Nos últimos dez anos, o Sistema Único de Saúde contabilizou 45.511 atendimentos de emergência relacionados a envenenamentos que resultaram em internação e, em muitos casos, em morte. Os dados fazem parte de um levantamento realizado pela Abramede (Associação Brasileira de Medicina de Emergência).
Entre 2009 e 2024, a média foi de 4.551 registros anuais, equivalente a 379 por mês ou 12,6 por dia, o que significa que a cada duas horas uma pessoa deu entrada em um pronto-socorro da rede pública por ingestão de substâncias tóxicas ou reações graves. Do total, 3.461 internações ocorreram por intoxicação proposital provocada por terceiros.
A Abramede destaca que esses números coincidem com os dez anos de reconhecimento da medicina de emergência como especialidade no Brasil, reforçando o papel dos emergencistas em situações críticas. “Muitos casos de intoxicação são intencionais, motivados por questões emocionais ou familiares, e não apenas acidentes”, explicou Camila Lunardi, presidente da entidade.
Episódios recentes ilustram a gravidade do problema, como o bolo com arsênio que matou quatro pessoas em Torres (RS), em dezembro de 2024, e a ceia de Ano-Novo em Parnaíba (PI), que deixou cinco mortos no início deste ano. Outros casos ganharam repercussão, como o ovo de Páscoa envenenado no Maranhão e o açaí contaminado no Rio Grande do Norte, que provocou a morte de uma bebê de oito meses.
Para a emergencista Juliana Sartorelo, medidas de fiscalização e regulamentação mais rígidas, além do combate ao comércio clandestino e do fortalecimento de políticas de suporte socioemocional, poderiam reduzir a ocorrência dos casos. Ela ressalta ainda que a agilidade no atendimento é crucial: “A prioridade não é descobrir de imediato a substância, mas garantir suporte de vida. Só após estabilizar o paciente é possível investigar o intoxicante para direcionar o tratamento”.
O levantamento revela ainda aumento expressivo nos últimos anos. Após queda entre 2015 e 2021, os números voltaram a crescer, atingindo os maiores picos em 2023 (5.523 registros) e 2024 (5.560). Entre as causas acidentais mais comuns estão medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios (2.225 casos), pesticidas (1.830), álcool (1.954) e anticonvulsivantes, sedativos e hipnóticos (1.941).
A distribuição geográfica aponta que o Sudeste concentrou quase metade dos atendimentos, liderado por São Paulo (10.161) e Minas Gerais (6.154). O Sul aparece em segundo lugar, com Paraná (3.764) e Rio Grande do Sul (3.278). No Nordeste foram 7.080 registros, com destaque para Bahia (2.274) e Pernambuco (949). O Centro-Oeste registrou 5.161 casos, sobretudo no Distrito Federal (2.206) e em Goiás (1.876). Já o Norte somou 3.980 atendimentos, com prevalência no Pará (2.047).
As internações por intoxicação proposital também tiveram maior concentração no Sudeste (1.513), seguido por Sul (551), Nordeste (492), Centro-Oeste (470) e Norte (435). São Paulo (754), Minas Gerais (500) e Pará (295) estão no topo da lista de ocorrências.
O perfil das vítimas indica predominância de homens (23.796 registros). Adultos jovens entre 20 e 29 anos foram os mais atingidos (7.313 casos), seguidos de perto por crianças de 1 a 4 anos (7.204). Nos extremos da vida, bebês de até um ano e idosos acima de 80 anos apresentaram os menores índices, ambos com 968 casos registrados.