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Justiça
09/09/2025 22:00:00

Volkswagen condenada por trabalho escravo: "Justiça feita"

Volkswagen condenada por trabalho escravo:

A Justiça do Trabalho do Pará condenou a Volkswagen a pagar R$ 165 milhões em indenização coletiva, a maior já imposta em um caso de escravidão contemporânea no Brasil. A decisão reconhece que, entre 1974 e 1986, trabalhadores foram submetidos a condições degradantes na Fazenda Vale do Rio Cristalino, em Santana do Araguaia (PA), de propriedade da montadora.

O juiz Otavio Bruno da Silva Ferreira concluiu que houve restrição de liberdade, servidão por dívida, trabalho forçado e jornadas exaustivas. O empreendimento, voltado para extração de madeira e criação de gado, contou com apoio da Ditadura Militar no contexto de ocupação da Amazônia.

Ex-funcionários relataram que eram aliciados por intermediários, enganados com promessas de emprego e obrigados a comprar equipamentos e mantimentos superfaturados na cantina da fazenda, o que os mantinha endividados. Muitos bebiam a mesma água que o gado e eram vigiados por homens armados para impedir fugas.

O depoimento de Raul Batista de Souza, hoje com 67 anos, foi decisivo para a condenação. Ele contou ter trabalhado meses sem salário, em situação de servidão, e acabou até sendo “vendido” a outra fazenda. Outro sobrevivente, José Ribamar Viana Nunes, lembrou que chegou adolescente ao local, presenciou castigos físicos e nunca teve acesso às condições prometidas, como poder jogar futebol no campo destinado apenas a funcionários diretos da empresa.

A sentença foi considerada histórica por procuradores e pesquisadores. Para Rafael Garcia Rodrigues, do Ministério Público do Trabalho, trata-se de uma reparação por graves violações de direitos humanos, que são imprescritíveis. O professor Ricardo Rezende Figueira, da UFRJ, que colheu depoimentos ainda na década de 1980, destacou a importância da condenação, embora critique a demora da Justiça e a ausência de punições na época.

Especialistas também apontam que a decisão reforça a necessidade de responsabilização não só do Estado, mas também de empresas que colaboraram com o regime militar. Em 2020, a Volkswagen já havia firmado um acordo de R$ 36,3 milhões para reparar ex-trabalhadores perseguidos em sua fábrica em São Bernardo do Campo (SP).

Apesar da condenação, a montadora anunciou que vai recorrer e nega todas as acusações. Em nota, declarou confiar na imparcialidade da Justiça brasileira.

Os relatos dos sobreviventes revelam que muitos só conseguiram escapar após tentativas arriscadas de fuga ou por intervenção de colegas. Décadas depois, eles ainda carregam as marcas da exploração. Para alguns, como Souza, a decisão representa um alívio tardio: “É muito difícil lembrar daqueles momentos, mas a gente acredita que está sendo feita justiça.”