Uma investigação de ponta envolvendo 249 indivíduos demonstrou que uma única aplicação do antibiótico penicilina G benzatina (BPG) é capaz de curar a sífilis em seus estágios iniciais, especialmente durante os períodos de maior risco de transmissão. De acordo com os resultados publicados na revista The New England Journal of Medicine, cerca de 76% dos participantes apresentaram uma resposta imunológica adequada após apenas uma dose.
Globalmente, mais de um milhão de brasileiros entre 15 e 49 anos receberam diagnósticos de infecções sexualmente transmissíveis (IST) de 2022 a 2024, com a sífilis figurando entre as doenças mais frequentes. A pesquisa, apoiada pelos Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, revelou que uma única aplicação de BPG foi suficiente para tratar a fase inicial da doença de maneira efetiva. Esses dados indicam que as doses adicionais, tradicionalmente usadas na terapia convencional, podem não ser sempre necessárias, segundo as conclusões do estudo. Os achados representam um avanço importante no tratamento e sugerem a possibilidade de estratégias mais simples e eficientes.
De acordo com os autores do estudo, a evidência reforça que uma única administração de 2,4 milhões de unidades internacionais (MU) de BPG tem eficácia equivalente às três doses padrão geralmente recomendadas para o tratamento da sífilis inicial. Ainda assim, eles ressaltam que é preciso aprofundar as pesquisas para entender todo o potencial dessa abordagem de tratamento reduzido, bem como sua aplicabilidade em estágios mais avançados, incluindo a fase latente de duração desconhecida e a neurossífilis. Carolyn Deal, responsável pelo departamento de doenças infecciosas do NIH, afirmou que esse método pode facilitar a ampliação do acesso ao tratamento, especialmente enquanto as altas taxas de sífilis persistem no Brasil e em outros países.
Pesquisas recentes reforçam que a sífilis também aumenta o risco de aquisição e transmissão do HIV, vírus responsável pela AIDS. O BPG permanece como um dos poucos antibióticos eficazes contra a doença, mas sua escassez é comum globalmente. Para combater esse problema, o medicamento está sendo importado pelos Estados Unidos, em função da crise de desabastecimento.
O estudo foi realizado em 10 diferentes regiões dos EUA, envolvendo 249 indivíduos com sífilis inicial — incluindo os estágios primário, secundário e latente. Entre esses participantes, 61% conviviam com HIV, e 97% eram do sexo masculino. Todos foram acompanhados para garantir a segurança do procedimento, e indicadores de sucesso, conhecidos como resposta sorológica, foram avaliados após seis meses do tratamento.
Os resultados mostraram que 76% dos voluntários que receberam a dose única apresentaram resposta sorológica positiva. Uma pessoa desenvolveu neurossífilis três dias após a administração e foi excluída da análise final. Embora tenham ocorrido três eventos adversos graves, estes não estavam relacionados ao uso do antibiótico. Edward W. Hook III, professor aposentado de medicina e epidemiologia na Universidade do Alabama, destacou que, apesar de a sífilis estar sendo estudada há mais de um século e o BPG ser utilizado há mais de 50 anos, ainda há espaço para aprimorar as estratégias de tratamento.
Para especialistas ouvidos pelo Correio, a prevenção eficaz das ISTs depende de informações acessíveis e campanhas educativas. O uso consistente de preservativos — masculinos ou femininos — e a aplicação de lubrificantes à base de água são considerados essenciais na rotina de proteção. Além disso, a realização de testes periódicos, mesmo na ausência de sintomas, é fundamental. Pessoas infectadas devem não só tratar suas próprias parcerias, mas também considerar a imunização contra HPV e hepatite B, além de práticas como a profilaxia pré e pós-exposição (PrEP e PEP).
A atenção a sinais ou sintomas na região genital, a busca rápida por assistência médica e o diálogo aberto e sem tabus sobre saúde sexual são estratégias-chave para a prevenção. O acesso a informações de qualidade é apontado como uma das maneiras mais eficazes de evitar a transmissão da sífilis e outras ISTs.