

O documento aponta que a chegada de organizações criminosas oriundas do Rio de Janeiro, como o Comando Vermelho (CV), e de São Paulo, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), às terras amazônicas na última década, intensificou a relação entre o comércio de drogas e a exploração ilegal de ouro. Além de traficar substâncias ilícitas, essas facções passaram a compartilhar infraestrutura logística, incluindo pistas clandestinas, portos ilegais e outros pontos de escoamento da produção de minérios e drogas.

Especialistas afirmam que, em estados como Amazonas e Acre, grupos como o PCC procuram ampliar seus negócios por meio do garimpo, numa estratégia de expansão econômica. Martha Fellows, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), destaca que organizações criminosas estão se aproveitando da atividade para lavar dinheiro, dada a facilidade de transporte e o alto valor do ouro ilegal. Ela acredita que as ações governamentais atuais têm sido insuficientes para conter essa problemática, especialmente considerando os indícios de corrupção que envolvem agentes públicos.

Luiz Antonio, professor e especialista em conflitos socioambientais na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), comenta que a reação das autoridades locais às operações policiais, como a recente destruição de 171 balsas em Humaitá e Manicoré, demonstra uma compreensão distorcida da situação. Segundo ele, há uma inversão de papéis, onde o combate ao crime é visto como uma ameaça ao poder público, que muitas vezes apoia ou tolera atividades ilegais devido a interesses econômicos locais, incluindo desmatamento, poluição hídrica, exploração sexual — inclusive de menores — e trabalho análogo à escravidão.

Além disso, há fortes indícios de corrupção institucional na cadeia do garimpo ilegal. Em março, a Polícia Federal iniciou a operação Ourives, que investigou uma milícia responsável pela comercialização clandestina de ouro, com suposto auxílio de agentes do Estado. A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas confirmou sua colaboração nas investigações, reafirmando o compromisso com a transparência e o cumprimento da lei.

Luiz Antônio reforça que o tráfico de ouro ilegal constitui uma oportunidade para lavagem de dinheiro, dada a sua alta cotação e facilidade de transporte. Segundo ele, o governo tem sido negligente na abordagem do tema, apesar de casos anteriores de agentes públicos envolvidos em roubos de minério. A conexão entre interesses econômicos ilícitos e a impunidade demanda maior atenção.

Especialistas como Martha Fellows destacam que o garimpo, que teve seu crescimento impulsionado na década de 1980, voltou a avançar entre 2018 e 2020, especialmente nas terras indígenas, impulsionado por propostas legislativas que buscavam flexibilizar a exploração mineral nessas áreas. Ela lembra que a persistência do garimpo ilegal exige alternativas econômicas sustentáveis para as regiões afetadas, pois ações repressivas por si só tendem a apenas deslocar a atividade para outros territórios, como ocorreu com a mudança de foco do garimpo na Terra Indígena Yanomami para áreas como a dos Munduruku.

Fellows aponta que a economia do garimpo só será efetivamente abolida com uma política de alternativas viáveis e uma regulamentação clara. Ela critica o procedimento burocrático e oneroso que impede pequenos garimpeiros de se regularizarem, muitas vezes empurrando-os para a informalidade, o que acaba beneficiando os criminosos que financiam essas operações. A especialista defende uma abordagem que combine fiscalização rigorosa com incentivos para que os trabalhadores possam atuar de forma legal e digna.