O Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta terça-feira (2) o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e de outros sete ex-integrantes de seu governo, acusados de participação em uma tentativa de golpe de Estado. O processo, de caráter interno, ganhou contornos internacionais diante do envolvimento do presidente americano, Donald Trump, que tem feito declarações públicas em defesa de Bolsonaro e adotado medidas econômicas e diplomáticas que acirraram a crise entre Brasil e Estados Unidos.
Entre os réus, estão os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira e Braga Netto, além do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos. Também respondem Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens que fechou delação; e o próprio Bolsonaro. Todos negam as acusações de liderança de organização criminosa, golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e danos ao patrimônio público nos ataques de 8 de janeiro de 2023.
A influência dos EUA no caso se intensificou antes mesmo de Bolsonaro se tornar réu, quando Eduardo Bolsonaro viajou ao país em busca de apoio político. De lá, manteve encontros com autoridades, acusou o ministro Alexandre de Moraes de perseguição e defendeu anistia a envolvidos nos ataques. Em seguida, aliados de Trump passaram a criticar Moraes, chegando a classificá-lo como ameaça à democracia. O próprio Trump, em julho, afirmou que Bolsonaro era vítima de perseguição e anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, além de sanções contra ministros do STF.
Washington também abriu investigação comercial contra o Brasil, alegando práticas que prejudicariam empresas americanas de tecnologia e questionando decisões do STF que obrigaram plataformas digitais a bloquear perfis ligados a ameaças de golpe. O endurecimento da postura americana expôs a ligação entre Trump e Bolsonaro, relação que, segundo analistas, nasce da identificação de ambos como líderes que contestaram derrotas eleitorais e foram acusados de incitar invasões a sedes de Poderes em seus países.
Especialistas como Luciana Veiga, da UNIRIO, avaliam que Trump vê em Bolsonaro um reflexo de sua própria situação e age por empatia. Steven Levitsky, professor de Harvard, classifica a postura americana como intimidação baseada em “desinformação e arrogância”, diferente das intervenções de Estado promovidas pelos EUA durante a Guerra Fria.
No Brasil, a proximidade com Trump tem gerado desgaste para Bolsonaro. Pesquisa Genial/Quaest indica que 52% dos brasileiros acreditam que ele participou do plano golpista, alta em relação a levantamentos anteriores. Para 55%, sua prisão domiciliar é justa. A divulgação de áudios pela Polícia Federal, nos quais Bolsonaro condiciona negociações comerciais a um projeto de anistia, reforçou a percepção de que estaria usando os interesses do país para resolver questões pessoais.
Apesar disso, a base fiel do ex-presidente mantém a narrativa de perseguição. Entre eleitores de direita, a maioria rejeita a acusação de envolvimento em tentativa de golpe. Já no campo lulista e entre eleitores de centro, a leitura negativa sobre Bolsonaro cresceu. Esse cenário pressiona partidos a recalcular custos políticos de uma defesa aberta do ex-presidente.
Analistas consideram difícil que Bolsonaro escape de condenação, embora reste a dúvida sobre o tamanho da pena. Caso a decisão seja pela culpa, novas retaliações dos EUA não estão descartadas, como ampliação das tarifas ou mais sanções a autoridades brasileiras.
O tema do indulto presidencial também entrou em pauta. Embora o STF já tenha derrubado perdões em casos anteriores, aliados de Bolsonaro defendem que um eventual novo governo de direita em 2026 poderia anular a pena. Flávio Bolsonaro chegou a afirmar que o Supremo deveria respeitar um indulto, caso concedido.
Pesquisas já projetam cenários eleitorais para 2026. Levantamento AtlasIntel/Bloomberg mostra Lula com 44,1% das intenções de voto contra 31,8% do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, um dos nomes cotados do campo bolsonarista.
O julgamento que se inicia, portanto, terá impacto não apenas sobre o futuro político de Jair Bolsonaro, mas também sobre as relações do Brasil com os Estados Unidos e sobre a própria estabilidade institucional do país.