O Relatório da Democracia 2025, divulgado no último domingo, revelou que o número de regimes autoritários no mundo ultrapassou o de democracias ao final de 2024, registrando 91 estados autoritários contra 88 democráticos. O levantamento, realizado pelo Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo (Suécia), analisou 179 países e mostra que cerca de 72% da população mundial — aproximadamente 5,8 bilhões de pessoas — vivem atualmente sob autocracias, o maior índice desde 1978.
Procurados para comentar os dados, pesquisadores ouvidos por A Crítica afirmaram que apenas instituições sólidas e consistentes podem evitar a queda de democracias como a brasileira, que já passou por momentos de fragilidade desde o fim do regime militar.
A socióloga Marilene Corrêa, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), destacou que a sobrevivência da democracia depende de instituições que garantam liberdades democráticas e a alternância de poder. Para ela, é essencial que essas instituições sejam independentes e estejam atentas a riscos como a intolerância, o racismo, o sectarismo, o fundamentalismo, o nepotismo e outras práticas que podem comprometer o interesse público.
Além disso, Corrêa ressaltou a importância de denunciar a desinformação e a propagação de ideias sem base científica ou política, fatores que, segundo o relatório, figuram como graves ameaças ao funcionamento democrático, ao lado da polarização política.
Já o sociólogo Marcelo Seráfico, também professor da Ufam, avalia que o conceito de polarização precisa ser compreendido em contexto. Para ele, não se trata mais de uma disputa ideológica tradicional entre esquerda e direita, mas de um enfrentamento direto contra um autoritarismo classificado como “neofascista”, representado, segundo ele, por setores da extrema direita. Seráfico argumenta que autocracias concentram poder em determinados grupos sociais, restringindo a participação popular na vida política, econômica e cultural do país.
Ele também apontou que o Brasil, especialmente durante os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro, viveu um “laboratório autoritário”, com redução de direitos democráticos e pouca evolução na garantia de igualdade e liberdade em gestões anteriores. Segundo Seráfico, as democracias só se tornarão efetivas se avançarem para além da formalidade e se fortalecerem na defesa de conquistas universais.
O cientista político Helso Ribeiro acrescentou que a democracia é um sistema em constante aperfeiçoamento e que a ampliação do exercício da cidadania, incluindo a participação feminina, é essencial para frear tendências autoritárias. Para ele, a manutenção da democracia passa não apenas pelos governantes eleitos, mas também pelo funcionamento de instituições como a Justiça, o Ministério Público, os Tribunais de Contas e a sociedade civil organizada.
“A democracia não toca apenas o presidente, o governador, o prefeito e os parlamentares, ela diz respeito às instituições. Eu diria que, acima de tudo, o exercício efetivo da cidadania vai ajudar a frear, pelo menos um pouco, essas tendências autoritárias, autocráticas, e não deixar que a democracia morra”, reforçou Ribeiro.
Segundo o relatório, as autocracias se concentram no Oriente Médio, norte da África, Ásia do Sul e Central, e também na África Subsaariana, enquanto as democracias se mantêm mais comuns na Europa Ocidental, América do Norte, partes do Leste Asiático e Pacífico, além de algumas regiões da América do Sul e do Leste Europeu.
O levantamento também destacou que, em 2024, a violência política e os ataques aos meios de comunicação social foram os aspectos democráticos mais ameaçados durante as eleições. Quase um quarto dos pleitos realizados no ano passado — 14 em 61 — registraram aumento significativo de violência política. O documento citou, por exemplo, a eleição mais violenta da história recente do México, com 37 candidatos assassinados, além das tentativas de assassinato ao então candidato Donald Trump e ao primeiro-ministro da Eslováquia.